Veto a teles divide grupo que comanda R$ 3 bi de política de Lula

Um grupo estratégico para a política bilionária de internet escolar do governo Lula (PT) entrou em descompasso após a publicação de uma regra desfavorável às quatro maiores operadoras de telefonia móvel do país.

A alteração no modelo de governança do comitê, que controla R$ 3,1 bilhões para conectar unidades públicas de ensino, tira o voto das teles em determinados casos, diminuindo o número de integrantes necessários para aprovar projetos.

Levar ou melhorar a internet de todas as escolas públicas do país é uma das prioridades do governo petista. Em setembro, o presidente Lula (PT) lançou a Enec (Estratégia Nacional de Escolas Conectadas) com previsão de investir R$ 8,8 bilhões na conexão das escolas até o fim de seu mandato, em 2026.

Desse montante, R$ 3,1 bilhões são controlados pelo Gape (Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas), criado na esteira do Leilão do 5G. Esse dinheiro é fundamental para o programa de Lula, pois já se encontra em caixa e seu uso independe de previsão orçamentária.

As operadoras Algar, Claro, TIM e Telefônica estão incluídas no Gape desde a sua constituição, em 2021, por determinação do edital do 5G. Juntas, elas detêm 98,4% do mercado de telefonia móvel do país. Representantes da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e dos ministérios das Comunicações e da Educação também fazem parte do grupo.

Além de integrarem o grupo, as teles fundaram a Eace (Entidade Administradora da Conectividade de Escolas) —também criada após o leilão, ela é responsável por executar as obras autorizadas pelo Gape.

Em março, o presidente do Gape, o conselheiro da Anatel Vicente Aquino, propôs alterar o regime a fim de incluir um "mecanismo para mitigar eventual conflito de interesse que possa ocorrer".

Ele afirmou que as empresas "não deveriam participar das deliberações do Gape que se destinam a fiscalizar a Eace" nem atuar em casos destinados a "disciplinar como essa entidade deve proceder em determinadas situações".

Aquino não detalhou quais seriam as possíveis situações de conflito de interesse.

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Como as operadoras tinham o direito de voto em todos os casos, o movimento do conselheiro causou preocupação com os rumos do grupo e estranheza por ter sido adotado cerca de três anos após a constituição do Gape.

A proposta de Aquino foi analisada em reunião do Gape em 1º de abril. Segundo a Anatel, os representantes de prestadoras de telecomunicações abstiveram-se da votação. Os integrantes da própria agência e dos ministérios da Educação e das Comunicações votaram pela aprovação da sugestão do conselheiro.

O UOL perguntou a Aquino, por intermédio da Anatel, se ele poderia dar exemplos de conflitos de interesse que poderiam ocorrer. Em resposta, a agência enviou a íntegra da sugestão do conselheiro. "A decisão permanece inalterada até o presente momento", informou a Anatel.

Na mesma reunião, os integrantes do Gape discutiram a contratação de uma auditoria externa para avaliar os trabalhos da Eace.

O que alega o conselheiro da Anatel para barrar as operadoras

Aquino apontou "a real possibilidade de existência de potencial conflito de interesse nas deliberações por parte das prestadoras que compõem o grupo".

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Barrar o voto das operadoras em determinados casos, afirmou ele, teria como objetivo "eliminar o risco de haver pessoalidade nas decisões do Gape, garantindo seu poder disciplinar e fiscalizador sem conflitos de interesses".

"Ainda que a previsão legal [de conflito de interesse] não se amolde perfeitamente à atuação das associadas da Eace junto ao Gape, é de se reconhecer que não se pode admitir que sejam tomadas decisões que possam ser influenciadas por interesses particulares dessas empresas", anotou Aquino.

Operadoras de telefonia protestam

Após ser deliberada em reunião do Gape, a proposta do conselheiro foi publicada em portaria, em 2 de abril. Duas semanas depois, as operadoras entregaram uma manifestação formal ao grupo.

O conteúdo do documento é mantido sob sigilo. O UOL apurou que as teles pediram um debate aprofundado sobre qual papel elas deveriam ter tanto no Gape quanto na Eace. Se a partir da decisão de Aquino, por exemplo, elas seriam chamadas apenas para dar consultorias técnicas.

As operadoras também refletem sobre o papel delas na Eace e se faz sentido manterem-se na governança da entidade. Além de fundadoras, as quatro operadoras são associadas à Eace. Não atuam no dia a dia, mas aprovam indicações para a presidência e a diretoria financeira da organização e autorizam ou não determinados gastos.

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Internet escolar é aposta do governo Lula

Os R$ 3,1 bilhões aportados pelas operadoras no âmbito do Gape levariam, inicialmente, internet, computadores e treinamento aos professores das unidades de ensino.

Em setembro, o governo Lula mudou a rota e determinou que o dinheiro fosse usado apenas para a conexão. Caberá ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), vinculado ao Ministério da Educação, elaborar uma licitação para a compra de computadores.

"Nós vamos conectar 138,4 mil escolas neste país. Até 2026, a gente vai deixar toda a meninada altamente conectada com wi-fi e tudo mais que for necessário", disse Lula em uma live, no dia do lançamento da estratégia de conectividade, em 26 de setembro.

"No fundo, depois desse lançamento do Plano Nacional de Escolas Conectadas, eu penso que a gente pode afirmar ao povo brasileiro que, a partir de 2026, a gente vai ter um outro país. A gente vai ter um país mais bem informado, mais conectado, as pessoas recebendo conteúdo de mais quantidade, mais qualidade. Eu estou jogando muitas fichas minhas nesse projeto de escolas conectadas."

A disponibilidade imediata dos R$ 3,1 bilhões elevou o Gape e a Eace a uma posição estratégica tanto para o governo Lula quanto para o centrão.

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Os valores bilionários chamaram a atenção dos dois lados, interessados em direcionar os recursos a prefeituras aliadas em meio a um cenário de orçamento apertado e sob disputa do Executivo e do Legislativo.

Em janeiro, uma dobradinha dos ministros Juscelino Filho, das Comunicações, e Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, trocou cargos no alto escalão da Eace.

Juscelino mudou a presidência para um nome de sua confiança. A alteração foi aprovada pelas operadoras. Padilha, por sua vez, emplacou um ex-assessor especial no cargo de diretor de Relações Institucionais e Comunicação.

No mesmo período, um acordo político entre Juscelino Filho e Vicente Aquino trocou peças na estrutura da Secretaria de Telecomunicações do Ministério das Comunicações. O setor é responsável pelas políticas de internet da pasta.

Como mostrou o UOL, depois de colocar um aliado na presidência da Eace, Juscelino Filho tenta aumentar sua influência na Entidade Administradora da Faixa de 3,5 GHz (EAF) —outra organização criada após o leilão do 5G. O ministro indicou um ex-funcionário da pasta das Comunicações para um cargo de gerência na EAF.

Juntas, as duas entidades têm um orçamento de R$ 9,4 bilhões em caixa.

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