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Doentes e funcionários com medo: a rotina do hospital do coronavírus do DF

Paciente se protege com máscara em hospital de Brasília - Kleyton Amorim/UOL
Paciente se protege com máscara em hospital de Brasília Imagem: Kleyton Amorim/UOL

Felipe Amorim e Alex Tajra

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

12/03/2020 04h00Atualizada em 12/03/2020 07h16

Resumo da notícia

  • Local tem a única paciente de covid-19 internada em estado grave no país
  • Uso de máscaras se propaga na unidade; médica relata ter visto até quem recorra a sacos plásticos na cabeça
  • Ala no sétimo andar é isolada para receber casos confirmados ou suspeitas da doença

Desde que o primeiro caso de coronavírus foi confirmado em Brasília, pacientes e profissionais de saúde do HRAN (Hospital Regional da Asa Norte) viram sua rotina abrir espaço para o medo e o desconhecimento sobre a nova doença.

Pacientes e funcionários do hospital público relataram ter intensificado o uso de máscaras, medida muitas vezes adotada sem necessidade, segundo a recomendação de infectologistas. Uma médica do HRAN disse ter visto pessoas com sacos plásticos na cabeça, aparentemente numa tentativa, sem base científica, de se proteger do vírus.

O hospital isolou uma ala do sétimo andar para receber pacientes internados com suspeita ou confirmação de coronavírus. Além disso, a UTI foi esvaziada para receber o único caso confirmado da doença atualmente internado no hospital: uma advogada de 52 anos que está em estado grave e respira com a ajuda de aparelhos.

Além dessa paciente, não há outros casos, suspeitos ou confirmados de coronavírus, internados no HRAN (o marido dela, que ontem também teve a doença confirmada, está em isolamento domiciliar). Mesmo assim, o clima é de apreensão entre quem frequenta o hospital para buscar atendimento ou por dever profissional.

A professora Zildete de Carvalho, 50, foi fazer exames na terça-feira (10) e recorreu à máscara cirúrgica, alarmada com as notícias sobre o vírus. "A gente fica preocupada porque precisa do serviço do hospital. Tem um mês que eu só venho de máscara", disse ela.

Nesse mesmo dia, mais pessoas que circulavam pela unidade, e que preferiram não se identificar, fizeram a mesma opção temendo contaminação. "Decidi usar a máscara para me proteger e proteger minha sogra, que vim visitar", disse.

Um homem que procurou o serviço de saúde em busca de medicação também o fez usando a proteção no rosto.

Internação de paciente muda dia a dia

Uma médica que trabalha no hospital, e que pediu para ter a identidade preservada, afirmou que houve uma transformação no local após o ingresso da paciente com coronavírus.

"Aí você observa, em um primeiro caso, a questão do pânico, do rumor, da falta de informação adequada. Sobre essa paciente mesmo, inúmeras informações equivocadas foram publicadas pela mídia, em relação ao contato, à evolução da paciente, com relação ao ambiente. Se não houver uma orientação, um acompanhamento, as coisas viram uma loucura", afirmou.

Para a médica, há exagero na conduta de pacientes e profissionais de saúde em relação ao vírus, e o alarmismo que envolve a doença é prejudicial para o próprio trabalho de contenção.

"Chegou a um ponto de as pessoas colocarem sacos de lixo na cabeça para se protegerem. A gente assiste até os profissionais de saúde desfilando com máscaras cirúrgicas como se fossem se infectar em um piscar de olhos. Isso passa uma mensagem alarmista", relata.

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Pacientes e funcionários se protegem do coronavírus no HRAN (Hospital Regional da Asa Norte), em Brasília
Imagem: Kleyton Amorim/UOL

Em outra frente, os deputados distritais decidiram instaurar uma comissão na Câmara Legislativa do DF para verificar os procedimentos de prevenção e combate ao coronavírus. A decisão foi tomada após a Comissão de Direitos Humanos da Casa receber relatos de que o HRAN não disporia da estrutura adequada.

O deputado Fábio Felix (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos, fez uma visita ontem ao HRAN e conversou com profissionais e a direção do hospital. Ele relata que as principais queixas são de que não houve um isolamento adequado das áreas destinadas ao atendimento dos pacientes com coronavírus e sobre a baixa quantidade de equipamentos de proteção para os funcionários, como luvas e máscaras.

A situação atual, no entanto, não é de alarme, segundo Felix. "Se cresce como epidemia, a estrutura da secretaria hoje ainda é muito precária para atender os desdobramentos. Mas a sensação hoje ainda não é essa, a gente está em outro clima, e não queremos gerar pânico na população, porque isso seria o pior nesse momento", diz o deputado.

Em entrevista a jornalistas ontem, representantes da Secretaria de Saúde do DF afirmaram que o número de equipamentos de proteção é adequado para atender a demanda do HRAN e que todos os profissionais atendem diretamente a paciente internada têm utilizado os materiais recomendados.

Máscara só para quem está doente

O infectologista Eduardo Hage, da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, afirma que apenas pacientes com sintomas de gripe ou outra doença respiratória infecciosa devem usar máscara para ir até as unidades de saúde. Mas isso é uma medida para evitar o contágio de outras pessoas e não para a proteção pessoal do paciente.

Os pacientes sem esses sintomas não têm necessidade de usar qualquer proteção para ir ao hospital, diz Hage. Segundo o médico, logo no primeiro atendimento as pessoas com risco de infectar outros são atendidas em um ambiente separado dos outros pacientes e, por isso, é muito baixo o risco de qualquer contágio.

"Não há necessidade de uso de máscara para visitar uma unidade de saúde, exceto se estiver em um ambiente com paciente que tenha quadro respiratório, ou então se a pessoa, o próprio paciente, já venha com um quadro respiratório. E aí já não é mais uma medida de proteção dele, mas das outras pessoas", diz Hage.

Apesar de o HRAN ter se preparado para atender casos mais graves da doença, que precisem de internação, a recomendação da Secretaria de Saúde do DF é que pacientes com sintomas gripais procurem qualquer unidade de saúde para atendimento, da rede pública ou privada, ainda que suspeitem se tratar de um caso do novo vírus.

Segundo o Ministério da Saúde, a maioria dos casos da doença provoca apenas uma gripe leve e cerca de 90% dos casos podem ser atendidos em unidades como postos de saúde e não necessitam de atendimento hospitalar.

Em SP, hospital registra 16 novos casos

Na noite de ontem, o hospital paulistano Albert Einstein 16 novos casos de coronavírus — dessa forma, subiu para 69 o total de registros da covid-19 no país (46 deles no estado de São Paulo).

Também nesta quarta-feira, a OMS (Organização Mundial da Saúde) classificou coronavírus como pandemia e cobrou ação de governos.

A classificação significa que uma transmissão recorrente está ocorrendo em diferentes partes do mundo e de forma simultânea.