Ofensiva conservadora não vai recuar, mas deve poupar votações econômicas

O Congresso fez nesta semana uma ofensiva contra o STF e o governo Lula, com a complacência dos presidentes das Câmara e do Senado. Os parlamentares querem inibir a discussão de temas polêmicos fora do Legislativo. Mas outubro deve começar com uma pequena trégua motivada por propostas importantes na economia.

O que aconteceu

Devido ao que parlamentares consideram interferência do STF, nada relevante foi votado no Senado nem na Câmara na última semana. Somente o projeto de lei do Desenrola andou.

A proposta deve ser retomada na segunda porque a tendência é que o Congresso não impeça a discussão de assuntos econômicos.

Em reunião do colégio de líderes com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ficou acertado que os deputados devem votar a partir de terça os projetos de lei para tributar as offshores —empresas localizadas em paraísos fiscais—, o marco legal das garantias de empréstimos e a redução das filas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Mesmo com esta sinalização, parte da oposição continua defendendo obstruir as votações.

O deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), da bancada ruralista, avalia que não há mais necessidade de prosseguir com a obstrução da pauta, mas acha que as outras frentes também precisam ser ouvidas para definir uma posição conjunta.

Já Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, diz que o movimento não terá força para barrar as votações sem a ajuda de Lira.

Anteontem, Lira se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para destravar a pauta econômica. Ainda é preciso nomear o relator do projeto que vai tratar das offshores e dos fundos exclusivos. O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) é um dos cotados.

Há pressa do governo com o Desenrola porque a medida caduca no dia seguinte (3). Mas não deve haver problemas, por ser um programa popular e que afeta 70 milhões de brasileiros endividados.

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Fernando Haddad e Arthur Lira se uniram na defesa de pautas econômicas
Fernando Haddad e Arthur Lira se uniram na defesa de pautas econômicas Imagem: 23.mai.2023 - Gabriela Biló/Folhapress

A origem da desavença

As articulações dos parlamentares para não votar nenhum projeto no Congresso se intensificaram após a decisão do Supremo de derrubar o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

Outros temas sensíveis como a descriminalização do aborto e das drogas também entraram na pauta. Os parlamentares argumentam que a Corte está "invadindo" a função do Legislativo.

Como reação, os senadores correram para aprovar com folga um projeto sobre o tema marco temporal ainda mais amplo na Casa e que vai na contramão de critérios já estabelecidos na Corte. A bancada ruralista liderou as negociações com apoio do PL, do Novo e de 18 frentes parlamentares, algumas recém-criadas.

Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, não atuou para bloquear a discussão e o projeto teve tramitação acelerada, com aprovação em comissão e no plenário no mesmo dia, apesar de vários trechos polêmicos. Houve inclusive um acordo para não mudar nada no texto para que ele não tivesse de ser reanalisado na Câmara.

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Indígenas assistem do gramado do STF ao julgamento sobre o marco temporal, derrubado por 9 a 2 votos
Indígenas assistem do gramado do STF ao julgamento sobre o marco temporal, derrubado por 9 a 2 votos Imagem: LEO BAHIA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

O que diz o marco temporal que passou no Congresso

O marco temporal prevê que indígenas só possam reivindicar áreas que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A tese pode inviabilizar o registro de até 287 territórios que estão em processo de regularização, segundo dados da Funai.

A lei aprovada no Congresso também pode anular demarcações de terras indígenas já consolidadas, proíbe a ampliação das já demarcadas e prevê indenização a produtores rurais desapropriados.

Na avaliação de senadores ouvidos pelo UOL, os senadores se "uniram" para dar uma resposta à Corte e faltou negociação do governo para barrar o PL.

Segundo o colunista Tales Faria, Lula sinalizou a aliados que deve vetar a lei ou ao menos trechos dela. O Congresso pode derrubar o veto em outra votação.

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Senadores da oposição também apresentaram uma PEC (proposta de emenda à Constituição) na semana passada para incluir a previsão de marco temporal na própria Constituição e assim tentar evitar que ela seja derrubada pelo Supremo.

