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Avião vendido por governador foi apreendido por suspeita de uso em garimpo

15.abr.23 - Governador de Roraima, Antonio Denarium, na cidade de Caracaraí - Reprodução/Facebook
15.abr.23 - Governador de Roraima, Antonio Denarium, na cidade de Caracaraí Imagem: Reprodução/Facebook

Do UOL, em São Paulo

04/05/2023 04h00

Dois empresários disputam na Justiça Federal, em Roraima, a posse de um avião vendido pelo governador do estado, Antonio Denarium (PP). Em novembro passado, a aeronave foi apreendida por suspeita de servir ao garimpo na Terra Indígena Yanomami.

Quem comprou o avião

Denarium teria vendido o avião em 2021 a Antonio Timbó, que já foi investigado por garimpo ilegal. Segundo o processo, o governador tomou o avião como pagamento de uma dívida, em 2015, e o vendeu a Timbó seis anos depois.

Timbó, em seguida, o teria revendido a Valdir Nascimento, conhecido como "Japão", condenado em 2020 por garimpo ilegal.

O empresário Paulo Assis de Souza, dono da mineradora D'Goold, reivindicou a aeronave na Justiça. Ele alegou que os negócios entre o governador de RR e Timbó e depois entre Timbó e "Japão" foram ilegítimos.

Essas vendas, porém, não foram registradas na Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). A D'Goold argumenta que comprou a aeronave do antigo proprietário, o empresário Carlos Domiciano, que tinha a dívida com Denarium em 2015.

Na Anac, o avião ainda está em nome de um proprietário anterior: a construtora MTec, de Santarém (PA). A empresa, contudo, afirma que vendeu a aeronave a Domiciano e não sabe o que ocorreu depois.

Em novembro de 2022, o juiz do caso em primeira instância deu razão à D'Goold, mas Timbó recorreu. Até que haja decisão definitiva em segundo grau, a aeronave ficará em posse da mineradora.

Qual a ligação com o garimpo ilegal?

Até a decisão a favor da D'Goold no ano passado, o avião estava em um hangar privado da família de Timbó. O local vinha funcionando, apesar de ter sido interditado, mais de um ano antes, pela acusação de operar voos ilegais ao território Yanomami.

Na operação que interditou o hangar, a Polícia Federal havia apreendido 28 aeronaves com suspeita de uso ilegal. À época, o avião vendido por Denarium ainda não estava no local, mas foi levado para lá semanas depois.

Segundo o juiz do caso, havia o risco de a aeronave ser usada no garimpo, se permanecesse no hangar da família de Timbó:

O perigo de dano, por sua vez, decorre do fato de que a aeronave está em posse de terceiros, sendo utilizada para atividades ilícitas (garimpo ilegal), havendo, assim, risco de perecimento, destruição, desvio ou deterioração do bem."
Juiz Angelo Augusto Graça Mendes, da 2ª Vara Cível de Roraima

Avião Denarium - Reprodução - Reprodução
Avião vendido por Antonio Denarium (PP) acabou apreendido em hangar usado para o garimpo ilegal
Imagem: Reprodução

Valdir Nascimento, o "Japão", não está disputando a posse do avião, mas a D'Goold diz que ele o comprou de Timbó. "Japão" foi alvo de uma operação da Polícia Federal em 2018 e acabou condenado em dezembro de 2020 por garimpo na terra Yanomami.

O primeiro Requerido [Timbó] tinha conhecimento que a aeronave já havia sido vendida ao Autor [a D'Goold], contudo, a tomou para si e vendeu para o terceiro Requerido ["Japão"], fazendo vista grossa ao fato de que o Autor [a D'Goold] já havia comprado a aeronave".
Mineradora D'Goold, no pedido que levou à apreensão do avião

O que diz o governador de RR

O UOL fez três questionamentos ao advogado Francisco das Chagas Batista, que defende Denarium.

A defesa confirma que Denarium tomou o avião em 2015 e o vendeu em 2021? Se sim, por que não houve registro na Anac? Sobre este ponto, Batista afirmou que a defesa está sendo elaborada e a resposta será dada nos autos.

O governador sabia que o hangar Barra do Vento, onde o avião foi apreendido, estava interditado por servir ao garimpo ilegal? Segundo o advogado, o avião estava no local "por circunstâncias alheias à vontade do governador", que não sabia do uso da estrutura para qualquer atividade ilegal. Ele destaca, ainda, que a aeronave estava parada, sem ser utilizada.

Qual a relação de Denarium com Antonio Timbó e Valdir Nascimento? O governador sabe da ligação deles com o garimpo? Batista disse que Timbó é "conhecidíssimo" como empresário em Boa Vista, mas Denarium não tem ciência de qualquer acusação por garimpo ilegal. Já Nascimento (o "Japão"), segundo a defesa, não tem qualquer relação com o governador.

O UOL fez as mesmas três perguntas ao governo de Roraima. Em nota, a gestão estadual afirmou que Denarium "acredita na lisura da Justiça e confia na sua inocência", mas que os esclarecimentos serão dados à Justiça.

Atualmente, Antonio Timbó não é acusado de garimpo ilegal, mas já foi condenado por adulterar um avião importado que seria usado no crime. O irmão dele, Adão de Pinho Bezerra, é réu na Justiça Federal após ter sido acusado, em 2020, de operar voos a garimpos no território Yanomami. Procurados, nenhum deles reconheceu ligação com a atividade.

Timbó - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
10.out.2012 - Antonio Timbó foi condenado, nos anos 1990, por adulterar avião usado no garimpo
Imagem: Reprodução/Facebook

O que dizem os outros envolvidos

A defesa de Antonio Timbó entrou com um recurso para tentar recuperar o avião. No documento, o pecuarista alega que a D'Goold "nunca foi proprietária do avião e nunca sequer teve a posse do bem, valendo-se de meios escusos" para colocar a aeronave em nome da empresa.

O UOL questionou Timbó sobre o motivo de a venda não ter sido registrada na ANAC. A defesa não respondeu, mas afirmou que "a verdade dos fatos é exatamente o que está no recurso".

Já a D'Goold afirmou que o avião foi "usurpado" por Denarium, o que obrigou a empresa a entrar na Justiça. Segundo a defesa, a empresa "tentou reaver a aeronave de forma amigável, apresentando os documentos, mas não teve êxito".

A defesa de Valdir Nascimento, o "Japão", afirma que não há provas de que ele tenha praticado o garimpo em terras indígenas. O que acontece em Roraima, segundo ele, "é a injusta prática de acusar quase todos os proprietários de aeronaves como fomentadores de garimpo ilegal".