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Princípio ativo de remédio em teste é usado em tratamento alternativo

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

31/05/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Nitazoxanida foi usado em 250 pacientes, diz grupo de médicos
  • Segundo levantamento, 20 vidas foram salvas com tratamento alternativo
  • Princípio ativo está sendo testado para remédio próprio para covid
  • Pesquisador contesta prescrição sem indicação em bula

Mãe e filha, a empresária Katia Montalvão Bronzo e a estudante Giovanna Belisário Bronzo da Costa sofreram com dores nas costas e cansaço. O médico Hélio Fernando de Abreu teve desconforto na garganta e gripe. Eles fizeram parte de um grupo de 250 pessoas submetidas a um tratamento alternativo precoce com resultados positivos para covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

O grupo foi medicado com um remédio com o princípio ativo nitazoxanida, sem prescrição em bula para o vírus, nas primeiras 48 horas após apresentar sintomas. Em todos esses casos, o medicamento foi indicado em acordo com o paciente.

Segundo levantamento feito por mais de dez médicos, a conduta evitou que mais de 40 pacientes evoluíssem para insuficiência respiratória e salvou ao menos 20 vidas.

Nitazoxanida é a mesma molécula que está em testes com liberação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a criação de um medicamento para combater o vírus, com outra composição. E é o mesmo já citado por Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia, que também está em análise pelo governo federal.

O medicamento, um vermífugo conhecido comercialmente como Annita, já foi usado com sucesso em pessoas com influenza, ebola e outros vírus respiratórios. Nas últimas semanas, passou a ser prescrito por médicos brasileiros para pacientes com sintomas e sinais mais frequentes de covid-19 com tratamento mínimo de seis dias.

A iniciativa vem sendo conduzida há dois meses pelo infectologista Edimilson Migowski, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com o apoio de médicos em atuação no Rio e em São Paulo.

É um medicamento que não está licenciado para tratar a covid. Mas há testes in vitro com doses mais altas que indicam que é [um remédio] seguro e eficiente. Isso nos motivou a ousar e a adotar esse tipo de tratamento alternativo

Edimilson Migowski, infectologista

O pediatra José Luiz de Lima, que tem uma clínica particular em Ourinhos (SP), próximo à divisa com o Paraná, diz já ter atendido ao menos 40 pacientes com base no tratamento alternativo.

"Costumo atender os pacientes pelo WhatsApp mesmo. São pessoas do grupo de risco, como fumantes, obesos e idosos. Nenhum deles teve complicações ou precisou de internação, porque foram atendidos precocemente", diz.

Atendimento até para gestantes

Por indicação de Migowski, o ginecologista Arthur Monteiro Bastos passou a indicar o medicamento para gestantes em seu consultório no Largo do Machado, na zona sul do Rio, há duas semanas. Os resultados foram satisfatórios, segundo ele.

"Em alguns casos, indiquei o medicamento antes de ter o resultado do exame para covid. O segredo do sucesso desse tratamento é o início precoce. Gestantes fazem parte do grupo de risco. É preciso ter atenção", explica.

Só 2 internações após uso do remédio

Segundo o levantamento feito pelos médicos, apenas dois dos 250 pacientes medicados foram hospitalizados —um menino de 6 anos, com trombose renal, e um senhor de 58 anos, que teve febre.

Dor abdominal é o sintoma colateral mais grave descrito em bula. Mas, segundo Migowski, pode ser minimizado se o paciente ingerir o medicamento com alimentos.

O tratamento também deve ser adotado a partir da próxima semana em Volta Redonda e Itatiaia, no interior do Rio, em parceria entre pesquisadores da UFRJ e médicos nesses municípios.

Pacientes relatam bons resultados

No começo do mês, o marido da empresária Katia Montalvão Bronzo, 54, foi diagnosticado com covid-19. Dois dias depois, ela passou a sentir dores nas costas e febre. Em seguida, foi a vez da filha, a estudante Giovanna Belisário Bronzo da Costa, 22, sentir os mesmos sintomas.

29.mai.2020 - Katia e Giovanna Bronzo, mãe e filha, fizeram tratamento alternativo precoce com indicação médica dentro de casa para tratar a covid-19. Remédio usado tem o mesmo princípio ativo que está em teste para criar medicamento para tratar o vírus - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
29.mai.2020 - Katia e Giovanna Bronzo, mãe e filha, fizeram tratamento alternativo precoce com indicação médica dentro de casa para tratar a covid-19. Remédio usado tem o mesmo princípio ativo que está em teste para criar medicamento para tratar o vírus
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

"O vírus é desconhecido. E o desconhecido é assustador. Você vai dormir e não sabe como vai acordar no dia seguinte. É uma doença com 2.000 faces", lembra Katia. "No começo, eu sentia dor de garganta, muito cansaço e uma dor nas costas que não era normal", completa Giovanna.

Mãe e filha começaram a tomar o medicamento. E, seis dias depois, os sintomas desapareceram. "Nos primeiros dias, senti um pouco de incômodo no estômago. Mas logo percebi que o remédio fez efeito e os sintomas foram desaparecendo", relata Giovanna.

Há duas semanas, o médico Hélio Fernando de Abreu, 58, começou a sentir desconforto na garganta, dor nas articulações e fraqueza. Após uma consulta online com o infectologista Edimilson Migowski, passou a tomar o medicamento.

"Eu não conseguia sair do quarto e ir para a sala, de tanta dor que sentia. Aí, ingeri uma dose do medicamento específica para a covid. No quinto dia de tratamento, não sentia mais nada", conta.

"Não sabemos se a droga é segura", diz médico

Mas o tratamento alternativo também gera contestações, já que não é indicado em bula. O médico Vinicius Blum, responsável pela área médica da Farmoquímica, empresa que desenvolve um remédio próprio para covid-19 autorizado pela Anvisa com base no mesmo princípio ativo, é contrário a esse tipo de indicação.

Não sabemos se a droga é segura. Tiveram essa mesma postura com a cloroquina e deu no que deu. Hoje, sabemos que a droga funciona in vitro. Nós recebemos relatos de profissionais que estão assumindo o risco e usando a droga porque acreditam que ela funciona e que é segura. Mas eu prefiro ser mais conservador

Vinicius Blum, médico da Farmoquímica, que desenvolve remédio para covid

Blum diz acreditar que o vírus é imprevisível. E, por isso, necessita de um medicamento com indicação em bula.

"Evidência científica se constrói todos os dias. Com a covid, a opinião de hoje pode mudar amanhã. Não tenho dúvida de que a molécula funciona contra a covid. Mas prefiro fazer estudos de prova e de conceito antes de tomar qualquer medida. O teste serve para comprovar que o remédio é eficaz, dentro de um protocolo regulado. Ainda estamos conhecendo o doente de covid", argumenta.

Segundo ele, o cenário ainda é desconhecido. E, por isso, é preciso ter cautela.

"Não condeno médicos que assumem a responsabilidade e oferecem tratamento em comum acordo com os pacientes. Mas estamos entrando em um terreno desconhecido ainda. E o novo medicamento tem uma dosagem maior. Nós precisamos adquirir mais conhecimento."