Cid tentou vender duas esculturas nos EUA, mas ninguém quis: 'É de latão'

O ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, tentou e não conseguiu vender nos Estados Unidos dois presentes recebidos por Bolsonaro em viagens internacionais. Esculturas douradas de uma palmeira e um barco teriam pouco valor porque não são feitas inteiramente de ouro, diz a Polícia Federal em relatório divulgado ontem.

O que aconteceu

A PF identificou um terceiro kit de presentes que Bolsonaro teria tentado vender nos EUA após perder a reeleição. Os presentes são chamados pelas autoridades de árvore e barco. O primeiro item seria uma "Palm Tree" (palmeira), enquanto o segundo é uma escultura de uma embarcação típica do Oriente Médio, chamada de "dhow".

A outro auxiliar de Bolsonaro, Marcelo Câmara, Cid informou que não conseguia vender os objetos. Em uma mensagem de áudio, ele diz que pretendia levar os itens de volta ao Brasil. "Ele [dono de uma loja de joias] não pegou porque não valia nada", afirmou. "Não valem nada. Não é nem banhado, é latão. Então meu pai vai levar pro Brasil na mudança."

Aquelas duas peças que eu trouxe do Brasil: aquele navio e aquela árvore; elas não são de ouro. Elas têm partes de ouro, mas não são todas de ouro (...) Então eu não estou conseguindo vender.
Mauro Cid, em mensagem de voz

A tentativa de venda

O ex-presidente teria levado consigo as joias quando deixou o Brasil, em 30 de dezembro de 2022. "Jair Messias Bolsonaro e sua equipe utilizaram o avião presidencial (...) na proximidade do fim de seu mandato para evadir do país os bens de alto valor desviados, levando-os para os Estados Unidos", diz trecho do relatório final da PF.

Barco dourado teria poucas peças em ouro
Barco dourado teria poucas peças em ouro Imagem: Reprodução

Mauro Cid contou com a ajuda do pai para tentar vender os itens. O general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, então lotado no escritório da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), em Miami, guardou em sua casa os objetos.

Depois ele mandou os presentes para avaliação. Os objetos foram encaminhados "para estabelecimentos comerciais especializados, para serem avaliados e alienados (diretamente e/ou por leilão) na cidade de Miami", diz o relatório da PF.

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Cid filho encaminhou ao pai os endereços para a venda. "Foram identificadas duas lojas que, aparentemente, comercializam produtos com ouro ou outros metais preciosos": a Gold Grillz Miami e a We Buy Gold North Miami Beach.

Somente a origem da palmeira é conhecida. Segundo a PF, o barco está "sem identificação de procedência até o presente momento", enquanto a escultura da palmeira foi "entregue ao ex-presidente na data de 16 de novembro de 2021, quando de sua participação no Seminário Empresarial da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira", no Barhein. A perícia ainda não estimou o valor real dos presentes.

Os objetos estão desaparecidos. "Não foram identificados os referidos objetos no Inventário de Encerramento do acervo privado presidencial", informa a PF.

Terceiro conjunto de joias supostamente desviado conta com um barco e uma palmeira dourados
Terceiro conjunto de joias supostamente desviado conta com um barco e uma palmeira dourados Imagem: Polícia Federal/Reprodução

Moraes derruba sigilo

Ontem (8), o ministro do STF Alexandre de Moraes deu 15 dias para a PGR (Procuradoria-Geral da República) se manifestar sobre o relatório. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, pode pedir mais provas, arquivar o caso ou apresentar a denúncia — o que tornaria Bolsonaro réu. Também é comum a PGR pedir mais tempo, além dos 15 dias protocolares, para analisar melhor a conclusão da PF.

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Bolsonaro e mais 11 são investigados. Os crimes apurados são peculato (desvio de dinheiro público), associação criminosa e lavagem de dinheiro na investigação sobre a venda no exterior de joias recebidas durante viagens oficiais pela Presidência.

Outro lado

O então presidente Jair Bolsonaro e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens
O então presidente Jair Bolsonaro e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

O ex-presidente negou ter ordenado a venda das joias. Ele disse ao jornal O estado de S. Paulo que não recebeu nenhum valor por elas.

O advogado Fabio Wajngarten disse não haver provas contra ele. Ele afirmou que foi indiciado por ter orientado Bolsonaro a devolver joias oficiais ao TCU (Tribunal de Contas da União). "Advogado, fui indiciado porque, no exercício de minhas prerrogativas, defendi um cliente, sendo que em toda a investigação não há qualquer prova contra mim. Sendo específico: fui indiciado pela razão bizarra de ter cumprido a lei!", escreveu ele no X (ex-Twitter).

Dois ex-auxiliares de Bolsonaro acusam "erros técnicos". Entre os indiciados estão Marcelo da Silva Vieira, ex-chefe do GADH (Gabinete de Documentação Histórica da Presidência), e o coronel Marcelo Costa Câmara, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro com quem Cid conversou sobre a venda do barco e da palmeira.

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O GADH, comandado por Vieira, foi usado pelo grupo para "legalizar" a incorporação de bens, diz a PF. Depois, parte dos presentes foi vendida ou exposta em casas de leilão.

Uma planilha de Marcelo Câmara foi usada pela PF para conferir gastos de Bolsonaro. Um controle de gastos feito por ele mostra que Bolsonaro praticamente não fez operações em débito e crédito nos três meses que ficou nos Estados Unidos, no início de 2023. Para a PF, isso seria uma sinal de que Bolsonaro custeou seu período fora do Brasil com dinheiro vivo, parte dele recebido da venda das joias.

A defesa dos dois Marcelos diz que o relatório da PF tem "incongruências e erros" que "podem comprometer" as acusações. Afirmam que o indiciamento é "desmedida tentativa de perseguição" e que os auxiliares de Bolsonaro exerciam suas funções para "manter total zelo e cuidado com referidos documentos, nos termos da legislação em vigor, sendo incompreensível a sua inclusão nesta investigação".

Lembremos que a douta Procuradoria-Geral da República já se posicionou acerca da impertinência e ilegalidade da aludida investigação em razão da flagrante incompetência do Supremo Tribunal Federal para atuar no referido feito.
Defesa de Marcelo Câmara e Marcelo da Silva Vieira, em nota

Os outros indiciados ainda não se manifestaram.

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