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Cientistas do zika veem 'diferença total' entre crise de 2015 e covid-19

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

18/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Diferenças na forma de contaminação do zika e do coronavírus é relevante
  • Para especialistas, coronavírus tem se propagado de forma mais rápida que zika
  • Nova pandemia também sobrecarrega mais rede de saúde

Em comparação com os casos no novo coronavírus, médicos e cientistas que participaram da linha de frente de pesquisas durante a emergência causada pelos casos de microcefalia associados ao vírus da Zika apontam que, apesar de serem ambos agentes infecciosos, há uma diferença em todos os aspectos dos dois vírus que levaram o país a viver as piores crises da década em saúde pública.

No caso do vírus da Zika, o país viveu uma emergência em saúde pública que durou de novembro de 2015 a maio de 2017. No caso do coronavírus, o decreto de emergência em saúde pública de importância nacional foi publicado em 4 de fevereiro deste ano.

A forma de contaminação é um ponto a ser observado, dizem os especialistas. "Ambas as epidemias foram de vírus novos, desconhecidos até então. Mas a grande diferença, primeiro, está na forma de transmissão: o zika tem transmissão pelo mosquito Aedes aegypti principalmente; e o corona tem transmissão direta, de pessoa a pessoa, com contaminação pela fala, tosse, ou espirro; ou seja, é uma doença respiratória", afirma o professor de Infectologia da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Fernando Maia.

Ele ainda explica que a forma de atuação do vírus para causar problemas também é completamente diferente.

"O zika parece ser bem mais agressivo, costuma fazer o quadro da microcefalia e de outras alterações principalmente em crianças de mulheres que engravidaram com o vírus. Ou seja, ele causa alterações principalmente ainda na fase intrauterina. Já o coronavírus ataca mais fortemente idosos. Claro, ele atinge também adultos e crianças, mas em idosos ele pode fazer a forma grave e inclusive matar", explica.

Rafael França, do Departamento de Virologia e Terapia Experimental da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em Pernambuco, pontua também as diferenças do ponto de vista epidemiológico.

"O ciclo, no caso de uma doença passada por um vetor, funciona da seguinte maneira: uma pessoa ou animal está infectado, e o mosquito vai lá e suga o sangue dele. Na hora que ele vai picar um novo indivíduo para se alimentar, ele passa essa infecção para uma nova pessoa. Então, não há uma passagem de pessoa para pessoa, como no coronavírus, que é um vírus respiratório que contamina pelo simples contato", explica.

No caso da covid-19, ele vê uma proliferação mais rápida do que foi a Zika.

"A pessoa doente, mas não necessariamente com sintomas, está eliminando o vírus em todo ambiente. Não precisa de um contato íntimo necessariamente, como no vírus da Zika — que tem transmissão humana só por via sexual ou de mãe para filho. Então, é um vírus que se espalha muito mais facilmente e muito mais rapidamente", afirma.

O pesquisador Kleber Luz, da UFRN, ainda lembra que a forma de prevenção na saúde pública também difere em tudo. "Como são doenças com componente epidemiológico diferente, a preparação de uma não vai servir para outra. No caso da Zika, são ações para evitar o mosquito, com um carro fumacê, ações de agentes, cuidado com água, por exemplo. Já no coronavírus, é preciso uma intervenção imediata, e é um desafio maior à assistência à saúde", completa.

Menos leitos antes, mais agora

Segundo a médica Adriana Melo, que pesquisa o vírus da Zika desde 2015 e foi a responsável pelo primeiro exame que confirmou o Zika em um feto, uma outra diferença está na ocupação hospitalar no primeiro momento.

"Na epidemia do Zika. a rede hospitalar não foi muito afetada. A maioria das crianças não precisou ficar em leitos de terapia intensiva, e as poucas que precisaram eram casos graves e foram a óbito em poucos dias, não sobrecarregando as unidades de cuidados intensivos neonatais", explica.

Entretanto, a médica conta que, nos anos seguintes, as crianças começaram a desenvolver problemas como pneumonia por aspiração.

"Aí se percebeu que faltavam leitos de cuidados intensivos. Várias vezes denunciei essa situação no Ministério público e nas redes sociais. Na epidemia atual, apesar de cerca de 80% dos casos apresentarem sintomatologia leve, os casos graves e críticos podem precisar de UTI [Unidade de Terapia Intensiva]. A pergunta é: teremos leitos suficientes?", questiona.

Melo defende medidas como a criação de um fluxo para pacientes suspeitos da covid-19 para evitar que eles fiquem "rodando de serviço em serviço", além da capacitação e fornecimento de equipamentos de proteção individual para as equipes de saúde e criação de leitos de UTI.

"Além, é claro, das medidas de isolamento social, que, caso não sejam tomadas agora, pode fazer com que se repita o que ocorreu na Itália", compara.