"Se alguém pagasse minhas contas eu ficava em casa", diz motorista de app
Resumo da notícia
- Trabalhadores sem CLT ou se resguardam contra o coronavírus ou ficam sem renda
- Motorista de aplicativo, diarista e microempresário relatam dificuldades após pandemia
O motorista de aplicativo Orlando Bispo dos Santos, 61, abriu a porta do seu carro para a reportagem, no centro de São Paulo, às 16h10 de segunda-feira (16), e avisou: "Vamos até a Mooca, né? Moro ali perto, tô no rodízio hoje, tenho 50 minutos para parar de trabalhar".
Santos está na faixa etária com maior risco do coronavírus, que tem atingido com gravidade pessoas acima dos 60 anos. A primeira vítima fatal no Brasil, tinha 62 anos. O motorista, no entanto, diz não ter nem sequer a possibilidade de pensar em parar de trabalhar.
"Todo mundo tem conta pra pagar, coisa pra resolver. Se alguém pagasse minhas contas eu ficava em casa. Não posso dar mole, não. Faço entre 10h e 12h [de trabalho] por dia. Mas Deus ajuda. Se pensar muito, você não sai de casa. Se eu não sair de casa, como é que vai ficar minha vida?"
No ano de 2019, a taxa de informalidade alcançou recorde em 19 Estados, além do Distrito Federal, segundo dados do IBGE divulgados em fevereiro de 2020. Na média do Brasil, a taxa de informalidade foi de 41,1%, o equivalente a 38,4 milhões de pessoas entre os trabalhadores ocupados.
Tem que trabalhar. Não pode reclamar, não, vai fazer o quê? Água, luz, telefone, assistência médica, aluguel, tem um monte de coisa pra pagar. Tem que ir pra cima.
Orlando Bispo dos Santos, motorista de aplicativo
O medo de não conseguir fechar as contas do mês atinge não apenas Santos, mas muitos trabalhadores que não têm registro em carteira de trabalho. Para eles, caso não consigam prestar serviço, não entra o dinheiro na conta. Eles afirmam não ter o direito de se resguardar contra a pandemia.
Três filhos para sustentar
É o caso da diarista Carla Cruz, 39. "Só recebo se trabalho. Por conta do coronavírus, alguns patrões começaram a me dispensar por medo do contágio, já que pego transporte público. Pago aluguel, tenho três crianças em casa, de 7, 12 e 14 anos, e não tenho outra renda", afirma.
Ela diz ter medo de passar necessidades básicas de todo ser humano, como ter acesso a alimentação, por exemplo. "Infelizmente, na minha profissão, muitos não têm consideração e empatia. Mandei mensagem para uma das patroas dizendo que me colocava à disposição para ficar na casa dela. Nem assim ela quis", diz.
"Trabalho de segunda a sábado, tem casa que ganho R$ 60 [por dia], tem casa que R$ 120 ou R$ 150. Pago R$ 750 de aluguel, R$ 37 em média de água, R$ 90 de internet e o resto eu coloco na condução e alimentação. Se ficarmos nessa crise por meses, posso não conseguir pagar nada. Isso realmente me assusta", acrescenta.
E se, por acaso, Deus me livre, um dos meus filhos pegar o vírus? Como faço com medicamentos? Estou numa situação muito difícil. Chega a ser desumano.
Carla Cruz, diarista
Microempresários em dilema
O casal de comerciantes Romildo da Silva, 52, e Almirene dos Santos, 43, relatam que estão pensando se fecham ou não a lanchonete que administram em frente ao hospital geral da Pedreira, na zona sul da capital. "Aluguel, conta de luz, água, impostos. Nossa renda depende unicamente do trabalho", diz Silva.
"Fora isso, estamos correndo risco aqui. Porque aqui podem entrar todo tipo de pessoa. Pessoas infectadas, não infectadas. Por mais que nós tentamos evitar, a gente vê que até os médicos que vêm aqui estão preocupados. A gente faz higienização, evita contato, mas a preocupação é grande", afirma.
Ele diz que, depois da pandemia, a movimentação na lanchonete está bem abaixo do normal. "Todo mundo está com medo, né?".
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