'Irmãos' da extrema direita: entenda proximidade de Bolsonaro e Orbán

A boa relação entre Jair Bolsonaro (PL) e o premiê húngaro Viktor Orbán foi um dos argumentos usados pela defesa do ex-presidente para justificar a sua estadia na embaixada da Hungria, logo após ter seu passaporte apreendido pela Polícia Federal, em fevereiro.

O caso ganhou repercussão internacional após o jornal The New York Times divulgar imagens do ex-presidente na embaixada húngara e chamar atenção para os laços estreitos de Bolsonaro e Orbán, classificados como dois dos principais expoentes da extrema direita no mundo.

Entenda a relação

Há anos, Bolsonaro cultiva uma relação próxima com Orbán, que começou a ser construída a partir da eleição do ex-presidente brasileiro e pelas afinidades político-ideológicas de extrema-direita de ambos.

Apesar de Brasil e Hungria não compartilharem grandes fluxos migratórios ou parcerias econômicas, o ex-presidente e o premiê húngaro se encontraram pessoalmente em pelo menos três ocasiões e trocaram elogios e afagos pelas redes sociais em diversos momentos nos últimos anos.

Na Europa, Orbán é tido como uma referência para movimentos de ultradireita. Desde que chegou ao poder, em 2010, o primeiro-ministro tem adotado medidas consideradas autoritárias e, assim como acontecia com Bolsonaro, acumula atritos com os poderes Legislativo e Judiciário, com a imprensa e com setores da educação.

O primeiro-ministro húngaro foi um dos poucos líderes europeus presentes na posse de Bolsonaro, em 2019. Meses depois, em abril, o premiê recebeu Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em Budapeste, quando o filho do presidente estava à frente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

Bolsonaro planejava retribuir a visita em 2020, mas teve de suspender os planos por causa da pandemia de Covid-19 e só fez a viagem dois anos depois, em 2022.

Na ocasião, os dois líderes assinaram memorandos de entendimento nas áreas de defesa, cooperação humanitária e gestão de recursos hídricos, além de trocarem elogios, segundo divulgou a BBC.

'Irmão'

Na visita à Hungria em ano eleitoral, o então presidente chegou a chamar Orbán de "irmão" e destacou a "comunhão de valores entre os dois".

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"Essa nossa passagem por aqui é rápida. Mas deixará um grande legado para os nossos povos. Acredito na Hungria e no prezado Orbán, que eu trato praticamente como um irmão, dadas as afinidades que nós temos na defesa dos nossos povos e na integração dos mesmos", declarou Bolsonaro ao lado do premiê.

Em pronunciamento à imprensa durante a viagem, Bolsonaro afirmou também que os laços entre os dois países poderiam ser resumidos por meio de quatro palavras: Deus, pátria, família e liberdade. "Comungamos também [ele e Orbán] na defesa da família, com muita ênfase. A família bem estruturada faz com que sua respectiva sociedade seja sadia. Não podemos perder esse foco", completou na ocasião.

Ainda em 2022, o ministro de Relações Exteriores da Hungria, Péter Szijjártó, ofereceu ajuda para a reeleição de Bolsonaro durante uma reunião com a então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Cristiane Britto, conforme revelado pela Folha na época.

Em vídeo compartilhado pelo ex-presidente em suas redes sociais durante as últimas eleições presidenciais, o premiê húngaro exaltou algumas das políticas de seu então colega governante.

"Tenho servido meu país na Europa por mais de trinta anos, já encontrei muitos líderes, mas vi poucos líderes tão excepcionais como seu presidente, o presidente Bolsonaro. Fico feliz de ter tido a oportunidade de trabalhar com ele. Foi uma grande honra ter visto e aprendido como ele reduziu impostos, estabilizou a economia, reduziu as taxas de crimes. Espero que ele possa continuar seu trabalho". Viktor Orbán, em apoio a Jair Bolsonaro durante as eleições de 2022.

