Doria: as pessoas ficarão em casa "porque a morte vai chegar mais perto"
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acredita que a taxa de isolamento social finalmente vai crescer. Não pela conscientização ou pelo endurecimento das regras, mas "porque a morte vai chegar perto". Em entrevista exclusiva ao UOL ontem, ele avaliou que o pior da pandemia ainda está por vir e, com isso, mais pessoas terão um conhecido atingido pelo coronavírus.
E diante da gravidade da situação, Doria se diz preocupado com o desrespeito de mais da metade da população à quarentena e vê as "digitais" do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) — em quem o tucano afirma ter se arrependido de ter votado.
Na conversa, Doria também reclamou da postura do governo norte-americano e manifestou descontentamento com a compra de respiradores da China, pelas quais o estado pagou uma parcela, mas os equipamentos ainda não chegaram.
Leia os principais trechos da entrevista:
UOL- O senhor prorrogou a quarentena até o fim de maio. Existe uma expectativa de data para o afrouxamento do isolamento social?
João Doria - Não é adequado fazermos esta previsão. O que nós desejamos é que até 31 de maio a população responda de forma mais forte e mais solidária e fique em casa. E se você me perguntar se acredito que isso vai acontecer, mesmo sem acontecer até agora? Sim. E por quê? Não é apenas pelas medidas restritivas, pelos apelos e pelas campanhas. Mas porque a morte vai chegar mais perto.
Esse vai ser o grande fator que vai influenciar a decisão de as pessoas usarem as máscaras constantemente, terem mais cuidado com a sua própria higiene pessoal e a ficarem mais resguardadas.
Em 22 de abril, o governo abriu a perspectiva de retomada do comércio. Foi criada uma expectativa de voltar às ruas e a impressão de que a situação não era tão grave?
Não. Nós não anunciamos que faríamos, anunciamos que estávamos formando um grupo de trabalho para analisar formatos desde que a obediência ao isolamento fosse feita. Nós sempre consideramos o aspecto de que o isolamento seria entre 55% e 60%. Mas infelizmente, o isolamento foi sistematicamente abaixo da média desejada.
O que continua a influir são sinais contrários da presidência da República. Nós vivemos num regime presidencial e o volume de mídia que o presidente da República tem, naturalmente, é maior que a mídia dos governadores. Se o presidente não está usando máscara, vai na padaria, compra coxinha, tomar refrigerante, faz selfie, anda no calçadão, diz que vai fazer churrasco ou bater um futebol, tudo isso é uma mensagem contrária à mensagem da saúde, da medicina e da ciência.
O presidente lhe decepcionou? O senhor se arrepende do apoio manifestado a Jair Bolsonaro nas eleições?
Sim. Eu tenho que reconhecer isso, eu não tenho compromisso com o erro. Eu não imaginava que o então candidato Jair Bolsonaro, com uma proposta econômica liberal, com convite feito ao Paulo Guedes, até então um economista respeitável do mercado [fosse agir assim]. Alguém que tinha convidado Sergio Moro, o homem que ajudou o Brasil através da Lava Jato, pudesse, em pouquíssimo tempo, subverter essa visão.
Ele não está cumprindo uma parte majoritária dos compromissos, conflagrando o país, exaltando a ditadura militar, hostilizando os meios de comunicação, banalizando a relação com a cultura no país, estabelecendo ataque a parceiros comerciais como Argentina, a China e a França.
Um conjunto de equívocos, de erros sucessivos que me fizeram rapidamente perceber que não era este o presidente em que eu gostaria de ter votado. Portanto, me arrependo do voto que dei.
O presidente Jair Bolsonaro briga na Justiça para não mostrar os laudos dos exames de covid-19 que fez. O senhor acredita que ele está escondendo alguma coisa?
Quem não deve não teme. Qual a razão de não mostrar o seu exame? Eu fiz três vezes e mostrei três vezes os meus testes para imprensa. Não há o que temer.
Se o presidente fez, por que não mostrar? Ao não mostrar, ao relutar, inclusive judicializar este processo, dá a nítida sensação de que ele, provavelmente fez, testou positivo e escondeu esta informação da opinião pública.
Houve manifestações pedindo ditadura com Bolsonaro no poder. O senhor considera satisfatórias as notas divulgadas pelo Ministério da Defesa de que não há intenção golpista das Forças Armadas?
Eu tenho tido informações de que os comandos militares, Aeronáutica, Marinha e Exército, aqueles que comandam unidades do Exército e aqueles que mais recentemente tiveram suas aposentadorias nas Forças Armadas, de que não há intenção de dar suporte a um golpe autoritário do presidente Jair Bolsonaro. Tenho ouvido manifestações muito claras neste sentido. Portanto, não vejo neste momento, esta perspectiva.
