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Em 1ª ação, ministro de Lula aprova verba que ignorou quando era governador

O ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Goés (PDT), que foi governador do Amapá 4 vezes - Governo do Amapá/Divulgação
O ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Goés (PDT), que foi governador do Amapá 4 vezes Imagem: Governo do Amapá/Divulgação

Do UOL, em Brasília

02/03/2023 04h00

O ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Goés (PDT), anunciou como uma de suas primeiras ações à frente da pasta o envio de R$ 155 milhões para a pavimentação de uma rodovia no Amapá, estado que já comandou por quatro vezes.

No entanto, enquanto foi governador, até 31 de dezembro do ano passado, ele ignorou a execução de um convênio com praticamente a mesma finalidade.

O projeto Igarapé Sustentável, aprovado entre o Ministério da Integração Regional (agora chamado de Desenvolvimento Regional) e o governo do Amapá, previa o envio de R$ 16 milhões para financiar ações de investimento no setor produtivo do estado. Corrigido pela inflação, o valor chega a R$ 25 milhões.

Entre as medidas, estavam a pavimentação de rodovias, a construção de um porto, um mercado de produtos agroextrativistas e uma fábrica de beneficiamento de camarão e frutas.

Assinado quando Camilo Capiberibe (PSB) era governador, em 2013, o programa foi de autoria do pai dele, o senador João Capiberibe (PSB). Deveria ter sido continuado por Goés, mas não evoluiu. Os dois políticos são adversários e têm se revezado no comando do estado.

A um mês de vencer, o contrato teve apenas 36% do plano realizado, segundo o Portal da Transparência. Ao todo, foram seis depósitos: dois em 2014 e quatro em 2016.

O caso chegou a ser analisado pelo Ministério Público, que, à época, pediu a prorrogação do prazo de execução até 31 de março de 2023.

Integrantes do MP ouvidos pela reportagem afirmaram que, caso o atual governador, Clécio Luís (Solidariedade), aliado de Alcolumbre e de Goés, não conclua a execução do programa, o valor terá de ser devolvido à União. Os três que passaram pela chefia do estado podem ser responsabilizados.

Em nota, o ministério ressaltou que o convênio foi assinado em 2013 e herdado por Goés dois anos depois "com sérios problemas de execução". A pasta informou ainda que após análise do MP-AP, "foi executado apenas o que era viável".

Integrantes do MP do estado ouvidos pela reportagem afirmaram que alguns pontos do projeto tiveram dificuldade na execução devido à questão fundiária. No entanto, citam "descaso do estado e falta de vontade política e de prioridades" na gestão do ex-governador para dar andamento às medidas.

Alcolumbre como padrinho

alcolumbre - Marcos Brandão/Presidência do Senado - Marcos Brandão/Presidência do Senado
Então presidente do Senado, Davi Alcolumbre recebe Waldez Góes
Imagem: Marcos Brandão/Presidência do Senado

Goés foi indicado ao ministério pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Os dois são aliados políticos no estado. Alcolumbre também destina recursos milionários para o Amapá em emendas parlamentares.

No texto de lançamento do programa, o ministério fez questão de ressaltar que ao menos R$ 58,7 milhões do montante são frutos de emendas do senador. Esse valor já foi liberado para o início das obras, segundo a pasta.

Há ainda R$ 9,8 milhões para equipamentos do setor produtivo, também vindos de emendas de Alcolumbre. O repasse será feito pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).

Goés foi governador do Amapá entre 2003 e 2010 e depois entre 2015 e 2022. Sua gestão foi marcada por escândalos de corrupção, casos de nepotismo e o apagão elétrico em 2020, que durou 22 dias e afetou 13 dos 16 municípios, provocando até o adiamento das eleições municipais naquele ano.

Os processos do ministro

O ministro tem ao menos 13 processos em andamento no TJAP (Tribunal de Justiça do Amapá), sendo dois por improbidade administrativa.

Goés já foi, inclusive, condenado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) por peculato (apropriação indevida de bem público).

Segundo o MP, Góes desviou recursos que deveriam ser destinados ao pagamento de empréstimos consignados feitos por funcionários públicos estaduais. A verba teria sido usada para bancar despesas do governo e os empréstimos que foram feitos pelo estado entre 2009 e 2010, quando ele era chefe do Executivo.

"O dinheiro público deve ser bem cuidado, para tanto, existem leis que orientam sua destinação", afirmou a denúncia.

Ele recebeu uma pena de seis anos e nove meses de prisão em regime semiaberto, além de multa de R$ 6,3 milhões. Atualmente, o processo está no STF (Supremo Tribunal Federal), após um habeas corpus questionar a condenação do político.

Em 2020, o ministro Dias Toffoli, à época presidente do Supremo, deu liminar favorável a Góes e suspendeu temporariamente a condenação. A tese do magistrado foi que o tribunal que julgou o caso não era competente. O habeas corpus, em si, ainda não foi julgado. Alexandre de Moraes pediu vista no processo.

A outra denúncia por improbidade aconteceu em 2017 e acusa Goés de parcelar o salário de servidores públicos sob a alegação de crise financeira no estado, enquanto teria aumentado o número de cargos comissionados e criado mais de 5.000 funções de confiança.

Na ação, o MP pediu que Goés exonerasse, no mínimo, 20% desses cargos comissionados. Segundo a Promotoria, eles configuravam prática de nepotismo direto ou cruzado da administração.

O MP recorreu ao STJ depois que a Justiça do Amapá considerou que as ações civis deveriam ter sido apresentadas pelo procurador-geral, e não por promotores de primeira instância. O STJ ainda deve avaliar o mérito do pedido. O processo está suspenso.

"Na contramão de uma política austera, é patente a imoralidade, a ilegalidade, a pessoalidade e o desrespeito ao equilíbrio das contas públicas levados a efeito pelo referido gestor, posto que nem sequer realizou a lição de casa, para que pudesse se arvorar do direito fundamental do cidadão que é o seu salário, verba esta protegida como impenhorável pela legislação", disse a denúncia.