Deputado direcionou emenda a ONG chefiada por doador de campanha, diz CGU

Em 2023, o então deputado federal Maurício Dziedricki (Podemos-RS) direcionou uma emenda Pix para uma ONG presidida por um doador de campanha dele, segundo revela relatório da CGU (Controladoria-Geral da União). A auditoria — deflagrada por ordem do ministro Flávio Dino (STF) após a série de reportagens do UOL "Farra das ONGs" — foi encaminhada ao Supremo Tribunal Federal nesta semana.

O que aconteceu

A CGU analisou as dez ONGs que mais receberam emendas parlamentares na modalidade Pix entre 2020 e 2024. Entre elas, está o Ypiranga Futebol Clube, um clube recreativo de Porto Alegre.

Os auditores observaram que seis dessas ONGs analisadas foram escolhidas por governos estaduais e prefeituras sem processo de seleção — em alguns casos, as entidades foram indicadas por parlamentares que direcionaram emendas para financiar projetos delas. Cinco ONGs nem sequer tinham funcionários e materiais para executarem os projetos, segundo a CGU.

Isso ocorreu em Porto Alegre, segundo a CGU. Em 2023, a prefeitura fechou parceria com a ONG Ypiranga Futebol Clube — sem processo de "chamamento público" — para que fossem feitas obras na sede da entidade, diz o relatório.

Segundo a CGU, a verba que financiou a empreitada (R$ 500 mil) teve origem em emenda Pix assinada pelo então deputado Maurício Dziedricki. O relatório afirma que a ONG foi indicada pelo próprio parlamentar em ofício à prefeitura.

A CGU identificou que pessoas ligadas à ONG e servidores públicos fizeram doações de campanha ao ex-deputado nos últimos anos. Entre eles, estão:

  • O presidente da ONG Ypiranga Futebol Clube, Evaristo Barbat Mutti, que doou, ao todo, R$ 8.560 nas campanhas eleitorais de Dziedricki em 2016 e 2014;
  • O secretário municipal de Governança de Porto Alegre, Cássio de Jesus Trojildo, que doou, no total, R$ 29.990 nas eleições de 2010 e 2022;
  • O diretor-geral da mesma secretaria, Douglas Rai Silva Gonçalves, que doou R$ 1.000 nas eleições de 2018;
  • Segundo a CGU, dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostram que, em 2022, o partido do ex-deputado -- o relatório não cita qual legenda -- fez dois pagamentos ao clube de futebol, somando R$ 31 mil pelo fornecimento de produtos e serviços. A controladoria não deu detalhes sobre os pagamentos.

Além do processo de seleção da entidade não ter sido realizado de forma consoante com a legislação, verificou-se indícios de que haveria relacionamento entre os agentes envolvidos em todas as etapas do processo, desde a seleção da entidade até a aplicação dos recursos.
CGU, em relatório encaminhado ao STF

O ex-deputado Dziedricki — que hoje é diretor jurídico da estatal Badesul, a agência de fomento do governo do Rio Grande do Sul — disse ao UOL que a indicação da ONG não tem relação com as doações por ele recebidas, mas com o trabalho desenvolvido pelo Ypiranga com "menores [de idade], terceira idade e atividades esportivas e culturais".

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A ONG é questão um clube recreativo em Porto Alegre. Já o time de futebol Ypiranga de Erechim (RS) tem personalidade jurídica diferente e é administrado por outras pessoas

Procurados, o Ypiranga Futebol Clube e a Prefeitura de Porto Alegre não se manifestaram. .

Gastos de ONG não ficaram comprovados, diz CGU

A CGU identificou que não ficou comprovado o gasto de R$ 300 mil dos R$ 500 mil do projeto. Os auditores foram ao Rio Grande do Sul vistoriar a obra no mês passado.

Na visita in loco realizada pela equipe de auditoria em 17.10.2024, foi possível observar que, na sede da entidade beneficiada, ocorreram serviços de engenharia, conforme apresentado pelo presidente do Clube, que acompanhou a equipe de auditoria durante a inspeção, entretanto, sem que fosse possível verificar se esses serviços de engenharia foram executados com recursos da emenda de transferência especial.
CGU, em relatório encaminhado ao STF

Segundo Dziedrick, a CGU ignorou as explicações da prefeitura. "A prefeitura já encaminhou a comprovação dos recursos, daquilo que eles conseguiram, inclusive dos R$ 300 mil que não constaram na avaliação da CGU."

Emenda Pix é um tipo de emenda parlamentar individual que é repassadaa a prefeituras e governos estaduais sem uma finalidade definida. São chamadas de "transferências especiais".

O dinheiro cai na conta dos municípios ou estados de maneira rápida sem que haja a necessidade de haver um projeto definido. A auditoria da CGU identificou, contudo, que parlamentares indicaram ONGs para receber o dinheiro e os projetos aos quais tinham interesse.

CGU critica emenda de Randolfe Rodrigues

No relatório, a CGU viu vários outros casos de indicações de projetos/eventos e ONGs com emendas Pix. Para a controladoria, as duas atitudes são proibidas.

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"Foram constatadas indicações pelos parlamentares de beneficiários específicos para a aplicação de recursos, em descumprimento da Constituição", disse a GGU. Houve "direcionamento da emenda para organização ou objeto específico", continuou.

No Amapá, o líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), indicou que uma emenda Pix sua — no valor de R$ 300 mil — deveria servir este ano para a "Festa de São Tiago", promovida pela Secretaria de Cultura do Amapá.

Segundo o senador, outra emenda Pix, de R$ 560 mil, deveria bancar o aniversário da cidade de Oiapoque (AP).

Randolfe não indicou a ONG para executar os eventos, mas os valores foram pagos ao Inorte (Instituto de Gestão em Desenvolvimento Social e Urbano).

A CGU aponta outras irregularidades, como o fato de a ONG ter sido escolhida pelo governo do Amapá sem chamamento público.

A assessoria de Randolfe enfatizou que ele não conhece a Inorte e que indicou apenas o evento. Para o gabinete dele, isso não é ilegal e dá transparência ao processo.

"Solicitei à CGU que instaurasse tomada de contas especial sobre os gastos decorrentes da emenda por mim destinada, a fim de que se apure qualquer eventual irregularidade. A transparência e o uso correto de verbas públicas é um compromisso do meu mandato", afirmou o senador, em nota.

Procuradas, a ONG Inorte e a Secretaria de Cultura do Amapá não se manifestaram.

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