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Mais uma cidade do RJ foi usada na fraude da vacina de Mauro Cid

Dados do Ministério da Saúde identificados pelo UOL mostram registros de vacinas em Campos de Goytacazes - UOL
Dados do Ministério da Saúde identificados pelo UOL mostram registros de vacinas em Campos de Goytacazes Imagem: UOL
Amanda Rossi e Aguirre Talento

Do UOL, em São Paulo e Brasília

20/05/2023 04h00Atualizada em 20/05/2023 07h34

O esquema de fraudes em certificados de vacinas da covid-19 articulado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro, envolveu uma terceira cidade. Investigação do UOL detectou registros falsos de vacina feitos em Campos dos Goytacazes (RJ) em nome das filhas de Cid.

Até agora, a Polícia Federal havia apontado a atuação de Cid para obter certificados falsos de vacina em Cabeceiras (GO) e Duque de Caxias (RJ), onde se concentrou a maior parte do esquema. Campos dos Goytacazes não é citada na investigação.

O prefeito de Campos dos Goytacazes é Wladimir Garotinho, filho de Anthony e Rosinha Garotinho, e irmão da deputada federal Clarissa Garotinho.

O secretário de saúde do município, Paulo Hirano, afirmou ao UOL que tomou conhecimento do caso ainda no ano passado e que determinou que os dados não fossem registrados. Afirmou também que a prefeitura não abriu apuração interna e não foi procurada pela PF.

Cid foi preso em operação deflagrada em 3 de maio. Além dele, foram presos João Carlos Brecha, secretário de Governo de Duque de Caxias apontado como responsável por inserir os registros falsos feitos na cidade, e outras quatro pessoas.

O que aconteceu

O UOL identificou os registros de vacinas em Campos de Goytacazes na base de dados de vacinação do Ministério da Saúde.

Em 14 de dezembro do ano passado, foram registradas sete doses de vacina nas três filhas de Cid.

As doses teriam sido aplicadas na Secretaria Municipal de Saúde de Campos dos Goytacazes, em datas muito anteriores ao dia do registro: 06/08/2021, 06/12/2021, 12/07/2022 e 06/12/2022. No caso de dados verdadeiros, o padrão é que sejam informados ao Ministério da Saúde nos dias seguintes à aplicação.

Houve um erro na hora de registrar os dados: foi informado no sistema do Ministério da Saúde que a filha do meio de Cid teria recebido duas vezes a primeira dose, em 06/12/2021 e 06/12/2022. Já a filha mais velha teria recebido só a segunda dose e o reforço, sem a primeira dose.

No dia seguinte do registro, 15 de dezembro de 2022, todas as sete doses nas filhas de Cid supostamente aplicadas em Campos dos Goytacazes foram deletadas do sistema do Ministério da Saúde.

Mas o banco de dados de vacinação do Ministério da Saúde não apaga realmente os dados. Apenas inclui uma marcação para informar que aqueles registros devem ser desconsiderados. Foi dessa forma que a Polícia Federal descobriu as informações deletadas de Bolsonaro e sua filha Laura, inseridos no sistema em Duque de Caxias.

Já em 17 de dezembro, foram registradas as vacinas de Cid e filhas em Duque de Caxias. Dessa vez, os dados não foram apagados.

Em 21 de dezembro, duas filhas de Cid embarcaram para os Estados Unidos em voos comerciais. O país exige certificado de vacinação contra a covid-19. Investigação da PF apontou que a família do ex-ajudante de ordens emitiu os documentos no site do Ministério da Saúde usando os registros falsos feitos em Duque de Caxias.

Também em 21 de dezembro, dados falsos de vacinas em Jair e sua filha Laura foram incluídos em Duque de Caxias. Foram apagados no dia 28.

Em 30 de dezembro, Bolsonaro e Laura, acompanhados de Michelle Bolsonaro, também partiram para os EUA.

