Topo

Doria: as pessoas ficarão em casa "porque a morte vai chegar mais perto"

João Doria (PSDB) usa máscara antes de entrevista ontem em SP - ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
João Doria (PSDB) usa máscara antes de entrevista ontem em SP Imagem: ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

09/05/2020 01h30

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acredita que a taxa de isolamento social finalmente vai crescer. Não pela conscientização ou pelo endurecimento das regras, mas "porque a morte vai chegar perto". Em entrevista exclusiva ao UOL ontem, ele avaliou que o pior da pandemia ainda está por vir e, com isso, mais pessoas terão um conhecido atingido pelo coronavírus.

E diante da gravidade da situação, Doria se diz preocupado com o desrespeito de mais da metade da população à quarentena e vê as "digitais" do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) — em quem o tucano afirma ter se arrependido de ter votado.

Na conversa, Doria também reclamou da postura do governo norte-americano e manifestou descontentamento com a compra de respiradores da China, pelas quais o estado pagou uma parcela, mas os equipamentos ainda não chegaram.

Leia os principais trechos da entrevista:

UOL- O senhor prorrogou a quarentena até o fim de maio. Existe uma expectativa de data para o afrouxamento do isolamento social?

João Doria - Não é adequado fazermos esta previsão. O que nós desejamos é que até 31 de maio a população responda de forma mais forte e mais solidária e fique em casa. E se você me perguntar se acredito que isso vai acontecer, mesmo sem acontecer até agora? Sim. E por quê? Não é apenas pelas medidas restritivas, pelos apelos e pelas campanhas. Mas porque a morte vai chegar mais perto.

Esse vai ser o grande fator que vai influenciar a decisão de as pessoas usarem as máscaras constantemente, terem mais cuidado com a sua própria higiene pessoal e a ficarem mais resguardadas.

Em 22 de abril, o governo abriu a perspectiva de retomada do comércio. Foi criada uma expectativa de voltar às ruas e a impressão de que a situação não era tão grave?

Não. Nós não anunciamos que faríamos, anunciamos que estávamos formando um grupo de trabalho para analisar formatos desde que a obediência ao isolamento fosse feita. Nós sempre consideramos o aspecto de que o isolamento seria entre 55% e 60%. Mas infelizmente, o isolamento foi sistematicamente abaixo da média desejada.

O que continua a influir são sinais contrários da presidência da República. Nós vivemos num regime presidencial e o volume de mídia que o presidente da República tem, naturalmente, é maior que a mídia dos governadores. Se o presidente não está usando máscara, vai na padaria, compra coxinha, tomar refrigerante, faz selfie, anda no calçadão, diz que vai fazer churrasco ou bater um futebol, tudo isso é uma mensagem contrária à mensagem da saúde, da medicina e da ciência.

Jair Bolsonaro passeia em uma padaria de Brasília em vídeo postado por Eduardo - Reprodução/Instagram/bolsonarosp - Reprodução/Instagram/bolsonarosp
O governador de São Paulo criticou a postura do presidente Bolsonaro frenta a covid-19
Imagem: Reprodução/Instagram/bolsonarosp

O presidente lhe decepcionou? O senhor se arrepende do apoio manifestado a Jair Bolsonaro nas eleições?

Sim. Eu tenho que reconhecer isso, eu não tenho compromisso com o erro. Eu não imaginava que o então candidato Jair Bolsonaro, com uma proposta econômica liberal, com convite feito ao Paulo Guedes, até então um economista respeitável do mercado [fosse agir assim]. Alguém que tinha convidado Sergio Moro, o homem que ajudou o Brasil através da Lava Jato, pudesse, em pouquíssimo tempo, subverter essa visão.

Ele não está cumprindo uma parte majoritária dos compromissos, conflagrando o país, exaltando a ditadura militar, hostilizando os meios de comunicação, banalizando a relação com a cultura no país, estabelecendo ataque a parceiros comerciais como Argentina, a China e a França.

Um conjunto de equívocos, de erros sucessivos que me fizeram rapidamente perceber que não era este o presidente em que eu gostaria de ter votado. Portanto, me arrependo do voto que dei.

O presidente Jair Bolsonaro briga na Justiça para não mostrar os laudos dos exames de covid-19 que fez. O senhor acredita que ele está escondendo alguma coisa?

Quem não deve não teme. Qual a razão de não mostrar o seu exame? Eu fiz três vezes e mostrei três vezes os meus testes para imprensa. Não há o que temer.

Se o presidente fez, por que não mostrar? Ao não mostrar, ao relutar, inclusive judicializar este processo, dá a nítida sensação de que ele, provavelmente fez, testou positivo e escondeu esta informação da opinião pública.

Houve manifestações pedindo ditadura com Bolsonaro no poder. O senhor considera satisfatórias as notas divulgadas pelo Ministério da Defesa de que não há intenção golpista das Forças Armadas?

Eu tenho tido informações de que os comandos militares, Aeronáutica, Marinha e Exército, aqueles que comandam unidades do Exército e aqueles que mais recentemente tiveram suas aposentadorias nas Forças Armadas, de que não há intenção de dar suporte a um golpe autoritário do presidente Jair Bolsonaro. Tenho ouvido manifestações muito claras neste sentido. Portanto, não vejo neste momento, esta perspectiva.

