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MPF acusa irmão de expulso por garimpo de operar voos à Terra Yanomami

10.out.2012 - Antonio Timbó, o irmão mais velho, foi condenado por adulterar avião usado no garimpo nos anos 1990 - Reprodução/Facebook
10.out.2012 - Antonio Timbó, o irmão mais velho, foi condenado por adulterar avião usado no garimpo nos anos 1990 Imagem: Reprodução/Facebook

Do UOL, em São Paulo

15/02/2023 04h00

O empresário Adão de Pinho Bezerra, 57, é acusado pelo Ministério Público Federal de operar voos para o garimpo na Terra Indígena Yanomami. Segundo a denúncia, que tramita desde 2020 na Justiça Federal de Roraima, ele usava um hangar privado como oficina mecânica e ponto de partida de aviões que levavam comida e equipamentos a garimpeiros.

Bezerra é irmão de um pecuarista que também já foi investigado, há mais de 30 anos, por garimpo na área indígena. Antonio José Pinho Bezerra, 61, foi apontado pela Polícia Federal como explorador de diamantes no território Yanomami, em 1991, e chegou a ser condenado por adulterar um avião importado usado na atividade. Pelo crime de mineração ilegal, contudo, ele nunca foi punido.

Procurados pelo UOL, nenhum dos irmãos reconheceu ter vínculo com o garimpo. O mais velho, conhecido como Antonio Timbó, não respondeu às perguntas da reportagem, enquanto Adão afirma que nunca garimpou. As ligações de ambos com a atividade, no entanto, aparecem em investigações que se arrastam na Justiça nas últimas três décadas.

Antonio Timbó foi alvo da operação Selva Livre, realizada pela PF em 1990 para expulsar o garimpo da Terra Yanomami antes da demarcação definitiva do território, que ocorreria em 1992.

Embora a regularização da área não estivesse terminada, o território já estava delimitado e a mineração era proibida por ordem do governo federal. Na ocasião, o governo expulsou cerca de 40 mil garimpeiros da área, que só voltou a ser invadida com frequência mais de 20 anos depois.

Em 1991, a investigação da PF apontou que Timbó trabalhava com "atividade de garimpagem, compra e venda de diamantes". À época, a Justiça concluiu que ele fraudou o registro de um avião importado dos Estados Unidos, pintando um prefixo falso na lataria por cima do verdadeiro. Segundo a PF, a aeronave foi modificada "para ser utilizada no apoio à extração mineral ilegal em área indígena".

O denunciado [Antonio Timbó] exercia o garimpo ilegal em reserva indígena dos yanomamis, tendo inclusive inquéritos policiais instaurados contra si para apuração do fato."
Trecho de inquérito da operação Selva Livre, contra o garimpo na Terra Yanomami, em 1991

Por esse caso, Timbó foi condenado pela Justiça Federal em Roraima a 3 anos e 6 meses de prisão pelo crime de descaminho, que é a importação fraudulenta. O pecuarista recorreu em segunda instância e acabou absolvido pelo TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), que viu um erro na perícia durante a investigação.

Anos depois, em 1998, Timbó foi alvo de uma operação da PF que descobriu celulares importados ilegalmente sendo vendidos na joalheria Timbó Diamantes, em Boa Vista. Ele foi condenado a 6 anos de prisão pelos crimes de descaminho e uso de documento falso, mas recorreu ao TRF-1 e teve a pena reduzida para dois anos.

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Investigado por garimpo nos anos 1990, Antonio Timbó é pecuarista e soma 21 multas por desmatamento
Imagem: Reprodução/Facebook

Adão Bezerra, o irmão mais novo, é empresário do transporte aéreo. Assim como Timbó, ele não tem contra si nenhuma sentença por garimpo na Terra Yanomami, mas é réu por esse crime em um processo que tramita na Justiça Federal em Roraima.

Dono do aeródromo Barra do Vento, um hangar privado a 20 km de Boa Vista, ele é acusado pelo Ministério Público Federal de usar o local como oficina mecânica e ponto de partida de aviões que abastecem a mineração ilegal em Roraima. Uma operação policial em junho de 2016 descobriu que o local servia de base logística para vários donos de garimpo na região.

Após mais de quatro anos de investigação, o MPF denunciou Adão e mais duas pessoas, um piloto e um mecânico. Em seus depoimentos, ambos confessaram que trabalhavam para tradicionais chefes da mineração ilegal e que o hangar de Adão era usado por vários deles, que mantinham suas aeronaves no local.

Adão de Pinho Bezerra, na condição de proprietário do aeródromo Barra dos Ventos, bem como da empresa de táxi aéreo TARP, prestou apoio logístico às atividades de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami."
Trecho da denúncia do MPF em Roraima, de agosto de 2020

Além das confissões dos funcionários, o MPF reuniu áudios de conversas de Adão com outros investigados, que estão há anos na mira da Justiça. Um deles é Pedro Emiliano Garcia. Apelidado de Pedro Prancheta, ele foi um dos condenados pelo massacre do Haximú, uma chacina que matou 16 indígenas yanomamis em agosto de 1993.

Segundo o MPF, Prancheta mantinha pelo menos um avião usado para o garimpo no aeródromo de Adão Bezerra. O UOL procurou a defesa de Pedro Prancheta, mas não teve retorno.

Haximu - Carlo Zacquini/Acervo ISA - Carlo Zacquini/Acervo ISA
31.ago.1993 - Sobreviventes do massacre do Haximu, que vitimou 16 yanomamis, com as cinzas dos parentes mortos
Imagem: Carlo Zacquini/Acervo ISA

Apesar de acusado pelo MPF, Adão não interrompeu a atividade no aeródromo. Em outubro de 2021, mais de um ano após a denúncia, uma operação do Ibama no local apreendeu 28 aeronaves, que também estariam sendo empregadas no garimpo. Desta vez, o órgão ambiental mandou fechar o estabelecimento e multou Bezerra em R$ 110 mil.

O empresário nega ter qualquer envolvimento com os crimes. "Nunca garimpei e não sei por que estão me vinculando a isso. Nunca andei nesta área de garimpo aí. É só o que tenho a dizer. E outra: pode investigar à vontade, pois tenho consciência limpa com relação a isso", disse Bezerra ao UOL.

De origem cearense, Timbó e Adão nasceram em Crateús, no interior do estado. O pai foi dono de um mercadinho no município, a 350 quilômetros de Fortaleza, enquanto a mãe teve uma loja de tecidos na capital. A família, no entanto, tem terras registradas em Roraima pelo menos desde 1992, segundo levantou a reportagem.

Timbó tem pelo menos duas propriedades rurais na região de Boa Vista. Desde 2003 ele já levou 21 multas do Ibama, quase todas por desmatamento irregular, no valor total de R$ 31,77 milhões. Mais da metade das infrações ocorreu no governo de Jair Bolsonaro:

  • 2003 - Uma multa (R$ 16.680)
  • 2008 - Três multas (R$ 9,33 milhões)
  • 2009 - Uma multa (R$ 1,17 milhão)
  • 2010 - Duas multas (R$ 364 mil)
  • 2011 - Uma multa (R$ 996 mil)
  • 2013 - Uma multa (R$ 110 mil)
  • 2019 - Seis multas (R$ 5,38 milhões)
  • 2021 - Seis multas (R$ 14,48 milhões)

Onde fica a terra Yanomami - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL