Tarcísio e Derrite usam mudanças em câmeras da PM como trampolim político

O edital sobre câmeras corporais da Polícia Militar de São Paulo é visto como uma estratégia eleitoral do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do secretário de segurança pública do estado, Guilherme Derrite, para as próximas disputas à presidência e ao governo.

O que aconteceu

Mudanças em câmeras serão trampolim político. Deputados da Comissão de Segurança Pública e Assuntos Penitenciários da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) avaliam que as mudanças propostas no edital de contratação das empresas responsáveis pelas câmeras corporais usadas por policiais militares darão projeção política a Tarcísio e Derrite. É o que pensam parlamentares da base do governo e de partidos de oposição.

Aceno ao eleitorado da extrema direita. "O efeito político imediato é agradar o núcleo duro da base eleitoral bolsonarista, composta por agentes de segurança que são, em grande parte, refratários ao uso de câmeras como medida de transparência, já que isso significa controle sobre o poder de polícia", afirma Ediane Maria, deputada estadual pelo PSOL e integrante da comissão.

Secretaria da Segurança Pública se transformou em "Secretaria da Polícia Militar", diz deputado. "Tarcísio segue a lógica do bolsonarismo. Ele faz as coisas agradando quem é fechado com ele, os policiais militares", afirma Paulo Reis, conhecido como deputado Reis (PT).

Uso da segurança pública como bandeira política. Parlamentares da Alesp disseram ao UOL que, dependendo de como o governo Lula estiver em 2026, temas ligados à segurança pública serão "trampolim político" para Tarcísio. "Todo mundo está enxergando isso", diz um parlamentar.

Aprovação de Tarcísio vem de Derrite, segundo deputado. O deputado Antônio Olim, vice-presidente da comissão, conhecido como delegado Olim (PP), acredita que Tarcísio e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, devem disputar a presidência com Lula, e Derrite pode disputar o governo de São Paulo. Segundo ele, a avaliação do governo Tarcísio se deve à política de segurança pública.

Mudança em edital reflete perfil de Tarcísio e Derrite. "Tarcísio gosta do jeito que ele [Derrite] está trabalhando. O outro edital tinha sido feito pelo [João] Doria. Quem está fazendo segurança pública são o Tarcísio e os coronéis dele", disse o deputado Olim. Para a deputada Ediane, o documento representa um "incremento da repressão criminal a todo e qualquer custo, sem preocupações legais nem éticas com métodos e tecnologias utilizadas para alcançá-lo."

Estamos falando de um redirecionamento político com grande potencial nocivo que pretende ser capitalizado eleitoralmente.
Ediane Maria, deputada estadual (PSOL-SP)

Não cabe avaliar politicamente a atitude do governador e do secretário. O governador tem autonomia para adotar a política de governo, mas não concordo com as recomendações da portaria do governo federal.
Major Mecca (PL), presidente da Comissão de Segurança Pública e Assuntos Penitenciários da Alesp

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O deputado se refere à portaria editada pelo ministério da Justiça na terça-feira (28). Ela define diretrizes para o uso das câmeras corporais pelas polícias do país. A portaria, porém, dá margem para os estados não aderirem à modalidade da gravação ininterrupta, considerada bem sucedida em programas em funcionamento.

Vaivém de Derrite sobre as câmeras

Ambições políticas de Derrite. "Ele tem feito questão de se manter em evidência, tendo em vista sua atuação performática na Operação Escudo e também na votação do PL sobre a saída temporária [as "saidinhas"] na Câmara dos Deputados", diz Ediane.

Mudanças de opinião de Derrite têm relação com anseios políticos. Deputados ouvidos pelo UOL afirmam que a postura "menos conflituosa" do secretário demonstrada no evento do governo federal sobre as câmeras reflete um posicionamento político. O vaivém sobre as câmeras também mostraria que o ex-capitão da Rota busca não se distanciar da parcela da sociedade que rechaça a letalidade policial vista em operações como a Escudo e a Verão.

Em março, secretário citou preço como argumento contra as câmeras. Em uma reunião na Alesp, Derrite afirmou que preferia as tornozeleiras eletrônicas. "Prefiro monitorar o criminoso, é mais barato, com o preço de uma tornozeleira eletrônica chegando a quase um terço do de uma câmera corporal".

