Defendido pela Saúde, lockdown é questão de tempo em São Paulo
Resumo da notícia
- O Centro de Contingência ao Coronavírus manifestou que entende ser necessário aumentar as restrições à circulação na Grande São Paulo
- O assunto é tratado pelo prefeito Bruno Covas e o governador João Doria, mas a possibilidade de anúncio nesta sexta é pequena
- O entendimento da prefeitura é de que a ideia vai amadurecer ao longo do tempo e a crise do coronavírus vai impor o lockdown
- Já há declarações sugerindo o estudo da medida. O coordenador do Centro de Contingência disse estar reunindo critérios para considerar a medida
- Sem dar mais detalhes, Doria disse ontem que não está descartada a hipótese de lockdown
O Centro de Contingência ao Coronavírus em São Paulo já manifestou duas vezes ao governo do estado a necessidade de medidas para aumentar a restrição sobre a circulação de pessoas na região metropolitana da capital. A ponderação foi feita em duas reuniões com autoridades estaduais, uma realizada ontem e outra na quarta-feira.
Diante do alerta, o prefeito da capital, Bruno Covas (PSDB), e o governador do estado, João Doria (PSDB), iniciaram conversas sobre a possibilidade de lockdown na cidade de São Paulo.
A chance de a medida ser anunciada na entrevista coletiva de hoje é considerada remota. Mas pessoas ligadas ao Palácio dos Bandeirantes afirmam que o tema não vai esfriar e será assunto entre os governos do município e do estado no final de semana. O mesmo pensamento existe na prefeitura, e o raciocínio é que a decisão vai amadurecer no começo da próxima semana.
A avaliação que o município faz é de que no momento falta unanimidade no Palácio dos Bandeirantes. O entendimento é de que o coordenador do Centro de Contingência, Dimas Covas, estaria convencido sobre a necessidade de lockdown na região metropolitana, mas não haveria consenso entre todos os setores do governo estadual. Existiria ainda pressão de empresários sobre o governador, porém, esse problema é considerado menor. O pensamento que predomina é de que a realidade vai se impor e o anúncio é questão de tempo.
Lockdown terá custo político
Outra questão a ser tratada é sobre quem vai puxar a frente no aumento das restrições de circulação. O estado estaria disposto a liberar as cidades para adotar as providências que julgarem necessárias e atuaria para garantir o cumprimento da determinação. Um exemplo seria o município de São Paulo determinar lockdown, e a Polícia Militar fazer a fiscalização.
Mas a prefeitura da capital entende o inverso. Argumenta que é preciso ser uma medida capitaneada pelo governo estadual, garantindo, assim, a adesão de todos os municípios. A visão é que, do ponto de vista sanitário, seria ineficaz fechar tudo na cidade e, a poucas quadras, em municípios vizinhos, o comércio continuar funcionando.
Aumentar a restrição sobre a circulação de pessoas vai trazer custo político, porque nem toda a população será favorável a ficar em casa obrigatoriamente. Eleitores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já manifestaram contrariedade com a quarentena. Eles não são os únicos. Tanto que os bloqueios de vias e o rodízio ampliado de veículos, que tirou quase metade da frota das ruas paulistanas, não funcionaram e receberam críticas de moradores da capital.
A possibilidade de lockdown na região metropolitana também encontra resistência em duas cidades do ABC: os prefeitos de São Bernardo do Campo e Santo André entendem que a medida não é necessária em suas cidades.
Apesar de problemas a serem contornados, o entendimento da prefeitura de São Paulo é de que a crise de saúde é uma emergência que precisa de resposta e a possibilidade de decretar lockdown entrou na rotina das autoridades da cidade. O assunto já foi tratado com o Ministério Público e é tão comum nas conversas quanto o monitoramento de casos de covid-19, o isolamento social e a ocupação dos leitos de UTI (unidade de terapia intensiva).