Eu não vou tomar vacina mesmo. Eu e ninguém aqui casa. Eu não vou tomar..... nem as crianças..... As vacinas ainda estão em fase de teste...... To fora"
Mauro Cid, em mensagem de maio de 2021, encontrada durante a investigação

Mensagens interceptadas pela PF falam de 'duas frentes' no Rio

O ex-major do Exército Ailton Barros, também preso na operação de 3 de maio, foi o contato de Mauro Cid para registrar as vacinas falsas no Rio, segundo mensagens interceptadas pela PF.

Em diálogo com Cid em 30 de novembro de 2021, Barros citou que tinha "duas frentes" no Rio.

Eu estou com duas frentes aqui no Rio, acabei de abrir uma terceira aqui agora, porque realmente o negócio é pica e ninguém pode ficar exposto, não é, particularmente, particularmente, quem você sabe, né? Não pode ficar. Mais tá caminhando bem. Eu acredito que pelo menos uma delas deverá dar bingo aqui do Rio".
Ailton Barros, ex-major do Exército

De acordo com a investigação, o primeiro registro falso inserido para a família de Cid, por intermédio de Barros, foi para a mulher do ex-ajudante de ordens, em novembro de 2021, em Duque de Caxias. No mês seguinte, ela viajou para os Estados Unidos.

Quem me der o retorno positivo, aí sim, eu passo os dados, por enquanto, dessas 3 linhas de ação, ninguém tem dado de nada. Eles só estão na guerra mesmo para me dar a solução. Quem me der a solução, eu passo os dados. Sem isso, não tem dados. Tá tudo comigo"
Ailton Barros, ex-major do Exército

Diálogo de Ailton Barros inteceptado pela PF - Reprodução/PF - Reprodução/PF
Diálogo de Ailton Barros inteceptado pela PF
Imagem: Reprodução/PF

Secretário de Campos diz que mandou suspender registro das vacinas

O secretário municipal de saúde de Campos dos Goytacazes, Paulo Hirano, disse ao UOL que tomou conhecimento do caso ainda no ano passado.

Segundo Hirano, houve tentativa de registrar as vacinas, mas havia inconsistências nos lotes. Por isso, o caso teria sido levado até seu gabinete. O secretário diz que determinou que os dados não fossem registrados.

Porém, os dados do Ministério da Saúde mostram que as vacinas foram sim registradas e, no dia seguinte, apagadas. O secretário disse desconhecer a situação.

Quando chegou ao nosso conhecimento no gabinete, mandamos suspender. [Eu disse:] não lança nada disso, tá inconsistente, então não lança. Não lembro qual era a inconsistência. Acho que foi com o lote [da vacina]."
Paulo Hirano, secretário de saúde de Campos dos Goytacazes

Os registros feitos em Campos dos Goytacazes mostram que a filha mais nova de Cid teria recebido a primeira dose da Pfizer pediátrica em dezembro de 2021, quando tinha 4 anos. Mas o Ministério da Saúde só liberou o imunizante para essa faixa etária em setembro do ano seguinte. O UOL mostrou que os registros das filhas de Cid Duque de Caxias também tinham essa inconsistência.

Ainda de acordo com Hirano, na época não se sabia de quem eram os cartões de vacinas. Segundo ele, apenas esse ano, diante da operação em Duque de Caxias, a secretaria da saúde teria consultado o caso novamente e verificado que se tratava da família Cid.

Até que aparece essa nova história [de Duque de Caxias]. A gente ficou muito surpreso quando viu quem era [que estava envolvido]. Graças a Deus que foi identificado antes da hora."
Paulo Hirano, secretário de saúde de Campos dos Goytacazes

O secretário disse que não abriu investigação interna sobre o caso. Também disse que a Prefeitura de Campos de Goytacazes não foi procurada pela Polícia Federal.

Outro lado

O advogado de Mauro Cid, Bernardo Fenelon, afirmou que, em respeito ao Supremo Tribunal Federal, só iria se manifestar nos autos do processo. A mulher de Cid, Gabriela, admitiu em depoimento à PF na sexta-feira ter usado o certificado falso de vacina, mas disse que Mauro Cid foi o responsável por providenciar os registros fraudulentos. O UOL não localizou a defesa de Ailton Barros.