Zanin e Barroso votam contra o marco temporal, e placar no STF vai a 4 a 2

Os ministros Cristiano Zanin e Luis Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), votaram hoje contra o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A tese estabelece que povos originários só podem reivindicar territórios que ocupavam à data da Constituição, em outubro de 1988.

Como está o julgamento

Zanin desempatou o placar, e foi acompanhado por Barroso. Até a agora são 4 votos a 2 contra o marco — faltam cinco ministros, e o próximo a votar é o ministro Luiz Fux. O julgamento será retomado na próxima quarta-feira (6).

Além de Barroso e Zanin, indicado pelo presidente Lula (PT), votaram contra a tese Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

André Mendonça e Nunes Marques votaram a favor — ambos foram indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Indígenas acampados em frente ao STF acompanham a votação do marco temporal
Indígenas acampados em frente ao STF acompanham a votação do marco temporal Imagem: MATHEUS W ALVES/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

O que dizem os ministros

Zanin afirmou que a proteção constitucional independe da existência de um marco temporal, mas defendeu uma indenização ao proprietário que recebeu, de um ente público, uma área em terras de ocupação dos povos originários. Nesta semana, como o UOL mostrou, ele se reuniu com diferentes interessados no julgamento durante a semana.

O ministro defendeu que a responsabilidade de indenização não caberá somente à União mas também a estados e municípios que tenham promovido a titulação indevida. Zanin propôs ainda que, em casos de indenização, o processo deve ser feito de forma separada ao processo de demarcação.

O regime jurídico na Constituição de 1988 solapa qualquer dúvida no sentido de que a garantia da permanência dos povos indígenas nas terras tradicionalmente ocupadas é indispensável para a concretização dos direitos fundamentais básicos desses povos,
Cristiano Zanin

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Em seu voto Barroso divergiu de Alexandre de Moraes, afirmando que este não é o momento ideal para se discutir indenizações. Mesmo assim, considerou que, se vencido neste ponto, propõe que a indenização a ser paga ao proprietário de terra não deve ser prévia, uma vez que a medida impossibilitaria a demarcação.

Não existe um marco temporal fixo e inexorável. A ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na reivindicação de permanência na área, por mecanismos diversos.
Luis Roberto Barroso

O ministro do STF Edson Fachin
O ministro do STF Edson Fachin Imagem: Carlos Moura/SCO/STF

Em 2021, o relator Edson Fachin afirmou que a perda da posse de terras tradicionais por uma comunidade indígena significaria o "progressivo etnocídio de sua cultura".

O ministro reconheceu que há casos em que o proprietário de terras ocupou o terreno de boa-fé e, neste cenário, defendeu o pagamento de indenizações pelas benfeitorias feitas no terreno ou prioridade em programas de reassentamento do governo.

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Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos indígenas integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade
Edson Fachin

9.ago.2023 - O ministro Alexandre de Moraes durante sessão plenária do Supremo
9.ago.2023 - O ministro Alexandre de Moraes durante sessão plenária do Supremo Imagem: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Moraes acompanhou o colega, mas propôs indenizar o proprietário de terra localizada em território indígena que tenham ocupado o espaço de boa-fé. Neste caso, o valor da indenização seria sobre a terra e benfeitorias no local.

O ministro também sugeriu que, em situações em que não for possível a desapropriação, como cidades ocupadas em territórios indígenas, por exemplo, a União poderá indenizar as comunidades originárias concedendo território equivalente ao ocupado.

Embora a proposta seja malvista por lideranças indígenas, dentro do STF a expectativa que uma ala da corte siga este caminho, considerado um "voto-médio" que conciliaria os interesses dos povos originários e ruralistas.

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Essa insegurança jurídica, essa intranquilidade social, que acaba resultando em violência entre comunidades indígenas e pessoas do campo, permanece nos dias de hoje, quase 35 anos da Constituição Federal
Alexandre de Moraes

O ministro do STF Andre Mendonça
O ministro do STF Andre Mendonça Imagem: ANDRE VIOLATTI/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Ontem, André Mendonça disse que a tese do marco temporal é um "insubstituível referencial" para a demarcação, além de um critério objetivo que "imuniza" riscos de conflitos e garante segurança jurídica. A posição é semelhante à adotada por Nunes Marques.

Mendonça ainda propôs que o usufruto dos indígenas sobre o território não deve se sobrepor aos interesses da política de defesa nacional, como instalações de bases, unidades e postos militares, além de expansão da malha viária. A implementação desses projetos, de acordo com o ministro, poderia ser ser feita "independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas".

Não se trata de negar as atrocidades cometidas, mas antes compreender que o olhar do passado deve ter a perspectiva, a possibilidade de uma reconstrução do presente e do futuro.
André Mendonça

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30.ago.23 - Manifestação em Belém contra a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas
30.ago.23 - Manifestação em Belém contra a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas Imagem: MARX VASCONCELOS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Decisão do STF terá repercussão geral

A decisão do Supremo no caso servirá para solucionar disputas judiciais sobre o tema em todas as instâncias do país. Há 226 processos parados aguardando a solução da Corte. A discussão opõe ruralistas e mais de 170 povos indígenas, que criticam a tese e defendem a sua derrubada.

O caso específico envolve uma disputa entre o governo de Santa Catarina e indígenas do povo xokleng, que reivindicam um território na região central do estado. Em janeiro de 2009, cerca de cem deles ocuparam uma área onde hoje está a reserva biológica do Sassafrás, uma área de proteção ambiental. O governo pediu a reintegração de posse, e obteve em primeira instância, mas a Funai recorreu, e o caso chegou ao Supremo em 2016.

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