Alvo da PF, ministro quer aliado em entidade com R$ 6,3 bilhões em caixa
Endossado pelo presidente Lula (PT) para continuar à frente do Ministério das Comunicações mesmo após denúncias de mau uso do dinheiro público, o ministro Juscelino Filho (União Brasil) atua para aumentar a influência de seu grupo em órgãos com receitas bilionárias.
A bola da vez é uma entidade não governamental com orçamento de R$ 6,3 bilhões, fundada na esteira do leilão do 5G. Juscelino Filho quer emplacar um nome de sua confiança em cargo de gerência na EAF (Entidade Administradora da Faixa de 3,5 GHz).
O ministro é alvo de investigação da Polícia Federal que apura desvio de verba pública de obras em Vitorino Freire (MA). Luanna Rezende (União-MA), irmã dele e prefeita do município, também é investigada.
Juscelino Filho indicou o advogado e jornalista Rômulo Barbosa para a vaga, cuja atribuição é fazer a interlocução da EAF com prefeituras e comunidades locais.
Além de contar com dinheiro em caixa, a entidade é cobiçada pela classe política —sobretudo em ano eleitoral— pelo potencial de entregas à população de baixa renda.
Barbosa foi diretor do Departamento de Projetos de Infraestrutura e de Inclusão Digital —responsável por políticas de internet do Ministério das Comunicações— entre fevereiro de 2023 e março deste ano. Ele foi demitido após Juscelino Filho trocar a cúpula da Secretaria de Telecomunicações. Como diretor, Barbosa recebia salário de R$ 14,8 mil (brutos).
O movimento do ministro junto à EAF causou apreensão nos bastidores, pois a entidade tem tentado driblar interferências políticas. Esta não é, contudo, a primeira vez que o ministro age para aumentar a influência de seu grupo em entidades vinculadas ao Leilão do 5G.
Em janeiro, Juscelino Filho conseguiu trocar a presidência da Eace (Entidade Administradora da Conectividade de Escolas) —outra organização não governamental criada após o leilão. Na ocasião, o ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, emplacou um ex-assessor na diretoria da entidade.
Com orçamento de R$ 3,1 bilhões, o objetivo da Eace é levar internet para escolas públicas. A entidade já aplicou R$ 32 milhões em um projeto-piloto com 177 unidades de ensino.
O que faz a entidade cobiçada por Juscelino Filho
A EAF atua em quatro frentes. São elas:
- Trocar antenas parabólicas da população de baixa renda por equipamentos digitais, de forma gratuita;
- Implementar uma rede privada de comunicação para a administração pública federal;
- Construir seis infovias na região Norte;
- Desocupar uma faixa de frequência para a ativação do 5G.
O cargo para o qual Juscelino Filho indicou Rômulo Barbosa é ligado à construção das infovias, também chamadas de "estradas digitais". A EAF está colocando cabos de fibra óptica para internet no fundo de rios na região amazônica, para expandir a rede de infraestrutura de telecomunicações.
Tanto a EAF quanto a Eace chamaram a atenção da classe política, sobretudo, por dois motivos:
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Quero receber- Ambas estão com dinheiro em caixa para uso em obras e serviços públicos. A atuação independe do orçamento federal enxuto e sob disputa do Executivo e do Legislativo;
- Ambas são vistas como "vitrines" para apresentar "entregas" à população. A EAF já trocou mais de 2 milhões de antenas parabólicas para a população de baixa renda e inaugurou no início do mês a primeira infovia, de 624 km entre Belém (PA) e Macapá (AP).
Juscelino Filho participou da cerimônia de lançamento da "estrada digital", na capital do Amapá, ao lado dos senadores Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) e Davi Alcolumbre (União-AP) --padrinho do ministro na pasta.
Naquele dia, o chefe do ministério classificou a "Infovia 03" como uma "obra grandiosa". Durante os discursos, houve espaço para trocas de elogios mútuos. Juscelino se dirigiu a Alcolumbre como "nosso grande líder, meu amigo, meu irmão". O senador, por sua vez, disse ter uma relação "de duas décadas de amizade e de carinho" com o ministro.