A aprovação de uma PEC, porém, é mais difícil. Enquanto os projetos de lei comum precisam de votos da maioria simples (mais que a metade dos parlamentares presentes à sessão), uma PEC exige três quintos nas duas Casas (49 senadores e 308 deputados).

Erika Hilton, primeira deputada federal trans, ao lado de Duda Salabert, na audiência que resultou no adiamento da votação sobre casamento gay
Erika Hilton, primeira deputada federal trans, ao lado de Duda Salabert, na audiência que resultou no adiamento da votação sobre casamento gay Imagem: Lula Marques/Agência Brasil

Onda conservadora também na Câmara

Em paralelo à votação no Senado, os deputados querem iniciar a tramitação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para indenizar pessoas que possuem títulos de terras em áreas indígenas e homologadas a partir de 5 de outubro de 2013.

Deputados conservadores ainda tentaram passar um projeto que proíbe o casamento gay, mas sem sucesso. O projeto teve quatro adiamentos de votação em comissão e um novo texto está agora em negociação.

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Houve também a apresentação de uma PEC, de autoria de Domingos Sávio (PL-MG), para que o Congresso tenha o poder de suspender decisões do Supremo que "extrapolem os limites constitucionais".

O texto terá um longo caminho a percorrer, começando pela análise na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) da Câmara e depois em uma comissão especial, para só então ir à votação em plenário. Se for aprovada, terá de ser analisada pelo Senado e só depois da aprovação nas duas Casas vai para sanção de Lula.

Integrada por deputados e com a cúpula de oposição, a CPI do MST sugeriu o que chamou de "pacote de invasão zero no campo". Trata-se de uma lista com propostas que endurecem as penas para quem ocupar terras no campo.

Permite, se aprovado, classificar invasores de "terroristas". Também há uma proposta para liberar o porte de arma para residentes rurais nos limites de suas propriedades.

Parte das sugestões é apenas uma reciclagem de projetos apresentados por Jair Bolsonaro quando ele era deputado federal.

Roberto Barroso durante a posse na presidência do STF
Roberto Barroso durante a posse na presidência do STF Imagem: Sergio Lima/Poder 360
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Mais pedras no caminho: imposto sindical, drogas e aborto

Outro assunto que opõe Congresso e Supremo é o imposto sindical. No começo do mês, a Corte formou maioria para considerar constitucional contribuições de trabalhadores de uma categoria, mesmo que não sejam sindicalizados.

Antes da decisão do STF, o Ministério do Trabalho havia mencionado recriar o imposto, mas o presidente da Câmara havia rebatido que uma cobrança nesta linha "não passaria no Congresso".

Os parlamentares entendem que a prerrogativa de decidir sobre a cobrança é de deputados e senadores, não por meio de uma decisão judicial.

A pauta de costumes foi outra fonte de divergências entre o Supremo e o Congresso.

Em 14 de setembro, líderes do Senado acertaram a apresentação de um projeto para manter como crime ser encontrado com drogas em qualquer quantidade, enquanto no Supremo faltava um voto para dar maioria pela descriminalização do porte de maconha.

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A discussão sobre a permissão do aborto até a 12ª semana, com a ministra Rosa Weber antecipando seu voto, também provocou desconforto no Senado. Foram várias declarações contra o Supremo. O assunto foi retirado da pauta temporariamente, para ser analisado em plenário em momento mais apropriado, a ser decidido por Roberto Barroso.

O senador Rogério Marinho (PL-RN) encabeçou uma proposta de plebiscito sobre o tema.

Interferência do Supremo em CPIs

Por três vezes, decisões de ministros do STF autorizaram a faltar pessoas que haviam sido convocadas para depor em CPIs. Isso aconteceu na CPI do MST e na do 8/1, que inclui deputados e senadores.

A decisão em todos os casos foi monocrática, dada por um único ministro, e gerou reação principalmente do deputado Arthur Maia (União-BA), que comanda a CPI do 8/1.

Ele acionou o presidente do Senado para pedir uma audiência com a presidência do STF. Sua reclamação foi porque algumas decisões permitiam faltar aos depoimentos e outras não, tornando os depoimentos uma espécie de "loteria". O impasse permanece.

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