Topo

DF reabre e quer 'sossego', mas gera falsa sensação ao mudar dados de covid

Ativistas montam cruzes em memória das pessoas que morreram pela covid e contra o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília - ADRIANO MACHADO/REUTERS
Ativistas montam cruzes em memória das pessoas que morreram pela covid e contra o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília Imagem: ADRIANO MACHADO/REUTERS

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

19/08/2020 21h04

O Distrito Federal anunciou hoje uma mudança na divulgação dos óbitos causados pela covid-19, enquanto enfrenta um crescimento progressivo do número de mortes. A medida pode gerar uma percepção falsa sobre a atual situação dos casos em meio à reabertura, criticou uma epidemiologista ouvida pelo UOL.

De acordo com o anúncio feito pela Secretaria de Saúde hoje, serão divulgados apenas os números de óbitos registrados nas últimas 24 horas. Até a última terça, os dados apresentados se referiam às confirmações de mortes por covid, com diagnósticos retroativos.

O secretário Francisco Araújo argumentou que esta metodologia deixava a população "desassossegada". "O que é divulgado amplamente é o somatório [de mortes]. O óbito acontece nos cinco dias passados, e só conseguimos computar dias depois", disse.

Nós vamos fugir dessa metodologia que o país inteiro está usando porque ela não está funcionando
Francisco Araújo, secretário de Saúde do Distrito Federal

Para a epidemiologista Dandara Ramos, professora do ISC-UFBA (Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia), esta mudança pode causar uma interpretação falsa sobre atual situação, visto que grande parte dos óbitos não são confirmados no mesmo dia.

"Se a gente passa a reportar os óbitos só por dada da ocorrência, sabendo que muitos diagnósticos só são concluídos dias depois, cria-se essa falsa situação de que é problema é menor do que realmente é", diz.

Por motivos de logística e infraestrutura, parte dos diagnósticos de morte por covid só são confirmados dois meses depois. Em algumas situações, a janela chega a quatro meses.

"Se fosse possível atestar no mesmo dia, não haveria problema nenhum [na mudança], mas sabemos bem que muitos morrem sem o diagnóstico", completa a epidemiologista.

Mudança se dá em meio a escaladas de mortes

A mudança se dá em meio a uma escalada progressiva no número de mortes no Distrito Federal, um dos únicos três entes federativos que, até a noite da última terça (18), manteve aceleração no número de mortes.

A aceleração foi intensificada depois da reabertura total. No início de julho, quando o governo havia declarado estado de calamidade, a questão virou uma briga judicial entre o governo Ibaneis Rocha (MDB) e o MPT-DF/TO (Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal e no Tocantins).

A disputa foi vencida por Ibaneis, que estabeleceu a reabertura de lojas, bares e academias para o dia 15 de julho, mesmo que o conselho de Saúde local tenha se oposto à medida de flexibilização. As aulas nas escolas públicas estavam previstas para retornar presencialmente no início de agosto, mas decisão foi revista pela gestão.

Para Ramos, esta relação entre o crescimento de casos e a reabertura dos estabelecimentos sem um critério mais rígido "com certeza não é acaso".

"A dinâmica de transmissão do coronavírus é muito simples, a infecção segue o padrão de quase todas as doenças respiratórias que a gente conhece, por meio do contato", afirma.

Ao UOL, a Secretaria de Saúde do DF afirmou que já disponibiliza "uma síntese com a data de todos óbitos registrados nos boletins" diariamente. Mas, segundo o governo, "tal informação não era levada em consideração quando divulgada pela imprensa, que informava apenas o número geral, como se todos aqueles óbitos tivessem ocorrido nas últimas 24 horas".

Para o órgão, a medida "torna o processo mais transparente para que a notícia real seja divulgada".

Mudança adotada pelo governo federal chegou ao STF

No início de junho, o governo federal fez uma mudança que também dificultava a contagem de casos e mortes e medida acabou revertida no STF (Supremo Tribunal Federal).

No dia 5, uma sexta, quando o país tinha mais de 35 mil mortos registrados, o portal oficial do Ministério da Saúde saiu do ar e só voltou no dia seguinte, mostrando apenas os registros das 24h anteriores.

A decisão foi amplamente criticada por especialistas e pela oposição. Os partidos Rede Sustentabilidade, PSOL e PCdoB foram ao STF para pedir a divulgação dos dados acumulados e a atualização diária pelo até as 19h30. O pedido foi concedido pelo ministro Alexandre de Moraes no dia 8, segunda.

Atualmente os dados são divulgados pelo governo federal às 18h, mas o episódio resultou na criação do consórcio de imprensa, do qual o UOL faz parte, que apura o número de casos e óbitos de forma independente com as secretarias estaduais.