Da cloroquina ao plasma: as apostas da ciência brasileira contra a covid-19
Resumo da notícia
- Cientistas brasileiros correm contra o tempo para descobrir o tratamento e a cura contra a covid-19
- A USP e os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês realizam estudo com o plasma do sangue de pessoas que se curaram
- A Fiocruz publicou pesquisa sobre o Atazanavir, cujo desempenho foi superior ao da cloroquina
- Até o momento, cientistas brasileiros conseguiram registrar 53 estudos na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
Enquanto o uso da cloroquina para combater a covid-19 provoca atritos entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, cientistas brasileiros correm contra o tempo para descobrir a prevenção, o tratamento e a cura para a doença que já matou mais de mil pessoas no país e mais de 100 mil no mundo. Alguns resultados são promissores.
A USP (Universidade de São Paulo) e os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês divulgaram a realização de um estudo que utiliza em doentes o plasma do sangue de pessoas que se curaram da covid-19. A Fiocruz publicou uma pesquisa sobre o Atazanavir, já usado no tratamento de pacientes com HIV, cujo desempenho foi superior ao da cloroquina.
Essas são apenas algumas apostas. Até o momento, cientistas brasileiros conseguiram registrar 53 estudos na Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), o órgão federal responsável por autorizar e fiscalizar as pesquisas médicas realizadas em seres humanos no Brasil, como são os casos envolvendo o novo coronavírus.
"Todos os estudos sobre o assunto precisam passar pelo Conep. Se isso não ocorre, podemos denunciar ao Ministério Público", afirmou ao UOL Jorge Alves Venâncio, médico e coordenador da comissão.
A pandemia intensificou a rotina no órgão, que agora trabalha "sete dias por semana" para avaliar tudo o que é registrado. "Temos muitas tentativas, que vão desde a cloroquina a antirretrovirais, remédio contra HIV, células tronco... Os cientistas estão jogando a rede para ver o que aparece. E é essa a função da ciência."
O Instituto Paulista de Reumatologia, por exemplo, avalia em 9 mil pessoas o efeito do uso de remédios contra a malária, em pacientes com doenças reumáticas que foram infectados pelo novo coronavírus. O Hospital Albert Einstein testa em dez participantes um tratamento com células mesenquimais, consideradas as "células do futuro" por serem fundamentais no processo de cicatrização e a principal aposta em tratamentos para doenças autoimunes, como diabetes e esclerose múltipla.
Já o Hospital Sírio-Libanês estuda em 290 pessoas o uso de corticoide para casos graves de covid-19, enquanto o Instituto D'or de Pesquisa tenta interromper, em 500 participantes, os bloqueadores do receptor de angiotensina, uma molécula que controla a pressão arterial, fundamental para os infectados pelo novo coronavírus, que perdem a respiração em razão da inflamação nos vasos sanguíneos.
Mas são a cloroquina e a hidroxicloroquina os compostos mais pesquisados: 3.838 pessoas fazem parte de dez estudos. Em um deles, o Hospital São José de Doenças Infecciosas, em Fortaleza, associou os dois medicamentos para tratar 300 doentes.
O uso dos remédios vem causando divergências entre Bolsonaro e Mandetta, que quase foi demitido. O ministro declarou que solicitou um estudo para que o Conselho Federal de Medicina que se posicione a respeito do medicamento, até o dia 20 de abril.
USP e Fiocruz na linha de frente
Além de publicar o promissor estudo sobre o Atazanavir — um antirretroviral que quebra a enzima responsável pela multiplicação do novo coronavírus no organismo — a Fiocruz foi escolhida pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para investigar, no Brasil, a eficácia de quatro tratamentos para a covid-19, em 18 hospitais de 12 estados. Serão testados a cloroquina, o remdesivir, a combinação liponavir e ritonavir, isolado ou combinado ao Interferon Beta 1a.
"Estudos com número limitado de pacientes, e sem o adequado controle, como são a maior parte dos estudos registrados até o momento, podem demorar a conseguir uma resposta, ou nem mesmo chegar a ela", diz a diretora do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz, Valdiléa Veloso,
Mas é a Faculdade de Medicina da USP quem mais registrou pesquisas na Conep: dez ao todo. Assim como a Fiocruz, a universidade desenvolve uma vacina contra a Sars-Cov-2 (nome oficial do vírus). Diferentemente da versão norte-americana da vacina, que usa moléculas sintéticas de RNA mensageiro, a versão brasileira utiliza Partículas Semelhantes a Vírus (VLPs, na sigla em inglês).
As semelhanças entre as partículas sintéticas e às do coronavírus permitem que as VLPs sejam reconhecidas pelo sistema imunológico, sem a necessidade de introduzir no paciente o material genético do vírus, o que tornaria a versão brasileira mais segura, segundo a USP.
O Instituto de Ciências Biomédicas da USP também recebeu autorização, de uma grande farmacêutica, para testar cerca de 1.500 medicamentos já existentes. "A análise de fármacos já aprovados para outros usos é a estratégia mais rápida que a ciência pode fornecer para ajudar no combate à covid-19", explica o pesquisador da Fiocruz Thiago Moreno.
A última novidade divulgada pela USP é o uso do plasma sanguíneo de pacientes já recuperados da doença. "Existem alguns casos de H1N1 em que pessoas foram curadas por esse método", explica o chefe da divisão de Hematologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Hemocentro de São Paulo, professor Vanderson Rocha.
Ele pondera que o tratamento deve ser voltado a pacientes "que ainda não evoluíram para uma doença pulmonar grave". "Não acredito que os entubados se beneficiarão", afirma Rocha, para quem a contraindicação deverá se reservar aos pacientes com insuficiência cardíaca.
"São utilizados entre 200 e 400 ml de plasma no tratamento. O coração desses pacientes sofre para processar o excesso de líquido", argumenta. "Já os doadores devem ter entre 18 e 60 anos, sem histórico de doenças infecciosas. As doadoras mulheres não podem ter tido filho ou sofrido aborto."
Falta de verba compromete pesquisas
Para o professor da USP, a pandemia acelerou o processo para a aprovação das pesquisas no Brasil. O problema, diz ele, é a falta de investimento público.
"A pesquisa tem sofrido muito nos últimos anos por falta de verbas. Os pesquisadores recebem salários ridículos, mas nessas horas são chamados para salvar a pátria", pontua.
Isso tudo mostra que a saúde e a pesquisa devem ser valorizadas. Se tivéssemos mais preparados, os resultados no Brasil seriam ainda melhores.
Vanderson Rocha, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
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