Saúde perde R$ 14 bi ao ano com fraudes, e covid-19 pode piorar situação
Resumo da notícia
- Instituto Ética Saúde (IES) estima que pelo menos R$ 14,5 bilhões investidos na saúde são desperdiçados anualmente no Brasil
- Ocorrência de fraudes, corrupção e má gestão custam 2,3% de todo o orçamento destinado ao setor, diz a entidade
- Para combater o novo coronavírus, o Congresso aprovou lei que dispensa as licitações nas compras
- Médico do IES demonstra preocupação com as compras feitas neste momento de urgência
Pelo menos R$ 14,5 bilhões investidos na saúde são desperdiçados anualmente no Brasil, estima o Instituto Ética Saúde (IES). A organização da sociedade civil aponta que a ocorrência de fraudes, corrupção, má gestão e distorções de outros tipos custam 2,3% de todo o orçamento destinado ao setor, incluindo dinheiro público e privado. E a pandemia do novo coronavírus pode aprofundar esse problema.
A estimativa é que, dos R$ 630 bilhões investidos por governos ou empresas, R$ 14,5 bi se perdem ao longo do caminho, por falta de ética, corrupção e outras ingerências. Por se tratar de investimento em saúde, as consequências acabam custando vidas.
"Por esse histórico, temos grande preocupação com as compras feitas agora, durante a pandemia. Pela rapidez com que as operações precisam ser realizadas, com a suspensão das licitações, as garantias convencionais estão em grande parte abolidas", explica Sérgio Madeira, médico e diretor técnico do Instituto Ética Saúde.
Para acelerar os processos de compras, em fevereiro o Congresso aprovou lei que dispensa as licitações na aquisição de "bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública" (Lei nº 13.979). Nesse modelo mais flexível, o governo federal promete fazer compras em dez dias. O Ministério da Economia estima que uma compra de materiais por licitação leva em média 60 dias, prazo considerado longo frente às urgências do momento.
Durante a pandemia da covid-19, a União já gastou, em compras sem licitação, mais de R$ 1 bilhão em máscaras, álcool em gel, sabonete líquido e outros vários equipamentos. Segundo o Ministério da Economia, foram mais de 2 mil operações do tipo, e quem mais gastou nesses moldes foi a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com R$ 436,09 milhões em compras (39,76% do total), seguida pelo Ministério da Saúde, com R$ 231,38 milhões gastos.
Pandemia expõe casos suspeitos
A crise causada pelo novo coronavírus traz consigo uma urgência para compra de equipamentos, contratação de profissionais e outros gastos por parte do poder público. O estado de emergência muitas vezes dispensa as licitações e não raro cria um relaxamento regulatório, por isso o Instituto Ética Saúde (IES) teme que as fraudes aumentem.
A preocupação do IES é que, se as leis de mercado prevalecerem neste momento de crise, talvez prevaleça também uma espécie de "lei da selva". "Oportunistas e predadores estão tendo grandes oportunidades com a longa e difícil cadeia de suprimentos [da saúde]", alerta Sérgio Madeira.
Exemplos práticos dão razão a essa preocupação. A prefeitura de Guarulhos-SP é investigada pelo Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo por uma compra suspeita de 300 mil máscaras cirúrgicas descartáveis. Cada unidade custou R$ 6,20 à cidade, enquanto a vizinha São Paulo pagou menos da metade (R$ 3) em compra feita três semanas depois.
Também o Ministério Público de Contas do Amazonas investiga uma compra suspeita. Segundo a procuradoria, o governo do estado adquiriu 28 respiradores pulmonares ao preço de R$ 106 mil por unidade, o dobro do que o governo federal paga pelo mesmo tipo de respirador. Os equipamentos foram comprados em uma loja de vinhos e considerados "inadequados" por especialistas.
Na pequena Condado-PE, município de 25 mil habitantes e 75 quilômetros distante de Recife, a prefeitura pagou adiantado por dez mil "cartilhas educativas" impressas sobre prevenção ao coronavírus. A compra de R$ 180 mil foi feita sem parecer jurídico e acabou anulada pelo Ministério Público de Contas do estado.
Instituto propõe um controle de fraudes
A análise do Instituto Ética Saúde considera o controle de fraudes nos sistemas de saúde de outros países, principalmente o Reino Unido, além da posição do Brasil no ranking da ONG Transparência Internacional e dos cálculos da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre os gastos com saúde no país.
Inspirado pelo Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS), o IES sugere que o Ministério da Saúde crie uma instância de fiscalização e avaliação contínua de fraudes no setor.
No caso britânico, o NHS conta com a Autoridade de Contra-Fraude, um departamento com caráter educativo, mas que também recebe denúncias. Ele pesquisa, mede e informa sobre a má aplicação de dinheiro público na saúde, com desperdício estimado em 1,27 milhão de libras (R$ 8,76 milhões), o equivalente a 1% do orçamento.
A proposta no Brasil é que o governo copie os ingleses. "Nós temos que contar às pessoas o quanto de dinheiro estamos perdendo. E também pedir aos cidadãos que prestem atenção no atendimento, que fiscalizem também", diz o médico Sérgio Madeira.
O próprio IES tem um canal de denúncia recém-aberto ao público. No levantamento mais recente, até o mês de março haviam sido 1.532 denunciados, entre médicos, hospitais, distribuidores, importadores e demais partes da cadeia de produção da saúde.
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