Por que hospitais do RJ têm mais mortes de enfermeiros no país
Resumo da notícia
- Com 29 óbitos, os hospitais do Rio lideram a estatística no país
- Colapso pela falta de leitos agrava riscos enfrentados por profissionais de saúde
- Falta de EPIs e de capacitação estão entre as principais causas, dizem especialistas
- Profissionais em grupos de risco seguiram na linha de frente, diz Cofen
- Duas ações na Justiça obrigam Rio a oferecer melhores condições a funcionários
Os hospitais do Rio de Janeiro são os que registram mais mortes de enfermeiros e técnicos de enfermagem no país por covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Com 29 óbitos, o estado superou São Paulo, que tem 27 casos. Ao todo, o país acumula 112 mortes, incluindo casos confirmados e suspeitos, segundo informa o Cofen (Conselho Federal de Enfermagem).
O colapso pela falta de leitos agrava os riscos enfrentados por profissionais de saúde dos hospitais do Rio, que precisam recorrer à Justiça para garantir condições mínimas de trabalho. Para especialistas ouvidos pelo UOL, esse cenário somado à falta de EPIs (equipamentos de proteção individual), ao despreparo para adotar medidas de segurança e a um quadro de funcionários abaixo do esperado —o que empurra profissionais de grupos de risco para a linha de frente no combate à pandemia— leva o Rio a encabeçar o triste ranking.
A Justiça obrigou a prefeitura da capital fluminense a adotar medidas de prevenção em duas das maiores emergências do Rio, enquanto o MPT-RJ (Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro) abriu inquérito ontem (15) após um vídeo mostrar profissionais de enfermagem deitados em colchões no corredor do Hospital de Campanha do Maracanã, inaugurado há menos de uma semana.
Em três semanas, o número de enfermeiros e técnicos de enfermagem mortos no país mais que dobrou —ao todo, são 112 casos, um aumento de 138% em comparação a levantamento feito pelo UOL com base em dados do Cofen.
No Rio, os óbitos saltaram de 12 para 29, superando os casos de São Paulo, com 27. Pernambuco aparece em 3º lugar no ranking, com 17 mortes. O levantamento indica que uma em cada cinco mortes ocorreu em hospitais municipais do Rio.
Ao menos quatro dessas mortes foram de enfermeiros e técnicos de enfermagem que atuavam nos hospitais Lourenço Jorge e Souza Aguiar, duas das maiores emergências do Rio.
Entre esses registros, há a história do técnico de enfermagem Jorge Alexandre de Oliveira Andrade, morto no dia 13 de abril. Mesmo no grupo de risco em decorrência da diabetes, obesidade e hipertensão, ele trabalhou na área destinada a pacientes com sintomas de covid-19 do Lourenço Jorge até adoecer.
Manoel Neri, presidente do Cofen, diz acreditar que a história de Jorge retrate o cenário de escassez de profissionais e crise na saúde pública do Rio.
Isso pode mostrar uma certa desorganização. O sistema de saúde do Rio de Janeiro já vem em crise num período muito anterior à pandemia. São questões estruturais que agravam o colapso nesse período
Manoel Neri, presidente do Cofen
Afastamentos de profissionais e ações na Justiça
Por trás dos números, há um processo de judicialização do sistema de saúde, em especial no Rio. A Justiça determinou que a prefeitura da capital adote uma série de medidas de proteção aos profissionais de saúde na linha de frente de dois dos maiores hospitais da rede pública.
Liminar expedida na última terça-feira (12) pela juíza Danusa Berta Malfatti obriga o poder público a repor o quadro de empregados, adquirir medicamentos necessários aos profissionais de saúde com covid-19 e fornecer testagem aos funcionários do Souza Aguiar, no centro do Rio, a maior emergência do estado.
A ação civil pública movida pelo MPT-RJ também exige que o município faça a separação do fluxo de pacientes com o vírus, reponha EPIs e ofereça capacitação técnica aos profissionais de saúde.
No início da pandemia, os hospitais não estavam preparados para oferecer os equipamentos de proteção individual aos profissionais de saúde. Agora, há dificuldade em receber os materiais adequados. O problema mais grave é a falta de treinamento e capacitação para que os profissionais de saúde possam ter a correta dimensão dos riscos que estão correndo
Juliane Mombelli, procuradora do MPT-RJ
Na semana passada, a Justiça do Rio adotou medida semelhante no Hospital Lourenço Jorge, na Barra, zona oeste do Rio, após a denúncia de falta de médico no "covidário", ala destinada ao tratamento de pessoas com sintomas da doença. O caso veio à tona quando uma enfermeira decidiu registrar ocorrências na Polícia Civil e no MPT-RJ após a morte de um paciente.
Ontem (14), o MPT-RJ abriu investigação para apurar denúncia de más condições de trabalho no Hospital de Campanha do Maracanã, na zona norte do Rio, inaugurada há apenas uma semana. Técnicos de enfermagem e enfermeiros foram gravados dormindo em colchões no chão.
"Um alojamento desse tipo ainda pode facilitar a propagação do vírus entre os profissionais de saúde. O nosso desafio é lidar com esse tipo de situação para que o governo ofereça uma garantia mínima de trabalho e de saúde aos profissionais", argumenta a procuradora Juliane Mombelli.
A (SES) Secretaria de Estado de Saúde afirma que a situação é inadmissível e que enviou uma equipe de inspeção ao local. "A SES ordenará para que qualquer inadequação seja resolvida imediatamente", disse a pasta.
Para Manoel Neri, presidente do Cofen, a interferência do Judiciário pode ajudar a minimizar os efeitos da pandemia nos profissionais de saúde. "A judicialização da saúde tem ocorrido na maioria dos estados. É preciso que sejam feitas ações de testagem em massa dos profissionais de saúde para evitar a transmissão dentro das unidades de saúde", defende.
O infectologista Edimilson Migowski cita ainda a precariedade no atendimento em meio a plantões excessivos e falta de equipamento de proteção adequado como fatores que acabaram aumentando a transmissão entre aqueles que estão na linha de frente dos hospitais.
"Falta treinamento. E são profissionais que estão virando noites nos hospitais, com cargas horárias excessivas em unidades menos estruturadas. Isso acaba comprometendo a capacidade de proteção", argumenta.
O que dizem a prefeitura e o governo do RJ
Questionada pelo UOL sobre as ações na Justiça nos hospitais Souza Aguiar e Lourenço Jorge, a Prefeitura do Rio disse ter recebido 1 milhão de EPIs —entre máscaras, luvas, capotes e óculos. Segundo a administração municipal, o equipamento chegou na terça ao Rio e será distribuído entre as unidades da rede.
"É importante destacar que os hospitais já dispõem de EPIs e que a Prefeitura não tem medido esforços para abastecer e repor estes equipamentos, uma vez que a proteção dos profissionais de saúde do município é prioridade", disse, em nota.
Em relação à testagem de profissionais, a Secretaria Municipal de Saúde disse ter implantado dez postos para profissionais com sintomas do vírus.
Procurada, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) informa ter ampliado os testes rápidos para profissionais de saúde. Segundo a pasta, 2.500 funcionários foram testados desde a semana passada. A SES também diz já ter distribuído máscaras, óculos de proteção e outros equipamentos de proteção.
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