"Tenho muito orgulho do trabalho que você está fazendo à frente do Ministério das Comunicações do Brasil", afirmou Alcolumbre.
No ano passado, o senador emplacou parentes de aliados políticos do Amapá na Telebras, estatal vinculada ao Ministério das Comunicações. Entraram na empresa a irmã de uma prefeita e a filha de um deputado estadual. Os cargos têm salários de R$ 17 mil.
Infovia foi bancada com recursos privados
O edital do 5G estabeleceu uma série de compromissos para as empresas vencedoras de lotes do leilão. Para tocar parte dessas contrapartidas, foram criadas a EAF e a Eace --supervisionadas por grupos vinculados à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e a ministérios.
Juntas, elas controlam R$ 9,4 bilhões em recursos aportados pelas operadoras.
Do montante, R$ 1,3 bilhão vai custear as obras das seis infovias da EAF. Apesar de integrarem o Programa Norte Conectado, do Ministério das Comunicações, a construção das "estradas digitais" é tocada pela entidade com dinheiro privado das operadoras de telefonia.
Quem é o indicado de Juscelino Filho
Rômulo Barbosa foi diretor de jornalismo da TV Mirante, controlada pela família Sarney no Maranhão, durante 22 anos. Depois de deixar a emissora, passou por duas diretorias da Telebras, durante o governo de Michel Temer (MDB), e pelo Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal.
Em 2022, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), ele entrou no Ministério das Comunicações, após passar em um processo seletivo para servidor temporário. Ao se tornar diretor da pasta na gestão de Lula (PT), Rômulo Barbosa assumiu um cargo comissionado e abriu mão do concurso, que valia por cinco anos.
O indicado de Juscelino Filho disputou a vaga na EAF com outros candidatos e foi aprovado no processo seletivo da entidade. O advogado, contudo, enfrenta um problema. A tomada de posse está "presa" na Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
Como atuou em cargo de direção no Ministério das Comunicações, Barbosa precisa de uma autorização do colegiado para assumir a vaga na EAF.
Uma das atribuições da comissão é avaliar a existência ou não de conflito de interesse em situações em que ocupantes de cargos como diretores, secretários e ministros deixam a administração pública e recebem propostas de emprego na esfera privada.
O processo que analisa o caso de Barbosa tinha previsão para ser julgado pela Comissão de Ética, em 23 de abril, mas foi retirado de pauta. O colegiado se encontra uma vez por mês, e a próxima reunião será no dia 28 deste mês.
Em conversa com o UOL, Rômulo Barbosa confirmou a indicação do ministro para a vaga na EAF e a situação de seu processo no colegiado vinculado à Presidência da República.
"Todo ocupante de cargo DAS [Direção e Assessoramento Superior] 5 para cima é obrigado a sujeitar qualquer proposta [de trabalho] à Comissão de Ética, mas aguarda a decisão", afirmou. "Não tenho informações sobre a motivação pela qual o requerimento foi retirado de pauta."
Barbosa contou que, por compliance interno, a EAF não pode contratá-lo sem a decisão da Comissão de Ética. Segundo ele, trata-se de uma "condição sine qua non" para a admissão ao cargo.
"Em sendo impedido, não sou servidor público de carreira, tenho que tocar a minha carreira como profissional liberal. Tem que aguardar", afirmou o advogado ao UOL.
O Ministério das Comunicações informou, em nota, "que a mudança na chefia do Departamento de Projetos de Infraestrutura e de Inclusão Digital é parte das movimentações naturais na estrutura pública, assim como ocorreu em outras áreas da pasta, e não reflete o desempenho individual de Barbosa".
Segundo a pasta, a alegação de que Juscelino Filho indicou o advogado para um cargo na EAF "é totalmente falsa". "A EAF é autônoma em suas decisões", afirmou o ministério.
A EAF afirmou, em nota, que Rômulo Barbosa participou do processo seletivo, "mas não foi contratado".
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