Ministro Nelson Teich - Foto: Joédson Alves/EFE - Foto: Joédson Alves/EFE
Doria disse que será uma desastre para reputação de Teich se o ministro não atender os pedidos de São Paulo
Imagem: Foto: Joédson Alves/EFE

Falando ainda de governo federal, São Paulo pede ao Ministério da Saúde homologação de leitos de UTI para receber verba do SUS, monitores, EPIs e medicamentos, mas não foi atendido. O senhor acredita que é deliberado o não- atendimento?

Eu espero que não. Eu mandei uma mensagem agora para o ministro Nelson Teich. Mencionei a necessidade do atendimento deste pleito de São Paulo. Foi feita uma reunião para isso. Nós aqui temos que ter uma visão republicana. Não é possível ter uma visão personalista, política, partidária e ideológica numa pandemia. Em qualquer circunstância, mesmo que não estivéssemos numa pandemia não pode ter uma relação com os órgãos federativos de ordem política, ela tem que ser institucional e constitucional.

O senhor acha que está sendo institucional e constitucional a relação?

Neste momento, não. Mas eu disse ao ministro quando fizemos a teleconferência, e que eu o cumprimentei pelo que tinha exposto nesta teleconferência de forma republicana. A conduta dele foi correta. Como também o cumprimentei pelo depoimento que fez diante do colapso em Manaus, pelo fato dele ter tomado corretamente a decisão de ir ao Amazonas. E pedi ao ministro que ele continuasse sendo republicano. Eu espero que ele seja com São Paulo.

Aqui vivem 46 milhões de brasileiros. São Paulo é o epicentro da crise do coronavírus, é o estado que tem o maior número de pessoas infectadas, o maior número de óbitos e o maior risco em todo o país. Seria um desastre para o ministro e a sua boa biografia como médico e alguém que construiu uma boa reputação na vida da medicina e na vida privada se ele virar as costas para São Paulo.

Não veio a ajuda do governo federal e também não veio o primeiro lote de 500 respiradores do total de 3.000 que São Paulo comprou da China. Há um plano para acelerar a vinda destes equipamentos? E como a situação atrapalha o enfrentamento à covid-19?

Dificulta. Respiradores hoje talvez representem o bem mais desejado no mundo. São 213 países no planeta que são vítimas de coronavírus. Não há medicamento e não há vacina. O respirador é o único meio que pode manter as pessoas em vida. Então, há uma disputa muito grande e as vezes, desleal neste mercado.

Os americanos chegaram a fazer intervenções em aviões de companhias americanas para impedir que levassem respiradores a outros países e encaminhassem aos Estados Unidos, que por sua vez deve ter remunerado os fabricantes.

Respirador - Reprodução - Reprodução
São Paulo tenta acelerar o recebimento de 3 mil respiradores que comprou da China e a entrega está atrasada
Imagem: Reprodução

E quais foram as bases do contrato com os chineses pelos respiradores?

A China tem 97% da produção dos respiradores. Foi lá que nós compramos estes 3.000. Pagamos 1.000 respiradores, esta era a condição: que fossem pagos antecipadamente, e que os demais, antes de serem embarcados, fossem pagos.

Mas não recebemos. Comuniquei inclusive ao embaixador da China em Brasília, hoje, a nossa preocupação. Porque, mesmo não tendo comprado de uma empresa estatal, é uma empresa chinesa. Ela tem que honrar o compromisso com o governo de São Paulo tendo em vista que nós honramos o compromisso pagando antecipadamente. Foram US$ 44 milhões [R$ 252 milhões] pelo conjunto de respiradores deste fabricante chinês.

Usamos uma trading americana que tem mais de cem anos de existência. Houve o cuidado de não pegar uma empresa recém-constituída para não incorrer em maior risco.

Há alguma sinalização de resolução do problema?

Esperamos que sim. Eu alertei o embaixador chinês, que sempre foi muito cordial e correto conosco, que seria absolutamente condenável que uma empresa chinesa procedesse desta maneira. Nós não estamos falando da compra de bens manufaturados e nem de commodities, estamos falando de respiradores que garantem vidas. Ele prometeu que vai tratar disto na segunda-feira.

E, além disso, autorizei ontem, a busca de uma empresa, fizemos a opção de compra de mais 1.400 respiradores na Turquia. Agora vamos para uma terceira alternativa que é a produção de respiradores em caráter experimental, mas que aparentemente funcionam para um atendimento básico e que foram desenvolvidos pela Universidade de São Paulo.

A situação das UTIs está se agravando. Há um plano B que seria requisição de leitos privados?

Sim. Este é o plano B: a requisição de leitos privados. Nós ainda não fizemos para não prejudicar a necessidade mais emergente dos hospitais municipais da capital de São Paulo e das outras prefeituras da Região Metropolitana, que é onde a demanda é maior. Mas na sequência, se não houver atendimento de leitos pelo governo federal, é o que nós vamos fazer também.