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SP: enquanto prefeitura lava ruas contra covid, crianças brincam na praça

Talyta Vespa e Ricardo Matsukawa

Do UOL, em São Paulo

10/05/2020 04h04

A subprefeitura de Casa Verde, na zona norte de São Paulo, está entre os distritos com mais óbitos pelo novo coronavírus: 146 pessoas já morreram por covid-19 na região. Ainda assim, a sensação de quem perambula por ali é de que não existe pandemia: de bares a bailes, aglomerações estão em todo lugar.

E é na corrida contra o tempo que os líderes comunitários desenvolvem as ações de prevenção. Enquanto realizava a lavagem de ruas e pontos de ônibus da comunidade de Sucupira, a supervisora da Assistência Social Rita de Cássia Silva alertava: "Vocês se lembram do meu tio, né? Ele morreu por causa da covid-19 depois de ter feito muito pela comunidade, então, por ele, por favor, fiquem em casa".

A higienização dos pontos comuns com água, sabão e água sanitária percorreu 500 metros e vai acontecer até o fim de maio. Enquanto andavam, Rita e outros sete assistentes cantarolavam um rap, que ecoava nas caixas de som: "Deixa eu passar um papo reto/Coronavírus está matando/Muitos por aí não estão acreditando/Não espere que ele bata na sua porta, mano/Proteja-se/Só saia de casa se for necessário".

Paramentados dos pés à cabeça, alguns dos funcionários da limpeza vestiam um macacão branco, galochas, máscaras e luvas; outros, só o uniforme alaranjado da prefeitura. A ação, entretanto, gerou aglomeração de pessoas —em sua maioria, desprotegidas.

Rita, à medida que encontrava moradores sem máscara, as entregava a eles. "A gente escolheu as vias que têm um fluxo maior de pessoas", explica. Além da higienização, os líderes têm distribuído cestas básicas e explicado, de casa em casa, a gravidade da situação.

Entre os moradores que espiavam a ação pelas grades dos portões, havia adultos e crianças cheios de dúvidas. Rita, pacientemente, explicava a mesma coisa que tem explicado todos os dias há dois meses. Desde que começou a quarentena em São Paulo, ela deixou o filho com a avó para que ficasse isolada em casa. "Estou exposta, sinto medo, mas é meu trabalho e eu não vou abrir mão dele".

Prevenção tardia

As medidas de prevenção vêm tarde, de acordo a líder comunitária e presidente do Instituto Brasileiro de Alianças Sócio Ambiental Cultural (iBRASAC) Glaucia Máximo. Em entrevista ao UOL, ela, que também é vice-presidente da Comissão Pró-Limão, assegura que as iniciativas deveriam ter começado junto com a quarentena, decretada pelo governador João Doria em março.

Tanto Rita como Glaucia relacionam o alto número de casos à falta de isolamento. O comércio está, quase em sua totalidade, aberto; nos fins de semana, Glaucia explica, o pancadão rola solto nas comunidades —os bares estão abertos e até bailes funk acontecem.

As crianças estão nos parquinhos, o fluxo está imenso. Parece que não tem pandemia. Só aqui onde eu moro, na Casa Verde, conheço dez pessoas que morreram por covid-19 ou com sintomas do vírus. A coisa está feia.
Glaucia Máximo, líder comunitária

O alto número de óbitos, de acordo com Glaucia, tem a ver com a habitação precária nas comunidades do distrito. Ela explica que, por ali, há "pessoas morando em condições insalubres". O UOL trouxe um levantamento realizado pela Rede Nossa São Paulo que aponta a desigualdade social como a principal causa de mortes pela covid-19.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, houve um aumento de 45% nas mortes nos 20 distritos mais pobres da cidade. Nos 20 mais ricos, o aumento foi de 36%.

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Imagem: Ricardo Matsukawa / UOL

Acesso difícil à saúde

Em março, a líder comunitária precisou ficar isolada, em casa, por duas semanas. Ela sentiu todos os sintomas do vírus e, ao procurar um pronto-socorro, não foi testada. "Meu quadro era leve, mas tenho graves problemas de saúde, como artrite reumatoide. Por isso, a médica me isolou. Moro com meus pais, então passei duas semanas no quarto. Senti dor de cabeça, uma febre alta que não passava de jeito nenhum, além de ficar trinta dias tossindo. Sorte que eu tenho condições para comprar um monte de remédio e xarope. Imagine quem não tem?", indaga. "Se uma pessoa que não tiver como se cuidar e se isolar sentir o que eu senti, não sobrevive".

Não há hospitais na subprefeitura de Casa Verde. O hospital geral da Vila Cachoeirinha, o UOL apurou, é o mais próximo do distrito. Hoje, a unidade tem 19 pacientes internados com covid-19. O diretor do hospital geral de Vila Penteado, em Brasilândia, também na zona norte, conta à reportagem que moradores do distrito também passam por lá quando têm sintomas de gripe. A unidade se tornou referência no tratamento à doença.

Nesta sexta-feira, reportagem do UOL revelou que há hospital na periferia paulistana com 100% de ocupação na UTI.

Fiscalização ao comércio

A respeito do comércio, "a Prefeitura de São Paulo, por meio da Subprefeitura Casa Verde/Cachoeirinha, informa que tem intensificado as ações de orientação aos comerciantes, seguindo as regras do decreto 59.298/20. Desde o início da operação, mais de 1.000 estabelecimentos foram visitados por esta administração, e desses, houve 33 interdições orientativas e um estabelecimento lacrado e multado por desobediência ao decreto".