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'Atuação sorrateira', 'amargura cívica': o que STF disse ao condenar Collor

Fernando Collor foi condenado pelo STF - Anderson Riedel/PR
Fernando Collor foi condenado pelo STF Imagem: Anderson Riedel/PR
Rafael Neves, Paulo Roberto Netto e Tiago Minervino

Do UOL, em São Paulo e Brasília, e colaboração para o UOL

26/05/2023 04h00

O ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB-AL) foi condenado ontem no STF pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em uma ação penal derivada da Operação Lava Jato. O placar no plenário foi 8 a 2. Os ministros ainda vão discutir, na próxima quarta-feira (31), qual será a pena.

Veja a seguir trechos dos argumentos de ministros do STF.

Edson Fachin: "atuação sorrateira"

O relator defendeu uma sentença de 33 anos em regime fechado, maior do que a pena pedida pela PGR. A Procuradoria-Geral da República pediu uma sentença de 22 anos de prisão.

É inegável que a atuação sorrateira de um parlamentar federal, com o auxílio de comparsas, que desvia suas atividades para a articulação de negociações espúrias voltadas para a manutenção de um instrumento apto a lhe garantir, de forma indevida, recursos pertencentes à sociedade brasileira, atinge diretamente os valores previstos constitucionalmente como essenciais para a construção de uma 'sociedade livre, justa e solidária'..."

No ápice da estrutura organizada, se encontrava o então senador que se utilizou de influência política partidária para promover indicações a diretorias da BR Distribuidora e, com adesão dos respetivos diretores indicados, criar facilidades para a celebração de contratos."
Ministro Edson Fachin, relator do caso

Cármen Lúcia: "amargura cívica"

A ministra acompanhou o entendimento do relator. Um dos destaques de seu voto foi ao apontar "uma amargura cívica" em relação aos fatos que ocorreram ao mesmo tempo em que o STF julgava o processo do mensalão.

Me causou enorme, eu diria quase uma amargura, não pessoal, mas uma amargura cívica, quando eu vi que estes fatos se dariam de 2010 a 2014...

Em algumas datas (...) se dava, por exemplo, no ano de 2012, período em que nós estávamos aqui reunidos e o Brasil assistia pela primeira vez a este Supremo Tribunal Federal julgar a Ação Penal 470, que dizia respeito a crimes como esse: organização criminosa, corrupção passiva, lavagem de capitais. E nada disso causou qualquer temor, parece, a uma parte de pessoas que estavam a praticar atos denunciados depois pelo Ministério Público e, pelo menos até agora, tidos como comprovados.
Cármen Lúcia

Gilmar absolveu Collor e criticou a Lava Jato

Gilmar Mendes voltou a fazer críticas à Lava Jato, a Sergio Moro e a Deltan Dallagnol.

O ministro defendeu que as provas apresentadas contra o ex-senador são insuficientes. Afirmou que delatores — notadamente Alberto Youssef — apresentavam versões para que pudessem angariar melhores acordos com os procuradores da República.

[É] longo [o] histórico de relacionamento entre o doleiro responsável pela evasão de cifras bilionárias com personagens histriônicos da Operação Lava Jato, notadamente o ex-juiz Sergio Moro e o agora inelegível Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa da operação."

A pretexto de que os relatos do coloraborador seriam úteis para a apuração de crimes graves envolvendo a classe política, as autoridades públicas celebraram generosos, repito, generosos acordos de colaboração com Alberto Youssef."
Gilmar Mendes

Rosa Weber: "tráfico da função pública"

A presidente do STF condenou Collor por corrupção e lavagem, convertendo o crime de organização criminosa em associação criminosa.

Entendo configurado no caso concreto o efetivo tráfico da função pública pelo senador Fernando Collor de Mello, uma vez que se utilizou de seus apadrinhados políticos para, em troca do recebimento de vantagem indevida, direcionar fraudulentamente procedimentos licitatórios."
Rosa Weber, presidente do STF

André Mendonça: "associação criminosa"

O ministro acompanhou o relator no tocante à condenação de Collor, por entender que as provas se afiguram "suficientemente robustas e acima de dúvida razoável no sentido de autorizar o acolhimento, ainda que parcial, da tese acusatória".