'Tríade da extrema-direita'

Foi durante o governo Bolsonaro que, pela primeira vez, houve uma visita de um chanceler do Brasil para a Hungria. Nela, foram estabelecidas posições comuns sobre temas como imigração, aborto, religião e votos na ONU, conforme apurou a coluna de Jamil Chade.

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A viagem foi usada como uma espécie de reconhecimento internacional ao projeto avançado da extrema-direita para impor seu modelo ao mundo. "Insignificante para o comércio brasileiro, marginal no debate geopolítico, pária dentro da Europa e com um peso irrisório no palco internacional, a Hungria foi uma parada na turnê europeia de Bolsonaro que apenas atendeu aos interesses do movimento de extrema-direita", destacou o colunista do UOL.

Jamil Chade ressaltou ainda que a "tríade" entre Donald Trump, Bolsonaro e Orbán também era evidente na diplomacia à época. Segundo ele, quando o norte-americano foi derrotado nas urnas, ele "passou para o Brasil a liderança de uma aliança mundial ultraconservadora, com o objetivo de redefinir a agenda internacional na questão de direitos humanos". Já quando Bolsonaro foi derrotado nas urnas, "essa liderança foi repassada do Brasil para a Hungria", completou.

A última vez que os dois se encontraram pessoalmente foi em dezembro do ano passado, em Buenos Aires, durante a posse do presidente argentino Javier Milei, também de extrema-direita. Na ocasião, Orbán qualificou Bolsonaro como "herói".

'Um patriota honesto'

Dias antes de Bolsonaro ir à Embaixada da Hungria, em fevereiro deste ano, o premiê húngaro declarou seu apoio a Bolsonaro pelas redes sociais logo após o ex-presidente ser alvo de uma operação da Polícia Federal pela suposta articulação de um golpe de Estado no país. Na ocasião, o ex-mandatário teve de entregar seu passaporte e dois de seus assessores foram presos.

Naquele 8 de fevereiro, o político húngaro postou uma foto ao lado do ex-presidente e escreveu: "Um patriota honesto. Continue lutando, senhor presidente".

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Quatro dias depois, em 12 de fevereiro, Bolsonaro foi recebido na Embaixada da Hungria, em Brasília, pelo embaixador húngaro, Miklos Tamás Halmaia. A informação foi noticiada primeiramente pelo The New York Times e confirmada ao UOL por Fabio Wajngarten, advogado de Bolsonaro.

Asilo político?

Um vídeo divulgado pelo NYT mostra o ex-presidente chegando no dia 12 de fevereiro à embaixada da Hungria, em Brasília, e deixando o prédio apenas dois dias depois. As imagens divulgadas também mostram Bolsonaro caminhando e conversando com o embaixador húngaro.

Segundo o jornal norte-americano, uma fonte em condição de anonimato afirmou que a equipe da embaixada tinha o plano de abrigar o ex-presidente, dando indícios de "asilo político", pois caso um pedido de prisão fosse feito contra Bolsonaro, ele não poderia ser preso dentro da embaixada, que é considerada território inviolável.

Ainda de acordo com o NYT, os funcionários da embaixada que deveriam voltar ao prédio em 14 de fevereiro, dia seguinte ao feriado de Carnaval, foram orientados a passar o resto da semana trabalhando de casa sem informações sobre o motivo da orientação.

A defesa do ex-presidente afirmou que o cliente esteve hospedado na embaixada "a convite", para fazer contatos com "inúmeras autoridades do país amigo, atualizando os cenários políticos das duas nações".

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A nota assinada pelo advogado Paulo Cunha Bueno, ressalta o bom relacionamento de Bolsonaro com Orbán e alega que "quaisquer outras interpretações que extrapolem as informações aqui repassadas se constituem em evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos e são, na prática, mais um rol de fake news".

*Com reportagens publicadas em 17/02/2022, 1/10/2022 e 25/03/2024.

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