Que Planalto fique longe do PL das delações: assunto para Lira e Bolsonaro
Já escrevi aqui e reitero que o governo Lula não tem de atravessar a rua para pisar em casca de banana. Convenham: ninguém deve fazê-lo, a menos que seja um "hobby". Tem acontecido às vezes. Por isso, é bom que o Planalto tome cuidado com o tal "PL das delações", que pretende proibir o acordo de colaboração premiada de pessoas presas.
Nesta segunda, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) disse que o Planalto, por intermédio de José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, faria uma conclamação aos líderes e ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para que se evitem pautas que alimentem "clima de intolerância e de beligerância"...
Afirmou:
"O presidente Lula já manifestou a opinião dele, seja para os líderes, seja para o presidente da Câmara, sobre a necessidade de não se atiçar a beligerância dentro da Câmara e do Senado, de se criar um clima para um ambiente menos violento do debate, inclusive medidas que possam coibir essa intolerância".
Governos dispõem de voz nas Casas Legislativas e no Congresso para fazer saber ao Parlamento a sua posição. E é legítimo que lute por ela. A questão é ver até onde se chega em batalhas que não são essenciais à própria governabilidade. Pergunto: o que Lula tem a ver com o tal PL? Respondo: nada.
BENEFICIAR BOLSONARO?
Todos sabem qual é a questão de fundo que se comenta em todo canto. Como Mauro Cid fez a sua delação ainda na cadeia, especula-se que ela poderia perder efeito se o PL fosse aprovado, beneficiando Bolsonaro, já que todas as suspeitas de que tenha articulado um golpe de Estado teriam origem nas revelações de seu então ajudante de ordens. Para começo de conversa, isso é mentira, e há provas autônomas. Mas é o de menos, notando à margem que se tornariam sem efeito todos os acordos, e seus respectivos desdobramentos, com investigados ou réus em tal condição.
Não deixa de ser curioso que "especialistas" expressem "dúvidas" sobre se a eventual aprovação poderia ou não ter feito retroativo. Qual dúvida? A 12.850, que trata das organizações criminosas e estabelece os parâmetros do acordo, é uma lei processual penal. E, como quer o Artigo 2º do Código de Processo Penal, "a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior." E ponto.
Ainda que se quisesse argumentar que ela tem, vá lá, um aspecto de lei penal, indago: nesse caso, haveria a retroação para punir quem fez a delação, contrariando o Inciso XL do Artigo 5º, segundo o qual esse feito só é possível para beneficiar o réu? Não custa lembrar: quem faz delação negocia benefícios em troca de "narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados".
A melhor posição para o Planalto é jogar parado. Caso se organize para derrubar a proposta, vai arrumar confronto gratuito com setores do Congresso; se a endossa, o desgaste é certo. Que os entusiastas levem adiante a sua proposição. No limite, se aprovado, Lula pode vetar, e os patrocinadores que busquem a maioria absoluta nas duas Casas para derrubar esse veto. Mas nem isso eu faria. De fato, é um assunto do Congresso.
INSTRUMENTO DA DEFESA
Ademais, a delação, desde que feita nos limites da lei, também é um instrumento da defesa. Proibir que o preso possa recorrer a ela para aliviar a sua pena me parece ferir o direito que tem a pessoa de se defender -- desde, é claro, que haja a voluntariedade e que se considere o acordo meio de obtenção de prova, não a prova em si, como quer, aliás, o Artigo 3ª-A da 12.850, modificação introduzida pelo pacote anticrime de 2019:
"O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos."
Lira é o pai da criança, numa provável articulação com Bolsonaro para lançar uma questão a mais no climão que se tenta criar para devolver a elegibilidade ao golpista. Pois que leve adiante o seu intento. A melhor coisa que o governo tem a fazer é cuidar de outro assunto. Se aprovado o PL, a judicialização é certa. O Legislativo que se entenda com o Judiciário. E notem: não estou aqui me referindo à retroatividade, que é impossível, mas à agressão a um direito fundamental.
ENCERRO
Bolsonaro, que costuma ter opinião sobre todos os assuntos, não vai se manifestar a respeito? E a extrema-direita, que vive por aí a defender o endurecimento de leis penais?
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