Entretanto, Mendonça disse não vislumbrar a existência de organização criminosa comandada por Collor, conforme apontado por Fachin. Para ele, existia na realidade uma associação criminosa entre o ex-senador e os demais réus Pedro PauloBergamaschi e Luís Pereira Duarte de Amorim.

Entendo que Fernando Collor de Melo, Pedro Paulo e Amorim compunham, esses sim, um grupo de pessoas, liderado por Fernando Collor. Por isso meu entendimento é que, à luz dos elementos de prova, se trata de uma associação criminosa, e não de organização criminosa..."

Toffoli: "deficiências insuperáveis" nas provas

Dias Toffoli também votou pela condenação, mas divergiu de Fachin quanto à existência de organização criminosa. Para o ministro, "ainda restaram deficiências insuperáveis" para se comprovar esse crime.

O fato é que também não foram demonstrados traços imprescindíveis à caracterização desse tipo penal grave. Embora tenham sido apontados os modos como cada réu praticou os crimes (...), tais condutas, na espécie, no caso concreto, são insuficientes para caracterizar também o tipo da organização criminosa."

Nunes Marques absolveu Collor

Nunes Marques pediu a absolvição de Fernando Collor e dos demais réus. Em um trecho de seu voto, o magistrado disse que não houve elementos suficientes para comprovar com o grau de "certeza exigível" pela condenação dos acusados.

(...) inexistindo nos autos elementos externos idôneos para corroborar as declarações prestadas pelos colaboradores, não há como considerar a tese acusatória de que teria havido a negociação de venda de apoio político para indicação e manutenção de dirigentes na BR Distribuidora."
Nunes Marques

Barroso: "foram produzidas provas suficientes"

Luís Roberto Barroso afirmou que a denúncia da PGR vai além das delações premiadas.

(...) considero que existe prova em quantidade suficiente e de diferentes procedências, que transcendem às meras colaborações premiadas que por si só não seriam suficientes."
Luís Roberto Barroso

Luiz Fux: "delito de corrupção foi praticado"

O ministro também considerou que as provas foram suficientes para condená-lo.

Eu entendo que o conjunto dessa prova tornou estreme de dúvidas que realmente esse delito de corrupção foi praticado, o delito de lavagem foi praticado e também o delito de organização criminosa.
Luiz Fux

Moraes mudou seu voto

Alexandre de Moraes mudou de voto para converter o crime de organização criminosa em associação criminosa. Para ele, não estavam previstos os requisitos para enquadrar o caso de Collor como organização criminosa.

As investigações mostraram a atuação de uma estrutura criminosa que se estruturou na BR Distribuidora. Aí não há dúvida."
Alexandre de Moraes

Caso deriva da Operação Lava Jato

Collor foi denunciado pela PGR em 2015 sob a acusação de receber R$ 29 milhões em propinas entre 2010 e 2014, para viabilizar, por meio de indicações políticas, um contrato de troca de bandeira de postos de combustível celebrado pela BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras.

Os ministros também devem definir se Collor será enquadrado pelo crime de organização criminosa ou associação criminosa (que tende a ter punição mais branda). Para quatro ministros (Fachin, Barroso, Fux e Cármen), o caso de Collor é de organização criminosa — outros quatro ministros (Mendonça, Moraes, Toffoli e Rosa) veem como associação.

O que diz a defesa do ex-presidente

A defesa afirma que não foram produzidas provas que demonstrem que o ex-presidente recebeu os valores da propina e que as acusações se baseiam em delações.

Em nenhum desses conjuntos de fatos, o Ministério Público fez provas suficientes ou capazes de gerar a mínima certeza com relação à culpabilidade."
Marcelo Bessa, advogado, na abertura do julgamento

Fernando Collor ainda poderá apresentar recursos ao STF para questionar a sentença. A execução da pena costuma ser iniciada após a análise desses recursos, ou seja, quando se esgotam todos os recursos possíveis.