SP deveria ter adotado restrições ao notar aumento de casos, dizem médicos
Para infectologistas entrevistados pelo UOL, ao observar o aumento no número de casos de covid-19 em São Paulo, o governo estadual deveria ter retomado imediatamente as medidas restritivas. O governador João Doria (PSDB) e sua equipe anunciaram hoje —no dia seguinte às eleições municipais— que seis regiões, incluindo a Grande São Paulo, regrediram da fase verde para a fase amarela do Plano São Paulo, de retomada econômica.
Na coletiva de hoje, Doria e sua equipe negaram motivação política e garantiram que acompanham e avaliam os índices relativos à doença constantemente.
Para a professora de infectologia da Unifesp, Nancy Bellei, se já havia indicação de aumento na ocupação de leitos e de casos, as medidas deveriam ter sido anunciadas antes. "Saúde, ciência é uma coisa. Política é outra. O governador não foi transparente na saúde. Negligente com a saúde a população está sendo também. Do governador faltou transparência", disse.
O professor titular da faculdade de Saúde Pública da USP, Fernando Aith, acredita que está ocorrendo politização das questões ligadas ao novo coronavírus, em diferentes níveis de governo. No caso de São Paulo, para ele, pode ter havido "omissão", "irresponsabilidade e negligência".
"Essas medidas não vão bastar para conter [a pandemia]. A gente tem uma evidente nova curva ascendente. É preciso repensar as várias aberturas que estão ocorrendo, principalmente no campo de turismo e lazer", afirmou.
Seis regiões regrediram no Plano São Paulo
As regiões que regrediram no Plano São Paulo foram: Grande São Paulo, Piracicaba, Campinas, Sorocaba, Baixada Santista e Taubaté. Com isso, a partir de quarta-feira (2) todo o estado estará fase amarela. Nesta etapa, muda o horário de funcionamento do comércio e de serviços, além da capacidade de ocupação. A educação não será afetada, de acordo com o governo paulista.
Nancy Bellei afirma que a mudança para a fase amarela "funciona como uma alerta". "É mais uma medida que mostra que o governo está se preocupando."
"Para controlar a pandemia, necessitaríamos de medidas mais restritivas", complementa a infectologista Joana D'Arc Gonçalves, que atua em Brasília.
De acordo com ela, o ideal seria acompanhar o que foi feito em países da Europa, que tiveram testagem e isolamento dos suspeitos. "Acredito que no Brasil temos uma realidade bem diferente, então, ações que reduzam aglomerações como a sugerida podem minimizar parcialmente os danos."
Campanha de conscientização e apoio da população
O médico infectologista Leonardo Weissmann afirma que medidas mais restritivas poderiam ter sido adotadas "há algumas semanas". Ele concorda que o ideal, para o momento, seriam medidas ainda mais restritas do que a fase amarela.
"Deveria ter campanha de conscientização da população sobre o seu papel, respeitando as regras de precaução (evitando aglomerações, usando máscara, higienizando frequentemente as mãos, deixando ambientes ventilados) e, posteriormente, uma reavaliação para um possível relaxamento", disse Weissmann.
Calendário eleitoral
O governo do estado havia prometido a atualização do Plano São Paulo para 16 de novembro —um dia depois do primeiro turno das eleições municipais. No entanto, na data marcada, Doria e as autoridades de Saúde paulistas alegaram que um problema no sistema de dados sobre a pandemia do Ministério da Saúde tinha comprometido a análise principalmente das estatísticas de novos casos e mortes causadas pelo coronavírus.
As medidas restritivas foram anunciadas, então, um dia depois do segundo turno. Na semana passada, representantes do Centro de Contingência ao Coronavírus chegaram a recomendar ao governador a adoção imediata de mais restrições, mas ele preferiu esperar. O argumento foi que era necessário aguardar o fechamento da semana epidemiológica, no sábado (28).
Ontem, na capital, o anúncio da vitória de Bruno Covas, na sede do PSDB estadual, no Jardins, teve aglomeração de políticos e militantes. "Fui a uma coletiva de imprensa, não fui a uma comemoração", respondeu Doria, quando questionado por uma jornalista sobre a coletiva que reuniu dezenas de pessoas em uma sala.
Na verdade, durante toda a campanha eleitoral foram registradas aglomerações envolvendo diversos candidatos.
Para Joana D'Arc Gonçalves, "lidar com as campanhas e os riscos associados à infecção por coronavírus representou um desafio sem precedentes". "A maioria dos partidos e candidatos acabaram negligenciando as medidas propostas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Infelizmente, não respeitar as orientações dadas pelos órgãos capacitados representa uma negligência."
'Eleições deixam a emoção à flor da pele'
Coordenador-executivo do Centro de Contingência, João Gabbardo afirmou que o estado passou para a fase amarela porque os indicadores do vírus representaram essa necessidade. Ele e a equipe negam que tenha havido motivação política.
"A fase amarela não tem tanta repercussão no comércio, na economia, mas pode, sim, mais adiante, na próxima reclassificação ou em qualquer momento, se necessário, ter medidas mais fortes de restrição", alertou, na coletiva no Palácio dos Bandeirantes.
"Meu pedido é que olhem dados e datas independente de eleições", disse Patrícia Ellen, secretária estadual de Desenvolvimento Econômico, durante entrevista. "Eleições deixam a emoção à flor da pele e distorcem a realidade. Decisões têm que ser tomadas na data correta. Por que não tomar hoje? Sempre estamos tomando decisões corretas nos dias corretos. Tudo foi feito com transparência e celeridade."
'Tragédia anunciada'
Em entrevista para MOV, a produtora de vídeos do UOL, Pedro Hallal, reitor da UFPel, afirmou que o que ocorreu foi "a crônica de uma tragédia anunciada". Ele diz esperar que as medidas adotadas sejam eficazes. Caso contrário, podem afetar diretamente as festas de fim de ano, por exemplo.
Segundo Hallal, "São Paulo age nesse momento, um pouco atrasado, é verdade, mas felizmente age. E a gente espera que essas medidas sejam suficientes para reduzir a circulação e fazer com que o vírus entre em um processo de desaceleração".
Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, afirmou que "a taxa de transmissão do vírus hoje está acima de um intervalo de confiança possível e, portanto, o vírus está se disseminando novamente".
*Com colaboração de MOV.
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