Pesquisa mostrou que custo com câmeras corporais não chega a 1% dos gastos da PM. Dados da plataforma Justa apontam que gastos com câmeras foram de R$ 93 milhões —o equivalente a 0,7% do empenhado pela Polícia Militar. Ao considerar os gastos também da Polícia Civil, o valor é 0,47% dos gastos.

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Derrite, porém, defende uso de reconhecimento facial, tecnologia considerada mais cara. "Estamos estudando um novo edital, e a câmera vai ter novas funcionalidades, podendo fazer reconhecimento facial. Não exclusivamente como ferramenta de fiscalização e controle, que é válida também. No meu ponto de vista, todo servidor público tem que ser fiscalizado", disse em discurso.

Em maio, o secretário defendeu os equipamentos. "É uma política pública que foi muito questionada, gerou polêmica. Eu mesmo, na época da campanha, questionei a utilização da câmera e sua eficácia, (mas) pude acompanhar que ela pode ser utilizada para outras funcionalidades, pode ser muito bom não só para o policial, como para a população", afirmou.

Nesse mesmo mês, secretaria alega que câmeras tiram a privacidade dos policiais. "Foi possível verificar que na gravação ininterrupta há indícios de violação de privacidade do agente policial, que tem seus momentos íntimos tratados como de interesse público, o que fere a LGPD e prejudica a LAI [Lei de Acesso à Informação]." A portaria do governo federal mantém a modalidade de gravação por acionamento do agente para ocasiões que comprometam a privacidade dos policiais.

O que os parlamentares pensam sobre o edital

Deputados contrários às câmeras corporais em PMs. Olim afirma que é contrário ao uso dos equipamentos pelos policiais da Tropa de Choque.

Policiais têm "outras prioridades", segundo o deputado Mecca. Para ele, problemas relacionados a estrutura, uniformes, recursos, instalações e auxílio psicológico devem ser priorizados em detrimento das câmeras. "O recurso poderia ter um direcionamento diferente. Sabemos que as câmeras são sempre usadas em prejuízo dos agentes."

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Câmeras oferecem mais transparência na atuação da polícia, diz oposição. "Essa política garantia lisura procedimental na atuação da polícia, por isso, o programa contava com câmeras de gravação ininterrupta", afirma Ediane. "O governo pretende que a decisão sobre ligar ou não a câmera esteja na mão do agente. Qual é a garantia de que esse uso não será manipulado em favor da narrativa policial?"

Resultados do programa em xeque, segundo o deputado Eduardo Suplicy (PT). "O uso das câmeras provocou uma diminuição da letalidade dos PMs e de pessoas que interagiram com PMs. "A decisão do governador de que elas poderão ser desligadas na hora que os policiais quiserem poderá levar os resultados a não serem tão positivos, muda o propósito do equipamento."

Falta de legislação nacional impede padronização do serviço. Mesmo com a portaria do governo federal, o deputado Reis afirma que uma lei nacional seria mais eficiente para regular os equipamentos. "O problema é que não há uma legislação, aí vai para o campo de embate de ideias. Mas dificilmente haveria condições de aprovar uma legislação sobre as regras", diz.

Programas de vigilância na mira da direita

Tecnologias de vigilância usada por políticos de direita. "Isso está dentro de uma linha contínua que começa, principalmente, a partir de 2019, com os deputados bolsonaristas eleitos na eleição de 2018 e com o próprio Jair Bolsonaro, além de outros governadores da extrema direita eleitos nesse período", afirma Pablo Nunes, cientista político e coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.

"Receituário bolsonarista está por trás das mudanças no programa das câmeras", segundo cientista político. "A extrema-direita está muito ligada a esse tema da vigilância, sobretudo em relação ao uso de reconhecimento facial na segurança pública com uma resposta possível."

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Sociedade mais vigiada. "O governo Tarcísio aponta para essa sociedade mais vigiada, com direitos ameaçados, ao mesmo tempo em que afrouxa esse projeto que poderia ser melhorado", diz Nunes. "As mudanças no edital transformam um programa de transparência em um programa de vigilância, que usa uma tecnologia como o reconhecimento facial, cuja adequação à segurança pública é altamente questionada por reproduzir estereótipos racistas", diz Ediane Maria.

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