Relator vota por cassar Cláudio Castro por escândalo dos cargos secretos

O desembargador Peterson Barroso Simão, do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio, recomendou a cassação do governador do RJ, Cláudio Castro (PL), em razão do esquema dos cargos secretos revelado pelo UOL. Para ele, o escândalo envolveu ilicitudes que comprometeram o processo eleitoral de 2022.

Quem arquitetou esse plano perverso é um gênio, mas um gênio do mal (...) O plano foi orquestrado com antecipação e só não se esperava que fosse ser descoberto.
Peterson Barroso Simão, desembargador do TRE-RJ

O que aconteceu

Quebra de igualdade de oportunidades. O desembargador afirmou que as ações geraram altíssimo prejuízo ao erário e à população fluminense. Além disso, quebraram a igualdade de oportunidades entre candidatos e influenciaram na livre escolha dos eleitores.

O magistrado destacou que, a partir de 2022, a Fundação Ceperj passou a ter novas atribuições apenas sete meses antes da eleição. "A Ceperj foi utilizada por força do governo em conduta eleitoral", disse ele.

A finalidade política com certeza era beneficiar a chapa do governador e vice-governador violando a probidade administrativa, considerando que a chapa era candidata à reeleição.
Peterson Barroso Simão, desembargador do TRE-RJ

Simão rejeitou o pedido da defesa de excluir das acusações o vice-governador Thiago Pampolha (MDB). Para o desembargador, o vice de Castro se favoreceu do esquema --ainda que o dolo de Pampolha seja menor por conta de o político ter integrado a chapa de Castro de última hora.

"Verdadeiro absurdo". Foi assim que o relator classificou a folha de pagamentos secretos da Uerj. Ele destacou como exemplo que Ronaldo Silva Melo chegou a acumular seis funções ao mesmo tempo.

Restou caracterizado abuso de poder econômico e político com reflexo direto nos resultados das eleições que afrontam o princípio da igualdade na competição eleitoral.
Peterson Barroso Simão, desembargador do TRE-RJ

Participação do presidente da Alerj. Para o relator, o deputado Rodrigo Bacellar (União Brasil) beneficiou-se e sabia do esquema, já que era secretário de governo à época dos fatos.

A responsabilidade decorre de sua participação como secretário de Estado, que destinou fortuna à Ceperj bem como sua conduta reprovável na descentralização de créditos em contratos escusos.

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Simão também destacou que familiares e amigos de Bacellar foram contratados sem transparência em seu reduto eleitoral, Campos dos Goytacazes (Norte Fluminense). Só em uma agência de Campos foram sacados mais de R$ 12 milhões na boca do caixa.

Sabia de todos os acontecimentos, pois a tarefa do secretário é dar suporte ao governador na função de administrar o estado.
Peterson Barroso Simão, desembargador do TRE-RJ

Defesa questionou instância para julgamento, enquanto acusação diz que fraude tinha objetivo eleitoral. As defesas do governador e dos demais réus defenderam que o caso deveria ser enquadrado como improbidade administrativa e não crime eleitoral. Já a procuradora Neide Oliveira disse que o esquema tinha "notório propósito político e eleitoral".

Leitura do voto do relator demorou mais de 2h30. No texto, ele criticou a corrupção no estado, comentou argumentos dos acusados e citou até Watergate, caso de corrupção que derrubou o presidente americano Richard Nixon, em 1974.

Julgamento é suspenso. Após o voto do relator, o desembargador Marcello Granado pediu vista do processo, e o julgamento foi interrompido. Uma nova sessão foi marcada para a próxima quinta-feira (23), às 15h30.

Veja como votou o relator

No voto, o relator recomendou:

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cassação dos mandatos de Cláudio Castro, Thiago Pampolha, Rodrigo Bacellar e Allan Borges (ex-subsecretário de Habitação);
inelegibilidade de Cláudio Castro, Rodrigo Bacellar, Allan Borges e Gabriel Rodrigues Lopes (ex-presidente da Ceperj) até 2030;
aplicação de multa de R$ 106 mil ao governador fluminense;
aplicação de multa de R$ 20 mil ao vice-governador, Thiago Pampolha. A inelegebilidade dele foi descartada pelo relator;
aplicação de multa de R$ 100 mil a Gabriel Lopes;
absolvição dos demais acusados de envolvimento com o esquema de corrupção;

"Folhas secretas"

Série de reportagens do UOL mostrou que dezenas de milhares de pessoas foram contratadas sem transparência. Foram identificados indícios de uso político dos projetos tocados pela Fundação Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro) e pela Uerj.

Esquema serviu para a contratação indevida de cabos eleitorais, segundo procuradoras. De acordo com Neide Cardoso de Oliveira e Silvana Batini, os contratados foram "utilizados para promover as candidaturas e cooptar votos para as respectivas vitórias, nas urnas, atendendo a interesses pessoais escusos e a perpetuação dos referidos políticos".

Defesa de Castro afirma que vitória "acachapante" sobre Freixo é prova de que esquema não existiu. Em 2022, o atual governador venceu o candidato de esquerda com mais de 2 milhões de votos de vantagem. Os advogados do governador também dizem que os projetos da Ceperj foram suspensos logo após a primeira decisão judicial e que, por isso, não houve qualquer impacto nas contas públicas.

A diferença de votos do governador para o segundo colocado, que tenta anular a eleição, é superior ao eleitorado completo de 12 estados da federação. Essa magnitude, essa dimensão tem que ser levada em consideração.
Eduardo Darmian, advogado de defesa de Castro

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Presença de nomes da oposição entre os contratados é apontada como outra evidência de que suposto esquema não existiu. Um exemplo é o caso de familiares de Ricardo Lodi, ex-reitor da Uerj. Nas eleições de 2022, Lodi conseguiu uma vaga de suplente de deputado federal pelo PT.

Investigação do Ministério Público do Rio descobriu saques de dinheiro vivo na "boca do caixa" no período em que o suposto esquema estava em operação. Ao todo, R$ 248 milhões foram retirados em agências bancárias por dezenas de milhares de pessoas que integrariam o suposto esquema.

Além de Castro, outras 12 pessoas são réus na ação. Entre elas, estão o atual vice-governador Thiago Pampolha (MDB) e o deputado estadual Rodrigo Bacellar (União Brasil), presidente da Assembleia Legislativa do Rio.

Castro afirma que "mantém a sua confiança na Justiça Eleitoral". Em nota enviada ao UOL, o governador informou que "as suspeitas de irregularidades ocorreram antes do início do processo eleitoral" e que, assim que tomou conhecimento das denúncias, "ordenou a suspensão de pagamentos e contratações" pela Ceperj. "Não foram apresentados nos autos do processo elementos novos que sustentem as denúncias", diz a defesa de Castro no texto.

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