Fala de Lula sobre Venezuela adota tom usado em guerras, mas acena a Maduro

As falas do presidente Lula (PT) sobre as eleições na Venezuela seguem a linha que ele já adotou para outros conflitos internacionais: é pragmático, mas não esconde acenos a um dos envolvidos, no caso, a favor de Nicolás Maduro.

O que aconteceu

Lula afirmou na terça (30) que não houve "nada de grave" ou "de assustador" nas eleições da Venezuela. Foi a primeira vez que ele falou sobre o assunto. Para o petista, aliado de Maduro, a contestação da reeleição pela oposição é "um processo normal".

O processo eleitoral tem sido questionado internacionalmente. A oposição acusa Maduro de fraude nas urnas, e o governo brasileiro e de outros países sul-americanos têm cobrado a divulgação total das atas eleitorais, que comprovem o resultado apresentado no domingo (28).

Em sua fala, Lula não reconheceu a vitória de Maduro, mas tampouco cobrou o aliado. A atitude pragmática, porém não isenta, tem sido a marca do terceiro mandato do presidente, sugerida pelo ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial de Lula, com comportamentos semelhantes sobre os conflitos na Ucrânia e na Faixa de Gaza.

Lula segue o tom do Itamaraty, mas não é consenso no governo. O PT, partido do presidente, já reconheceu a vitória. Ministros, aliados e petistas têm se posicionado contra Maduro —com alguns chamando o venezuelano de ditador— e dado sinais de que não aceitam o resultado eleitoral.

Com Rússia e Palestina foi semelhante

Lula se fia nos registros eleitorais. "Tem uma briga, como vai resolver essa briga? Apresenta a ata. Se ata tiver dúvida entre oposição e situação, oposição entra com recurso e vai esperar na Justiça tomar o processo. Aí vai ter a decisão, que a gente tem que acatar", disse, em entrevista a uma filiada da Globo, ontem.

Lula demorou em cobrar eleições limpas no país. O presidente levou bastante tempo para reconhecer que as prévias tinham processos questionáveis, com por exemplo duas candidatas da oposição impedidas de disputar o pleito. Isso causou uma série de críticas por parte da oposição e até de apoiadores e motivou a ida de Amorim a Caracas para acompanhar a votação.

Cautela com acenos a Maduro. Por mais que cobre transparência, ele deixa claro que está "convencido" de que "é um processo normal, tranquilo".

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Aliados do governo veem atitude semelhante ao tratamento de conflitos. Desde que assumiu, Lula tem cobrado uma resolução de paz na guerra entre Rússia e Ucrânia, mas foi criticado por falar que "quando um não quer, dois não brigam" e não cobrar com mais veemência o presidente russo, Vladimir Putin.

Com a Palestina, ele tem sido mais direto. O governo brasileiro foi um dos primeiros a pedir o cessar-fogo entre Israel e Hamas. Desde a negativa de baixar as armas, Lula se tornou uma das principais vozes internacionais contra o governo Benjamin Netanyahu, a quem atribui um genocídio.

Falas acompanham Itamaraty

O governo está à espera. Apesar dos acenos, o Itamaraty tem feito uma articulação internacional com Colômbia e México para cobrar a publicação dos registros eleitorais por Maduro.

A diplomacia brasileira diz que não há precipitação. O Itamaraty afirma entender que, se os documentos forem apresentados sem indícios de fraude, não há por que não reconhecer a vitória de Maduro. Membros do Planalto admitem, no entanto, que a situação se complica caso as atas não forem apresentadas devidamente.

Por ora, em busca de apaziguamento. Em Caracas, Amorim conversou tanto com Maduro quanto com o candidato da oposição, Edmundo González Urrutia. Para Maduro, reforçou o pedido de transparência, sob o argumento de que isso tornaria o processo mais fácil para todo mundo, enquanto tentou garantir ao opositor que haverá acompanhamento internacional do caso.

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Ontem, Lula também conversou com o norte-americano Joe Biden. Adversário internacional do governo Maduro, o governo dos Estados Unidos disse concordar com a cobrança de transparência.

Críticas dentro do governo

Não há consenso no governo ou no PT. Embora a gestão siga, evidentemente, o posicionamento de Lula e do Itamaraty, ministros, lideranças no Congresso e petistas históricos já se pronunciaram de forma independente sobre o pleito.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou hoje que a Venezuela "não configura uma democracia". "Um regime democrático pressupõe que as eleições são livres, pressupõe que os sistemas são transparentes, pressupõe que não há nenhuma tentativa de perseguição política ou tentativa de inviabilizar com que os diferentes segmentos da sociedade venham a sofrer qualquer tipo de constrangimento ou impedimento", disse em entrevista ao portal Metrópoles.

O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, também questionou o pleito. "Uma eleição em que os resultados não são passíveis de certificação e onde observadores internacionais foram vetados é uma eleição sem idoneidade", disse à CNN Brasil.

Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, defendeu Lula e criticou "lacração". "Existe uma posição única liderada pelo presidente da rep e pelo nosso corpo do Itamaraty, que é uma postura correta", disse, ao ICL News nesta terça. "Infelizmente, tem presidente da República que está aí para lacrar."

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Apesar de ter reconhecido as eleições, o PT não proibiu filiados de se posicionarem. Parlamentares, como o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), e quadros históricos, como o ex-ministro Tarso Genro, foram contra o partido e criticaram a vitória de Maduro.

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