Jânio quis renunciar à Prefeitura de São Paulo em 1987, mostra documentário
Ex-presidente da República, Jânio Quadros quis renunciar à Prefeitura de São Paulo em setembro de 1987. A revelação foi feita pelo então vereador Almir Guimarães ao documentário "Ofício: vereador", que estreia nesta quinta (21), às 23h, na TV Cultura.
O que aconteceu
À época, havia uma tensão entre Jânio e a Câmara Municipal por causa do reajuste do IPTU. Segundo Guimarães, o então prefeito queria seu apoio para aumentar o imposto em 90%. "Era impraticável", disse o ex-vereador pelo PMDB, que era da base de Jânio.
Diante do impasse, Guimarães devolveu seus cargos na prefeitura — ele tinha indicado nomes para o serviço funerário. Foi então que Jânio assinou uma carta de renúncia e entregou a Guimarães.
"Eu fiquei uma hora com aquilo no bolso, que era uma verdadeira batata quente", relatou o ex-vereador. Ele decidiu entrar no gabinete e devolver a carta a Jânio.
"Não serei um Oscar Pedroso Horta na sua vida", teria dito Guimarães ao então prefeito. A frase é uma menção ao ministro da Justiça encarregado por Jânio em 1961 de levar para o Congresso Nacional a carta na qual ele renunciou à Presidência.
Jânio não renunciou e governou até o fim do mandato, em 1988. Enviado pelo prefeito para análise em 26 de agosto, o projeto que propunha o reajuste do IPTU foi retirado da pauta da Câmara pelo Executivo em setembro.
Jânio governou São Paulo de 1986 a 1988
Especialista em Jânio não sabia sobre a segunda carta de renúncia. Autora do livro "A Liderança Política de Jânio Quadros", Vera Chaia acredita que o então prefeito tenha usado o documento para tentar forçar a Câmara Municipal a lhe ceder mais poder.
"Jânio era muito inteligente e desmontava oposições", disse Vera. Segundo ela, em vários momentos, ele abandonou partidos no começo de mandatos ou anunciou que desistiria de cargos que estava disputando ou ocupando para ter mais liberdade de ação.
Passagem pela prefeitura foi despedida política de Jânio. Em atividade desde 1948, ele teve embates com servidores e movimentos sociais no cargo. Em 1987, proibiu o ingresso de homossexuais na Escola Municipal de Bailado, em medida preconceituosa que provocou o protesto de alunos.
Túneis sob o Ibirapuera e Rio Pinheiros são de Jânio, mas foram tocados na gestão Luísa Erundina e finalizados por Paulo Maluf. A então petista o sucedeu na prefeitura. Vítima de um derrame em 1988, Jânio ainda apoiou Collor para presidente no ano seguinte e morreu em 1992.
Ex-presidente afirmou que "forças terríveis" o forçaram a deixar cargo. Na carta de renúncia escrita em 1961 e acatada pelo Congresso Nacional (que lhe fazia oposição), Jânio se disse "esmagado" e impedido de seguir na luta contra "a corrupção, a mentira e a covardia".
Eleito deputado federal pelo Paraná em 1958, Jânio não chegou a participar de sessões do Congresso. De acordo com informações do Arquivo Nacional, ele não pôde representar o estado por que viajou para o exterior. À épocia, Jânio estava filiado ao PTB.
Feito a partir de entrevistas com ex-vereadores, o documentário reúne outras histórias. A atuação da Câmara Municipal na campanha Diretas Já e o escândalo de corrupção da Máfia dos Fiscais são alguns dos episódios explorados.
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Comecei a perceber nas entrevistas que, sem o peso dos mandatos, os ex-vereadores se abriam para contar bastidores que praticamente moldaram a história política e eleitoral de São Paulo.
Viviane Cezarino, jornalista responsável pelas entrevistas
Cheguei lá, devolvi a carta para ele e disse: 'prefeito Jânio Quadros, eu não serei um Oscar Pedroso Horta na sua vida. Está aqui a sua carta e o senhor tem outros meios se quiser renunciar ao seu mandato. Se o quiser, o faça na Câmara, não pelas minhas mãos'.
Almir Guimarães, vereador em São Paulo pelo MDB em 1987
A moralização, a reforma administrativa e outros temas foram bandeiras do Jânio por toda a vida. Ele tinha uma postura de síndico e, se estivesse vivo hoje, com certeza teria uma lista de WhatsApp para fazer cobranças aos seus subordinados o tempo todo. Era autoritário, antipartidário e antidemocrático. Ele sempre queria ser o cabeça da administração.
Vera Chaia, cientista política e professora da PUC-SP
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