Por meio de nota oficial, a assessoria de imprensa da prefeitura afirmou que a administração da cidade se guia por determinações científicas. "A prefeitura de São Paulo segue as orientações das autoridades de Saúde e monitora diariamente dados oficiais que servem de indicativo sobre a pandemia, entre os quais a evolução da contaminação e ocupação de leitos de UTI na cidade de São Paulo."
Grande SP perto de critérios internacionais de lockdown
Na entrevista coletiva com autoridades de saúde ontem, o coordenador do Centro de Contingência ao Coronavírus, Dimas Covas, citou os parâmetros internacionais para decretar o "tranca rua", como se referiu ao lockdown. Ele explicou que a medida é necessária quando a taxa de transmissão é igual ou superior a um, ou seja, cada paciente de covid-19 transmite o novo coronavírus para uma outra pessoa ou mais. Outro critério é as UTIs atingirem 90% de ocupação.
Estudo do Centro de Contingência divulgado na semana passada mostrou que, quando o isolamento social era de 55%, porcentagem que não é atingida desde 3 de maio, cada pessoa infectada com covid-19 transmitia para 1,6 indivíduo no estado.
A ocupação das UTIs na Grande São Paulo está em 87%. Além do número alto, a situação preocupa porque leitos foram abertos e não resultaram em queda na ocupação das vagas de terapia intensiva.
Questionada sobre a possibilidade de decretar medidas mais restritivas de circulação, a Secretária de Comunicação do governo informou que valiam as declarações do coordenador do Centro de Contingência na entrevista coletiva. Durante a tarde de ontem, o governador João Doria afirmou que não descarta o lockdown.
Implementação do lockdown pode levar tempo
Caso seja entendido que é mesmo preciso decretar a medida, sua implementação pode levar tempo. Ela exige uma mudança muito grande na vida das pessoas, que precisam se adequar a regras a serem comunicadas e compreendidas. Por esses motivos, há pessoas do governo estadual que não enxergam o aumento na restrição de circulação ocorrendo no curto prazo.
Outra complicação seria como fiscalizar a aplicação da restrição à circulação. As cidades não têm efetivo numeroso nas guardas municipais, caso sejam elas a capitanear a iniciativa. Mas o governador teria garantido apoio empregando a Polícia Militar.
Em relação às alegações de que a tropa se recusaria a seguir as ordens, o governo não trabalha com essa possibilidade. A avaliação é de que a hierarquia e a disciplina, princípios da PM, são bem enraizadas na corporação. A leitura é de que não passam de boatos plantados por partidários do presidente Bolsonaro para tumultuar o ambiente.
Parte dos prefeitos do ABC não concorda com lockdown
A adesão dos prefeitos da Grande São Paulo seria importante, mas ao menos na região do ABC o assunto não é unanimidade.
O prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB), entende que não há necessidade de lockdown na cidade que administra. Explicou que já inaugurara um hospital há algumas semanas e ontem foi aberto outro. Ele ressaltou que essa nova unidade de saúde será exclusiva para tratamento da covid-19, neste primeiro momento, e conta com 250 leitos — sendo 80 de UTI.
Também tucano, Paulo Serra, prefeito de Santo André, disse que, por ora, o lockdown não é necessário em seu município. "Não dá para falar em tranquilidade. O que dá para falar é que está sendo monitorado — todo andreense tem atendimento hoje, nossa capacidade é bastante satisfatória", declarou.
Ainda assim, Serra diz que "Santo André não é uma ilha" e que, caso necessário, a cidade participará de decisões coletivas para a região, como um lockdown.
José Auricchio Júnior (PSDB), prefeito de São Caetano do Sul e médico de formação, é o único a defender o lockdown imediatamente. "Aplicaria o quanto antes. Sei que é duro, é drástico, mas temos que ter a clareza de que a epidemia está em ascensão e sem previsão de melhora", argumentou.
O prefeito de São Caetano ponderou que sua cidade apresenta os menores índices de isolamento da região. "É péssimo. Eu sei que não vou atingir indicadores bons tão rapidamente se ficar nessa inércia da quarentena, até porque as pessoas vão fadigando", disse, citando o patamar mínimo de 55% de isolamento social defendido por epidemiologistas.
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