MPF aponta discriminação contra yanomamis em falas do governador de Roraima
O Ministério Público Federal de Roraima destacou que as falas do governador do estado, Antonio Denarium (PP), sobre a necessidade dos indígenas yanomami "se aculturar" e deixarem de "ficar no meio da mata, parecendo bicho", configuram-se como discriminatórias. As declarações foram dadas ontem (30) em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
O MPF-RR instaurou inquérito para apurar a responsabilidade de Denarium por suas falas, que incorreram em "ofensas à imagem coletiva dos yanomami", destacou o procurador Alisson Marugal. O governador pode ser responsabilizado nas esferas cível e criminal.
As declarações de Antonio Denarium literalmente no sentido de que os indígenas devem 'se aculturar' e que 'não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho', além de ofender a imagem coletiva dos Yanomami, rotulando-os como 'bichos', expressam opinião depreciativa que implica, ao que parece, a conclusão de que os povos indígenas não podem viver seu modo de vida tradicional."
A notícia de fato foi encaminhada ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que decidirá se há necessidade de instaurar uma apuração criminal de conduta e denunciar o governador ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Ao UOL, a assessoria de Antonio Denarium disse que "em momento algum o governador fez qualquer citação discriminatória em relação ao povo Yanomami". Ainda, reiterou que "o desejo pela melhoria da vida das pessoas é o desejo de qualquer pessoa que valoriza a dignidade de indígenas ou não".
"O Governo do Estado reafirma o compromisso constitucional de atuar dentro da legalidade e trabalhando pelo desenvolvimento de Roraima e da sua gente", completou.
O que Denarium falou?
- À Folha, o governador afirmou que a responsabilidade sobre a crise enfrentada pelos yanomamis não é exclusiva do estado;
- Disse que a situação de vulnerabilidade social, com quadros de desnutrição grave e acesso precário ao atendimento de saúde, é restrita a alguns grupos, não a todos os indígenas, e que acontece há décadas;
- Eximiu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de ser o único responsável pela crise ao afirmar que "estão criando um fato que não é de hoje";
- Também disse não ser possível vincular a ação de garimpeiros na região aos crimes cometidos contra os yanomamis;
- Por fim, Denarium declarou que os indígenas devem "se aculturar", deixar suas moradias e viver em áreas urbanas.
Após a repercussão da entrevista, a Hutukara Associação Yanomami repudiou as falas de Antonio Denarium, e apontou preconceito e discriminação do governador em relação aos indígenas.
"Nossos modos de vida nos são negados como se fôssemos primitivos, incapazes, inumanos. Longe de se limitar ao discurso político, esse pensamento se refletiu em políticas de tendência genocida que foram implementadas sistematicamente nos últimos anos para inviabilizar a manutenção da vida dos yanomami", destacou a associação, que apontou Denarium como "cúmplice da tragédia" por promover a atividade garimpeira na região.
Crise yanomami
O governo do presidente Lula (PT) decretou situação de emergência pública em relação à situação vivenciada pelos yanomamis em Roraima. O petista visitou a terra yanomami e disse ter presenciado uma situação de "desgraceira" e de completa ausência do Estado.
Conforme reportagens de diversos veículos de imprensa e denúncias feitas por instituições, a crise em territórios indígenas se agravou durante a gestão de Jair Bolsonaro, que afrouxou as leis ambientais e desmantelou órgãos de fiscalização de combate ao garimpo ilegal.
Só em 2022, o garimpo em terra indígena yanomami provocou o desmatamento de 232 hectares da floresta amazônica, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Conforme o Observatório da Mineração, em 2021 o garimpo registrou a maior expansão em 36 anos.
Para a ministra da Saúde, Nísia Trindade, a ação dos garimpeiros é a principal causa para a crise enfrentada pelos indígenas, que vai desde a desnutrição grave a doenças associadas à fome, como diarreia e infecções respiratórias, além do crescimento de casos de malária.
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