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Governo Tarcísio chega aos 100 dias dividido entre alas técnica e política

Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, em evento em homenagem ao Dia da Mulher - IsadoradeLeaoMoreira
Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, em evento em homenagem ao Dia da Mulher Imagem: IsadoradeLeaoMoreira

Do UOL, em São Paulo

10/04/2023 04h00Atualizada em 10/04/2023 13h27

Tarcísio de Freitas (Republicanos) chega aos cem dias de governo em São Paulo com grupos distintos na linha de frente. Com orçamentos equivalentes, a ala política —que lida com deputados, prefeitos e vereadores— e a ala técnica —voltada para a execução de projetos— têm ofuscado a base de bolsonaristas radicais e de evangélicos.

Nomeações e orçamento estão concentrados

As alas política e técnica fizeram 300 nomeações entre 1º de janeiro e 31 de março. O número representa metade do total e é calculado com base nas secretarias sob controle de cada um dos grupos. Além disso, 51% do orçamento de R$ 317 bilhões estão nas mãos de secretários vinculados a um dos dois segmentos.

Políticos dominam Educação e Saúde. O secretário de Governo, Gilberto Kassab (PSD), é apontado principal articulador político e homem-forte do governador. Além dos três órgãos citados, o grupo controla as secretarias da Cultura e da Habitação. Entre suas 198 nomeações, prevalecem servidores oriundos das secretarias de Educação (42) e Saúde (25).

Técnicos tocam Economia e Infraestrutura. Sob a batuta do secretário da Casa Civil, Arthur Lima, a ala também está à frente das secretarias de Negócios Internacionais e Gestão e de Governo Digital. Ex-membros de ministérios e de outros órgãos federais totalizam 20% das 102 nomeações.

Os dois grupos brigam entre si. Nos bastidores, há relatos de discussões em reuniões e outros tipos de disputa —o que os envolvidos negam publicamente.

Os dois grupos estão em sintonia perfeita. A gestão política é muito integrada com a técnica."
Gilberto Kassab, secretário de governo do governo Tarcísio

Bolsonaristas estão em desvantagem. Enquanto as alas políticas e técnicas controlam orçamentos de R$ 81 bilhões cada uma, os secretários de Administração Penitenciária, da Mulher e de Segurança têm, juntos, R$ 42 bilhões. Metade das 76 nomeações do trio foi de ex-membros da Secretaria da Segurança.

Evangélicos têm poder limitado. Somado, os orçamentos das secretarias de Turismo e de Esportes é de pouco mais de R$ 1 bilhão. Das 65 nomeações feitas pelos órgãos, 11 foram de policiais militares —todos alocados na segunda pasta. Políticos do grupo negam, porém, preocupação com o cenário.

Grupos disputam forma pela qual governo será lembrado

Ala técnica quer deixar marca da eficácia. Grupo investe em projetos como o aplicativo para substituir o Poupatempo. O espaço limitado para debate de propostas, no entanto, incomoda servidores. Outro problema é o distanciamento de políticos. Em março, deputados estaduais só conseguiam marcar reuniões para junho com membros do time.

Ala política aposta na articulação. O contato com Lula durante os trabalhos após as chuvas que atingiram o litoral norte, em fevereiro, foi um exemplo da influência do grupo político. Entretanto, houve escorregões, como o veto do governo à lei que definia validade indeterminada a laudos que atestam autismo —decisão revista depois por Tarcísio. Mesmo aliados admitem que falta traquejo político ao governador —ex-ministro da Infraestrutura, ele nunca havia concorrido a um cargo eletivo antes.

Bolsonarismo foi de canhão à âncora. Medidas como o fornecimento de remédios à base da cannabis estremeceram a relação do governador com a corrente que o elegeu. Além disso, aliados entenderam a greve dos metroviários como tentativa de desgastar Tarcísio politicamente em razão da proximidade dele com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —o que endureceu negociação com sindicato.

Algumas nomeações dos primeiros cem dias chamam a atenção pela associação a temas polêmicos:

  1. Ana Claudia Lopes, assessora na Secretaria de Políticas para a Mulher --citada no inquérito dos atos antidemocráticos em Brasília em 19 de abril de 2020.
  2. José Vicente Santini, assessor especial do governador --afastado da Secretaria Nacional de Justiça em 2020 por usar avião da FAB em viagem oficial.
  3. Mauricio Pozzobon Martins, assessor especial do governador --cunhado de Tarcísio, exonerado após questionamentos.
  4. Sergio de Souza Merlo, corregedor administrativo na Secretaria de Administração Penitenciária --acusado de envolvimento no Massacre do Carandiru, em 1992.
  5. Teresinha de Almeida Ramos Neves, secretária executiva na Secretaria de Políticas para a Mulher --que escreveu contra o aborto em casos de estupro em 2012.

Daqui para frente

Venda da Sabesp será desafio. Em estudo pelo governo do estado, a medida enfrentará resistência na assembleia legislativa. Deputados aliados e de oposição veem a privatização como impopular. Por outro lado, membros do governo insistem que não há nada definido sobre o tema.

Água é um bem essencial e direito de todos. Hoje, há pessoas sem acesso e outras com dificuldade para ter. Uma possível privatização precisa melhorar este cenário e permitir que todos sejam bem atendidos"
Jorge Wilson (Republicanos), líder do governo na Assembleia Legislativa de São Paulo

Reeleição ou presidência? Caso cumpra as metas de atrair empresas, desburocratizar o estado e melhorar a saúde, Tarcísio chegará a 2026 com chances de disputar tanto a reeleição quanto a presidência. Políticos de esquerda e direita creem que, com o tempo, ele se distanciará de Bolsonaro —mas não cravam qual caminho ele escolherá.

O que diz o governo

Procurado, o Governo do Estado de São Paulo afirmou que "pauta as nomeações para a sua assessoria pela capacidade técnica das pessoas" e que, pela legislação em vigor hoje, a nomeação de um cunhado não configura situação de nepotismo.

Questionada sobre a disputa e as discussões entre representantes das alas técnica e política, a assessoria de comunicação de Tarcísio preferiu não se manifestar.