Falando ainda de governo federal, São Paulo pede ao Ministério da Saúde homologação de leitos de UTI para receber verba do SUS, monitores, EPIs e medicamentos, mas não foi atendido. O senhor acredita que é deliberado o não- atendimento?
Eu espero que não. Eu mandei uma mensagem agora para o ministro Nelson Teich. Mencionei a necessidade do atendimento deste pleito de São Paulo. Foi feita uma reunião para isso. Nós aqui temos que ter uma visão republicana. Não é possível ter uma visão personalista, política, partidária e ideológica numa pandemia. Em qualquer circunstância, mesmo que não estivéssemos numa pandemia não pode ter uma relação com os órgãos federativos de ordem política, ela tem que ser institucional e constitucional.
O senhor acha que está sendo institucional e constitucional a relação?
Neste momento, não. Mas eu disse ao ministro quando fizemos a teleconferência, e que eu o cumprimentei pelo que tinha exposto nesta teleconferência de forma republicana. A conduta dele foi correta. Como também o cumprimentei pelo depoimento que fez diante do colapso em Manaus, pelo fato dele ter tomado corretamente a decisão de ir ao Amazonas. E pedi ao ministro que ele continuasse sendo republicano. Eu espero que ele seja com São Paulo.
Aqui vivem 46 milhões de brasileiros. São Paulo é o epicentro da crise do coronavírus, é o estado que tem o maior número de pessoas infectadas, o maior número de óbitos e o maior risco em todo o país. Seria um desastre para o ministro e a sua boa biografia como médico e alguém que construiu uma boa reputação na vida da medicina e na vida privada se ele virar as costas para São Paulo.
Não veio a ajuda do governo federal e também não veio o primeiro lote de 500 respiradores do total de 3.000 que São Paulo comprou da China. Há um plano para acelerar a vinda destes equipamentos? E como a situação atrapalha o enfrentamento à covid-19?
Dificulta. Respiradores hoje talvez representem o bem mais desejado no mundo. São 213 países no planeta que são vítimas de coronavírus. Não há medicamento e não há vacina. O respirador é o único meio que pode manter as pessoas em vida. Então, há uma disputa muito grande e as vezes, desleal neste mercado.
Os americanos chegaram a fazer intervenções em aviões de companhias americanas para impedir que levassem respiradores a outros países e encaminhassem aos Estados Unidos, que por sua vez deve ter remunerado os fabricantes.
E quais foram as bases do contrato com os chineses pelos respiradores?
A China tem 97% da produção dos respiradores. Foi lá que nós compramos estes 3.000. Pagamos 1.000 respiradores, esta era a condição: que fossem pagos antecipadamente, e que os demais, antes de serem embarcados, fossem pagos.
Mas não recebemos. Comuniquei inclusive ao embaixador da China em Brasília, hoje, a nossa preocupação. Porque, mesmo não tendo comprado de uma empresa estatal, é uma empresa chinesa. Ela tem que honrar o compromisso com o governo de São Paulo tendo em vista que nós honramos o compromisso pagando antecipadamente. Foram US$ 44 milhões [R$ 252 milhões] pelo conjunto de respiradores deste fabricante chinês.
Usamos uma trading americana que tem mais de cem anos de existência. Houve o cuidado de não pegar uma empresa recém-constituída para não incorrer em maior risco.
Há alguma sinalização de resolução do problema?
Esperamos que sim. Eu alertei o embaixador chinês, que sempre foi muito cordial e correto conosco, que seria absolutamente condenável que uma empresa chinesa procedesse desta maneira. Nós não estamos falando da compra de bens manufaturados e nem de commodities, estamos falando de respiradores que garantem vidas. Ele prometeu que vai tratar disto na segunda-feira.
E, além disso, autorizei ontem, a busca de uma empresa, fizemos a opção de compra de mais 1.400 respiradores na Turquia. Agora vamos para uma terceira alternativa que é a produção de respiradores em caráter experimental, mas que aparentemente funcionam para um atendimento básico e que foram desenvolvidos pela Universidade de São Paulo.
A situação das UTIs está se agravando. Há um plano B que seria requisição de leitos privados?
Sim. Este é o plano B: a requisição de leitos privados. Nós ainda não fizemos para não prejudicar a necessidade mais emergente dos hospitais municipais da capital de São Paulo e das outras prefeituras da Região Metropolitana, que é onde a demanda é maior. Mas na sequência, se não houver atendimento de leitos pelo governo federal, é o que nós vamos fazer também.
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