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A Venezuela está preparada para combater o coronavírus?

Venezuelanos usando máscaras tentam atravessar fronteira com a Colômbia - Getty Images
Venezuelanos usando máscaras tentam atravessar fronteira com a Colômbia Imagem: Getty Images

Guillermo D. Olmo

Em Caracas (Venezuela)

16/03/2020 07h46

Deterioração social e econômica dos últimos anos pode representar desafio para país, dizem analistas.

O temido coronavírus chegou à Venezuela.

O país se tornou o último na América Latina a registrar o aparecimento em seu território da pandemia causada pelo SARS-CoV2.

A Venezuela soma-se assim ao grande grupo de países afetados pelo vírus, que até o domingo, 15 de março, já havia infectado quase 170 mil pessoas e deixado 6,5 mil mortos.

A vice-presidente executiva da Venezuela, Delcy Rodríguez, confirmou o registro dos dois primeiros casos de coronavírus.

São dois cidadãos venezuelanos. O primeiro caso é o de uma mulher de 41 anos que chegou ao país depois de viajar pela Itália, Estados Unidos e Espanha, países seriamente afetados pela pandemia.

O segundo é um venezuelano de 52 anos que voltou à Venezuela após uma viagem à Espanha.

Rodríguez garantiu que os dois pacientes, que vivem no Estado de Miranda (centro do país), já estão devidamente isolados e exigiu que todos os passageiros nos voos Iberia de Madri, nos dias 5 e 8 de março, entrem imediatamente na "quarentena preventiva".

A Venezuela foi um dos últimos países da América Latina a noticiar um caso de infecção por coronavírus. O presidente Nicolás Maduro já havia alertado na quinta-feira passada que "a qualquer momento, o coronavírus poderia entrar na Venezuela".

Medidas

Nos portos e aeroportos venezuelanos, todos têm a temperatura conferida por agentes de saúde.

Na quinta-feira, o presidente Maduro anunciou a suspensão de um mês de voos com origem na Europa e na Colômbia.

Maduro declarou o sistema de saúde em "emergência permanente" e o Ministério da Saúde da Venezuela publicou uma lista de "hospitais sentinelas".

São 46 centros hospitalares espalhados por toda a Venezuela, que, segundo o governo, foram equipados com os meios para tratar os pacientes afetados pelo vírus que causou um alerta de saúde global.

Há alguns dias, o presidente venezuelano se referiu à preparação do país para enfrentar a crise: "Aprovei todos os recursos necessários para que o país esteja equipado com todos os testes", disse ele.

Maduro informou que cerca de 20 casos suspeitos foram descartados.

Ele também garantiu que tem a colaboração da China e Cuba para enfrentar o coronavírus e que possui estoques suficientes do medicamento cubano Interferón, com o qual pretende tratá-lo, embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirme que ainda não existe um tratamento para a cura da nova doença, mas apenas para seu alívio temporário.

Como a Venezuela está preparada para enfrentar o coronavírus

A crise econômica na Venezuela causou uma deterioração significativa da vida no país e, consequentemente, também nas condições sanitárias.

Segundo o governo, a culpa é das "sanções criminosas" dos Estados Unidos. Já analistas e oposição acusam a má gestão da economia sob a liderança de Nicolás Maduro.

A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) anunciou que enviaria missões de apoio aos países da região que "correm um risco maior", uma lista que inclui Venezuela, Haiti, Suriname, Guiana, Nicarágua, Honduras, Guatemala, Bolívia, Paraguai e as ilhas do Caribe oriental.

Coronavírus liga alerta pelo mundo

E no Índice Global de Segurança em Saúde elaborado por um painel de especialistas internacionais, a Venezuela ficou em 176º lugar de um total de 195 países.

A recomendação básica repetida pelas autoridades de saúde em todo o mundo nas últimas semanas é lavar as mãos com frequência, mas na Venezuela existem muitas comunidades sem acesso à água corrente.

Com um terço de sua população em situação de insegurança alimentar, como informado recentemente no Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas, muitos venezuelanos não podem se dar ao luxo de comprar sabão.

Por outro lado, a Pesquisa Nacional de Hospitais, elaborada anualmente pela organização Médicos para Saúde, detectou deficiências importantes que poderiam ter um impacto negativo na resposta a um surto epidêmico como o do coronavírus.

Mais de 53% dos hospitais não tinham as máscaras que os profissionais de saúde deveriam usar para evitar adoecer e infectar outras pessoas.

E 92% não tinham um protocolo de ação específico e nenhum tinha criado uma área de isolamento para pacientes infectados.

Profissionais de saúde de alguns hospitais designados pelo governo para responder ao coronavírus confirmaram as deficiências à BBC News Mundo.

No hospital Luis Razetti, no Estado de Anzoátegui, foi planejado o estabelecimento de áreas de isolamento, mas, segundo fontes, o hospital está 100% cheio e não há leitos disponíveis.

Uma médica de Manuel Núñez Tovar, de Maturín, diz que não há máscaras e que o andar de pneumologia está inoperante.

Em outros hospitais designados, profissionais de saúde criticaram o que descrevem como "falta de meios".

Um deles disse à BBC News Mundo que começou a comprar o equipamento de proteção e o material desinfetante com o dinheiro recebido das doações pois teme que o Estado não irá fornecê-los.

Outro problema que pode ocorrer na Venezuela é a falta de kits de diagnóstico. Segundo fontes, o Instituto Nacional de Higiene possui 300 desses kits, número que pode ser insuficiente se o vírus se espalhar como em outros países. O governo garante que possui todos os kits necessários.

Mas o que mais preocupa os especialistas é a possível falta de transparência.

O epidemiologista Julio Castro escreveu em um artigo recentemente publicado no portal "Prodavinci" que "a melhor ferramenta para gerenciar processos como esse é ter informações precisas".

Especialistas temem que, assim como em outros desafios de saúde pública, como o vírus da Zika, as autoridades venezuelanas não publiquem informações suficientes ou confiáveis para que a população e a comunidade científica possam estar cientes da evolução da pandemia na Venezuela.