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Rodízio de Covas gera efeitos colaterais e não aumenta isolamento em SP

Movimento de veículos na Radial Leste, no Tatuapé, na zona leste da cidade de São Paulo, apesar do rodízio ampliado - Paulos Lopes/BW Press/ Estadão Conteúdo
Movimento de veículos na Radial Leste, no Tatuapé, na zona leste da cidade de São Paulo, apesar do rodízio ampliado Imagem: Paulos Lopes/BW Press/ Estadão Conteúdo

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

14/05/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Mesmo com o rodízio ampliado de carros, a cidade de São Paulo não elevou a adesão ao isolamento social para os 55% desejados
  • As medidas no trânsito têm provocado efeitos colaterais que jogam contra as próprias intenções do prefeito Bruno Covas (PSDB)
  • A estratégia da prefeitura foi criticada por pesquisadores, que enxergam um viés elitista e ineficaz na restrição de veículos
  • Outro reflexo negativo foi a judicialização, com ações contestando o rodízio na Justiça
  • A prefeitura afirma que o rodízio emergencial resultou em 1,5 milhão de veículos a menos circulando na capital na segunda-feira

As medidas de trânsito implementadas pela prefeitura de São Paulo não surtiram o resultado desejado pelas autoridades, ao menos por enquanto, em relação ao isolamento social da população. Além disso, provocaram efeitos colaterais que jogam contra as próprias intenções do prefeito Bruno Covas (PSDB).

Trens, Metrô e ônibus lotados, além do atraso de serviços fundamentais durante a pandemia da covid-19 — no dia 5, uma ambulância ficou presa no trânsito por conta do bloqueio de ruas, conforme reportou o UOL —, foram alguns dos reflexos das normas aplicadas pela gestão de Covas.

A ineficácia das políticas adotadas pode ser traduzida no índice de isolamento do estado e da capital, compilado pelo próprio governo estadual. No dia 11 de maio, quando passaram a vigorar as novas regras de rodízio de veículos (agora os carros podem circular dia sim, dia não, conforme o número final da placa), o índice de isolamento ficou em 49%. Anteontem, a cidade registrou uma taxa de 48,4%. A meta é atingir 55% de isolamento social.

A medida foi criticada por pesquisadores, que enxergam um viés elitista e ineficaz na restrição de veículos. Outro reflexo negativo foi a judicialização, com ações contestando o rodízio na Justiça.

"As medidas adotadas pela prefeitura têm um recorte da classe média paulista, que mora no centro expandido e tem condição de se isolar, de não depender do transporte público. Políticas como o mega rodízio entendem a cidade que é muito complexa de uma forma única, achatada como se a população tivesse as mesmas condições e o mesmo modo de vida. Isso é uma falácia", argumenta o doutorando em Planejamento e Gestão do Território na UFABC (Universidade Federal do ABC), Aluizio Marino.

Políticas públicas além dos carros

O arquiteto e professor da USP Nabil Bonduki cita, como opção de política pública que não priorize o deslocamento por carros, a tentativa de melhorar o déficit habitacional da cidade, utilizando estruturas que estão ociosas. Além da maior concentração nos domicílios dos mais pobres, ele fala sobre as "famílias conviventes", grupos diferentes que habitam a mesma residência por conta da falta de moradia.

"Muitos não querem ficar em casa porque não aguentam, é muita gente junta. São milhares de moradias com mais de cinco pessoas em São Paulo. A rede hoteleira e aplicativos com o Airbnb estão totalmente subutilizados. Temos espaço sobrando e, ao mesmo tempo, gente que não tem onde morar."

Bonduki também reprova o rodízio de veículos. "Quando você restringe o uso do automóvel, as pessoas passam a se aglomerar no transporte coletivo, que é um foco muito grande de contaminação. Tem gente se deslocando [de carro] sem nenhuma necessidade, e isso tem de ser combatido, mas eu não vejo muito sentido no rodízio aplicado dessa forma."

