Prefeitura do Rio recua após críticas a 'sumiço' de mortes por covid-19
Resumo da notícia
- Prefeitura do Rio diz que passou a contabilizar casos nos cemitérios
- Mortes nos bairros da capital voltaram ao sistema após uma semana
- Pesquisadores criticam medida e se queixam da falta de transparência
- "Não podemos ter apagão de informações", critica presidente da Abrasco
Após uma semana de "apagão de dados de óbitos" e "sumiço" de mais de mil mortes por covid-19 das estatísticas, a Prefeitura do Rio voltou a divulgar as informações na noite de ontem. A mudança na contagem gerou divergência em relação aos números do governo fluminense, suspeitas de subnotificação e críticas de especialistas.
Agora, apesar de manter a nova metodologia —que afere somente mortes em cemitérios da cidade e que foram confirmadas para coronavírus—, a gestão de Marcelo Crivella voltou a divulgar levantamento de óbitos atribuído ao Ministério da Saúde, com base em dados do governo estadual. A mudança metodológica ocorreu pouco mais de uma semana após encontro entre Jair Bolsonaro (sem partido) e o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), em Brasília.
Na saída da reunião com o presidente, Crivella falou sobre reabertura gradual da economia e disse que a curva de contágio estava diminuindo —o que não foi verificado. Apesar da declaração, o prefeito manteve na segunda-feira (25) o isolamento social por mais uma semana, mas liberou o funcionamento de templos e igrejas.
Na noite de ontem (27), o painel Rio Covid, mantido pela Secretaria Municipal de Saúde, contabilizava 1.855 mortes. Após críticas e uma semana de "apagão", a plataforma também voltou a divulgar os óbitos por bairro. Os dados do governo estadual, que servem de base para o Ministério da Saúde, apontam para 3.135 mortes na capital fluminense e também voltaram à plataforma da prefeitura, que agora registra dois números diferentes.
A diferença se explica porque a prefeitura passou a contabilizar óbitos apenas nos cemitérios de casos confirmados de coronavírus. Já o governo do estado faz os registros com base em dados dos cartórios, levando em consideração também mortes suspeitas, como por síndrome respiratória aguda grave.
A pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz e membro de um grupo de especialistas responsáveis pela consultoria ao governo do Rio no combate à pandemia, diz que os dados no estado somam mortes suspeitas por síndrome respiratória aguda grave porque entre 15 de março e 2 de maio foi verificado aumento de 70% desse tipo de óbito, indício de subnotificação.
Temos um problema, que é a baixa testagem e só em quem é internado. Ainda há os óbitos nas residências, que também carecem de explicação. Podemos atribuir que o aumento das mortes registradas nos cartórios por síndrome respiratória aguda grave está relacionado à covid-19. E dizemos isso sem medo de errar
Margareth Dalcolmo, pneumologista da Fiocruz
A pesquisadora criticou a decisão da Prefeitura do Rio de modificar o método de coleta de informações relacionadas à pandemia. E, ao ser questionada, relacionou a queda no número divulgado pelo poder público na terça-feira (26) com manifestações de Crivella sobre afrouxamento da quarentena.
"É grave. Cientificamente, não acredito em coincidências. É preocupante quando o prefeito fala que vai abrir igrejas e cultos e toma essa medida arbitrária e temerária. Qual a justificativa metodológica?
Margareth Dalcolmo, pneumologista da Fiocruz
Medo de "apagão de informações"
A pesquisadora Gulnar Azevedo e Silva, professora de epidemiologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), também criticou a mudança das regras em meio à pandemia.
Segundo ela, esse tipo de conduta impede até mesmo uma análise precisa sobre o avanço do vírus. A especialista diz ainda que seria necessário ter mais testes para a covid-19 com resultados rápidos, para minimizar a subnotificação de casos.
O mais importante é chegar a um dado mais próximo do real, com testes para diagnósticos de óbitos e casos suspeitos. E, se a gente está mudando as regras, é preciso que elas sejam claras, para permitir uma comparação. Não podemos ter um apagão de informações
Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Abrasco
Gulnar vê como preocupante a divergência de dados entre governo do estado e Prefeitura do Rio. "A política da transparência é crucial para interpretar como está a expansão da pandemia. O painel simplesmente desapareceu para óbitos nos bairros do Rio. Os dados municipais e estaduais precisam falar a mesma língua", analisa.
A sensação é que está havendo um deslocamento da epidemia. Mas como vamos propor medidas de afrouxamento se o dado está defasado?
São Paulo chegou a registrar mortes suspeitas
O Ministério da Saúde e a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgam casos e óbitos confirmados. Procurado, o governo federal disse que os dados podem ser confirmados por critério laboratorial ou clínico-epidemiológico.
Neste último caso, o registro é feito mesmo sem a comprovação, desde que sejam observados indícios, como histórico na família ou na área de convívio do caso suspeito.
A cidade de São Paulo, logo no começo da pandemia, chegou a computar as mortes suspeitas em seu boletim. Mas mudou o critério e passou a divulgar as mortes confirmadas e em investigação separadamente, sob a alegação de que consegue assim montar uma estratégia sanitária mais eficiente.
O que dizem a prefeitura e o governo do RJ
Em nota, a SMS (Secretaria Municipal de Saúde) disse que o painel Rio Covid passa por alterações desde a sua implantação, "para tornar a informação mais transparente".
"A inclusão dos dados de sepultamentos por covid-19 na plataforma também teve o objetivo de tornar mais ágil o acompanhamento das mortes pela doença —-o grupo populacional analisado é o mesmo", escreveu a pasta, em nota.
Procurada pelo UOL, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) disse estar em contato com a Prefeitura do Rio para entender os novos procedimentos de contagem e notificação de óbitos feitas pelo município. Mas ainda não obteve resposta.
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