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Após denúncias, Uerj articulou mais R$ 44 mi para projeto com 'rachadinha'

Movimentação na entrada do campus principal da Uerj no Maracanã, zona norte do Rio - Igor Mello/ UOL
Movimentação na entrada do campus principal da Uerj no Maracanã, zona norte do Rio Imagem: Igor Mello/ UOL

Do UOL, no Rio

28/04/2023 04h00

O governo Cláudio Castro (PL) articulou com a Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) a liberação de R$ 44,5 milhões para retomar neste ano um projeto de pesquisa com suspeita de "rachadinha".

O que aconteceu

  • Reportagens do UOL mostram desde dezembro irregularidades em um projeto de educação profissional tocado pela Uerj com dinheiro do governo fluminense. Entre as suspeitas, estão contratações de cabos eleitorais fantasmas de deputados bolsonaristas aliados de Castro e um esquema de rachadinha. O caso está sob investigação.
  • A Uerj encerrou o projeto em dezembro após reportagem do UOL. Mas, apesar das suspeitas, deflagrou no mês seguinte, juntamente com uma fundação do governo do Rio, um processo para liberar mais dinheiro e dar continuidade ao projeto. A universidade chegou a apresentar neste mês a previsão de orçamento para 2023.
  • Suspensão. Procurada, a reitoria alegou que a renovação do programa foi cancelada em uma reunião presencial no dia 12 deste mês. No entanto, o encontro não foi registrado no processo administrativo de liberação das verbas, que segue em aberto. A universidade não justificou a medida.
  • Pessoas envolvidas no processo de liberação de recursos foram pagas pelo projeto da Uerj. Entre elas, está a presidente da Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica), que fez o pedido para renovação do programa. Caroline Alves da Costa é apadrinhada política pelo deputado estadual Dr. Serginho (PL), que teve cabos eleitorais pagos pelo projeto na véspera da campanha eleitoral. Em nota, o parlamentar --que, no ano passado, foi secretário de Ciência e Tecnologia, pasta responsável pela Faetec-- disse que hoje não tem qualquer relação com a secretaria ou com projetos da Uerj.
  • O projeto --que visa criar núcleos de qualificação profissional em cidades do RJ-- pagou R$ 23,7 milhões a bolsistas somente entre abril e agosto do ano passado. Apesar desse gasto, até o momento, nenhum dos dez núcleos previstos foi inaugurado.
  • O UOL questionou a Uerj sobre resultados alcançados em 2022. A instituição citou, de forma genérica, um "material acadêmico", cujas "conveniência e oportunidade de sua aplicação" serão avaliadas pela Faetec. A Uerj disse ainda que "vem realizando todas as apurações necessárias ao esclarecimento dos fatos [denunciados pelo UOL]".
  • Fantasmas. As 92 pessoas contratadas com as maiores bolsas pagas pela Uerj (R$ 34 mil brutos por mês) integraram esse projeto. Elas não passaram por processo público de seleção nem precisavam cumprir carga horária definida. Entre elas, o UOL identificou fortes indícios de que os serviços não foram prestados --um advogado que ganhou mais de R$ 100 mil brutos admitiu que não trabalhou; 54 bolsistas não explicaram se trabalharam e 12 não sabem como seus dados foram parar nas folhas de pagamento.
  • Rachadinha por boleto e Pix. Bolsistas também relataram que repassaram a maior parte das remunerações para quem os indicou às vagas. Três deles disseram que isso se deu por meio do pagamento de boletos de empresas, e um outro contratado afirmou ter transferido dois pagamentos da Uerj por Pix para contas bancárias indicadas por um conhecido. Os nomes das empresas e dos responsáveis por essas contas não foram revelados.
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Imagem: Arte/UOL

Ex-bolsista fez pedido para renovar projeto

O processo para a liberação do dinheiro começou em 27 de janeiro com um ofício da presidente da Faetec pedindo ao reitor da Uerj, Mario Sergio Alves Carneiro, a continuidade do programa em 2023.

Pela parceria, a fundação entraria com os recursos, e a universidade realizaria os serviços.

Costa foi contratada por esse mesmo projeto e recebeu, ao todo, R$ 52 mil brutos como bolsista ao longo de quatro meses do ano passado. Na ocasião, ela era vice-presidente da Fundação Cecierj, órgão da Secretaria de Ciência e Tecnologia do governo Castro voltado ao ensino à distância.

Questionada sobre as suspeitas, a Faetec disse ter adotado uma "investigação prévia em procedimento próprio". Sem dar detalhes, afirmou que "o material produzido em 2022 será implementado". O UOL questionou se houve conflito de interesse no caso de a presidente ter sido bolsista e pedir a renovação do projeto, mas a Faetec apenas remeteu às respostas anteriores em que afirma que o programa não teve continuidade.

Recondução de coordenadora que ganhou ao menos R$ 641 mil

Após o pedido inicial da presidente da Faetec para a renovação do projeto, o reitor publicou um documento interno designando a professora Eloíza da Silva Gomes de Oliveira como coordenadora-geral do programa também para 2023.

Oliveira, que exerceu a mesma função em 2022, foi quem mais recebeu dinheiro dos projetos realizados pela Uerj com recursos do governo Castro: ao menos R$ 641 mil em quatro projetos de pesquisa entre janeiro de 2021 e agosto de 2022.

A coordenadora continuou ganhando pelo projeto de qualificação profissional até o final. Somente entre abril e dezembro, ela recebeu ao todo R$ 350 mil na função.

Orçamento genérico e 'taxa de fiscalização'

O texto do plano de trabalho para 2023 é praticamente igual ao apresentado no ano passado, inclusive com parágrafos idênticos.

A previsão orçamentária tem apenas sete itens, que não são detalhados.

A maior parte do dinheiro foi estimada para a contratação de recursos humanos (R$ 31,2 milhões). Sem explicações, R$ 2,2 milhões são destinados a uma "taxa de fiscalização e administração" e R$ 4,5 milhões, para "capital".

Assim como em 2022, há previsão de contratação de funcionários externos sem necessidade de processo seletivo público para fazerem parte de um núcleo com as remunerações mais altas.

"O núcleo estruturante do projeto [...] segue os mesmos critérios de seleção de pessoal utilizados, pelo Estado, para os cargos em comissão e funções de confiança da Administração. Portanto, seus integrantes podem ser livremente nomeados e exonerados, sendo descabida a celebração de contrato temporário para as funções exercidas."

Também não está previsto controle de carga horária "por serem atividades mensuráveis por
entregas".

O governo do Rio vem negando a existência de irregularidades na ocupação das vagas dos projetos com folhas de pagamento secretas —informadas ao TCE-RJ (Tribunal de Contas Estadual) após reportagem do UOL.