Contestação na Justiça

O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) se mostrou favorável à suspensão do novo rodízio, mas a juíza Celina Kiyomi Toyoshima, do TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), decidiu manter a restrição, alegando que não há inconstitucionalidade no decreto de Covas. Por isso, não cabe ao Judiciário "se imiscuir [intrometer] nas diversas medidas que estão sendo adotadas pelo Poder Público".

Em abril, outro fator influenciou a queda do isolamento em todo o estado. No dia 22, o governador João Doria flertou com uma reabertura dos comércios, mesmo com a ascendente de casos e mortes pelo novo coronavírus. Naquela semana, após resultados relativamente positivos no feriado de Tiradentes, houve três dias consecutivos com isolamento em 48%.

O governador voltou atrás poucos dias depois. Hoje condiciona qualquer perspectiva de volta das atividades a índices de isolamento maiores e taxas de ocupação em leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) menores que as atuais.

Periferia mais afetada

O novo coronavírus chegou ao país por meio das classes altas, mas hoje afeta os pobres e os bairros periféricos da capital paulista. O rodízio adotado por Covas, conforme estudiosos ouvidos pela reportagem, prejudica os trabalhadores que têm de utilizar o transporte público diariamente.

No dia 11, primeiro do novo rodízio, houve menos carros nas ruas, e mais gente no Metrô e trem. Em estações costumeiramente cheias como Sé e Brás, no centro da cidade, a impressão era de normalidade, com vagões e gradeados cheios, conforme presenciou a reportagem do UOL.

A movimentação do vírus para a periferia modificou a faixa etária de quem está morrendo pela covid-19. Entre 11 de abril e 11 de maio, o número de mortes entre pessoas com menos de 60 anos subiu mais do que os óbitos entre os idosos.

"Se pegarmos as pessoas das classes médias e altas, elas moram em regiões que muitas vezes não precisam dos carros, ou têm dois carros na garagem, e o rodízio não impacta em nada. Já o morador da periferia que muitas vezes trabalha em um serviço essencial, não necessariamente em saúde, vai ser muito prejudicado, vai ter que procurar o transporte público, e isso acarreta em mais aglomerações", diz o pesquisador Marino.

Mais do que o Estado ficar investindo em sistema de monitoramento e em uma lógica punitivista para que as pessoas não circulem e se isolem, deveria existir um esforço para entender o porquê de as pessoas não se isolarem. Isso só pode ser feito em articulação com grupos locais, com quem conhece os territórios da cidade. Poderíamos entender muito melhor quais famílias são mais vulneráveis e de que forma poderíamos atuar para dar condição para as pessoas se isolarem"
Aluízio Marino, pesquisador da UFABC

1,5 milhão de carros a menos nas ruas, diz prefeitura

Em nota, a prefeitura afirma que "o rodízio emergencial, adotado por indicação dos especialistas da área de saúde, resultou em 1,5 milhão de veículos a menos circulando na capital na segunda-feira (11)" e que a medida ajuda "a cidade a atingir índices entre 55% e 60%, marca fundamental para a curva de casos de covid-19 ficar achatada e garantir que o sistema de saúde possa prestar o atendimento à população".

Uma semana antes, no dia 4, a prefeitura aplicou bloqueios de trânsito em avenidas da capital paulista. A ideia era provocar congestionamento, com o objetivo de aumentar a taxa de isolamento social. Nos dias em que o bloqueio foi aplicado, o isolamento, todavia, ficou abaixo dos 50%. Em 6 de maio, Covas suspendeu as interdições e afirmou que apenas "blitzes educativas" seriam realizadas, bloqueando de forma parcial algumas vias da cidade entre 7h e 9h.

Já o governador João Doria declarou ontem, em entrevista coletiva, que sua "relação de confiança" com Covas segue intacta e que prefere que a prefeitura se manifeste em relação ao chamado rodízio emergencial.

Desde o começo da pandemia do novo coronavírus, o governo do estado tem explicado que a porcentagem ideal de isolamento social para controlar a escalada do vírus é de 70%. Os números mais altos, no entanto, ficaram em 59% — no dia 3 de maio no estado e no dia 5 de abril na capital. Os números baixos elevam a possibilidade de a cidade adotar o lockdown — restrição mais radical na circulação de pessoas e que já vigora em outros locais do país