Mendonça vota a favor do marco temporal e empata em 2 a 2 julgamento no STF

O ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou a favor da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas, empatando o placar em 2 votos a 2 do julgamento retomado ontem (30) — faltam os votos de 7 ministros.

Mendonça concluirá a leitura do voto na sessão de hoje (31). Além dele, Nunes Marques votou a favor do marco temporal — que estabelece que os povos indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam à época da promulgação da Constituição, em outubro de 1988. Votaram contra até agora Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

O que defendeu Mendonça

O ministro afirmou que marco temporal é um "insubstituível referencial" sobre a demarcação de terras indígenas. Para Mendonça, se trata de uma regra objetiva que "imuniza" riscos de conflitos e garante segurança jurídica.

A posição é semelhante à adotada por Nunes Marques — ambos foram indicados pelo ex-presidente jair Bolsonaro (PL). (leia como cada ministro votou até agora).

"Não se pretende com isso negar os lamentáveis acontecimentos históricos que desafortunadamente perpassam de maneira efetiva as relações entre indígenas e não indígenas", disse Mendonça. O ministro fez uma longa explanação do histórico de usurpação de territórios indígenas na história brasileira.

Não se trata de negar as atrocidades cometidas, mas antes compreender que o olhar do passado deve ter a perspectiva, a possibilidade de uma reconstrução do presente e do futuro
André Mendonça, ministro do STF

Zanin entre indígenas e ruralistas

Depois de Mendonça, o próximo a votar é Cristiano Zanin, indicado pelo presidente Lula (PT). O ministro tem se reunido com diferentes interessados no julgamento. A expectativa é que ele siga o voto-médio proferido por Moraes, que é contra o marco temporal, mas fixa uma indenização prévia a ruralistas em caso de ocupação de boa-fé.

30.ago.2023 - O ministro Cristiano Zanin, do STF, durante sessão plenária que julga o marco temporal
30.ago.2023 - O ministro Cristiano Zanin, do STF, durante sessão plenária que julga o marco temporal Imagem: Carlos Moura/SCO/STF
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. Do lado do governo, o ministro se encontrou com o advogado-geral da União, Jorge Messias, e com a ministra Sônia Guajajara, dos Povos Originários. A AGU diz que a indenização afetaria todo o processo de demarcação (que já é demorado), a segurança jurídica dos próprios indígenas e traria prejuízos aos cofres da União.

Zanin também se reuniu com a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro (PL) e uma das expoentes da bancada ruralista no Congresso. Procurada, ela não quis comentar sobre o encontro.

Na bancada, a expectativa é que Zanin siga o que prometeu na sabatina: "conciliar" interesses dos proprietários de terras com os direitos dos indígenas.

Rosa deve antecipar voto se julgamento parar

A um mês da aposentadoria, Rosa Weber, presidente do STF, sinalizou que deve antecipar sua posição caso o julgamento do marco temporal seja suspenso por um novo pedido de vista (mais tempo de análise).

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A ministra relembrou que Mendonça devolveu o caso antes da sua aposentadoria, cumprindo um pedido feito por ela quando o colega suspendeu o julgamento em junho.

A tendência é que o voto de Rosa seja favorável aos pleitos dos indígenas. Na sessão de hoje, o Supremo reservou 60 lugares no plenário para lideranças indígenas acompanhassem o julgamento.

Índigena no plenário do STF durante o julgamento do marco temporal para demarcação de reservas
Índigena no plenário do STF durante o julgamento do marco temporal para demarcação de reservas Imagem: Rosinei Coutinho/SCO/ST

Entenda o julgamento do marco temporal

A decisão do STF no caso terá repercussão geral, ou seja, servirá para solucionar disputas judiciais sobre o tema em todas as instâncias do país. Há 226 processos parados aguardando a solução da Corte. A discussão opõe ruralistas e mais de 170 povos indígenas, que criticam a tese e defendem a sua derrubada.

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Em 2021, o relator Edson Fachin votou contra a tese do marco temporal, afirmando que a perda da posse de terras tradicionais por uma comunidade indígena significaria o "progressivo etnocídio de sua cultura".

Indígenas protestam em Brasília contra a tese do marco temporal para demarcação de reservas
Indígenas protestam em Brasília contra a tese do marco temporal para demarcação de reservas Imagem: RENAN MATTOS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

O ministro reconheceu que há casos em que o proprietário de terras ocupou o terreno de boa-fé e, neste cenário, defendeu o pagamento de indenizações pelas benfeitorias feitas no terreno ou prioridade em programas de reassentamento do governo.

Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade
Edson Fachin, ministro do STF

Alexandre de Moraes acompanhou o colega contra o marco temporal, mas propôs indenizar o proprietário de terra localizada em território indígena que tenham ocupado o espaço de boa-fé. Neste caso, o valor da indenização seria sobre a terra e benfeitorias no local.

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O ministro também sugere que, em situações em que não for possível a desapropriação, como cidades ocupadas em territórios indígenas, por exemplo, a União poderá indenizar as comunidades originárias concedendo território equivalente ao ocupado.

Essa insegurança jurídica, essa intranquilidade social, que acaba resultando em violência entre comunidades indígenas e pessoas do campo, permanece nos dias de hoje, quase 35 anos da Constituição Federal
Alexandre de Moraes, ministro do STF

9.ago.2023 - O ministro Alexandre de Moraes durante sessão plenária do Supremo
9.ago.2023 - O ministro Alexandre de Moraes durante sessão plenária do Supremo Imagem: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Embora a proposta seja malvista por lideranças indígenas, dentro do STF a expectativa que uma ala da corte siga este caminho, considerado um "voto-médio" que conciliaria os interesses dos povos originários e ruralistas.

O caso específico em discussão na Corte envolve uma disputa entre o governo de Santa Catarina e indígenas do povo xokleng, que reivindicam um território na região central do estado.

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Em janeiro de 2009, cerca de cem deles ocuparam uma área onde hoje está a reserva biológica do Sassafrás, uma área de proteção ambiental. O governo pediu a reintegração de posse, e obteve em primeira instância, mas a Funai recorreu e o caso chegou ao Supremo em 2016.

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