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Semiabertos, lojistas desafiam Plano SP no interior: "Para pagar as contas"

Lojistas protestam contra fechamento do comércio em Alumínio (SP) - Lucas Borges Teixeira/UOL
Lojistas protestam contra fechamento do comércio em Alumínio (SP) Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em Sorocaba

31/01/2021 04h00

Com uma porta aberta e a outra fechada, Camily Lino, 22, observa o fraco movimento de clientes no centro de Sorocaba, quarta maior cidade do interior de São Paulo, que até hoje está na fase vermelha do Plano São Paulo, de retomada econômica. À sua direita, uma loja completamente fechada. À esquerda, outra totalmente aberta, com anúncios de promoções e música ambiente.

"A gente fica meio sem saber como é, como vai ser. A dona [da loja de roupas] tem medo de levar multa, mas também tem medo de fechar e não abrir mais. Ninguém quer ficar sem emprego, né?", afirma.

Sete regiões paulistas passaram a última semana na fase vermelha, a mais restritiva do plano, na qual só os serviços essenciais podem abrir. Com o sucesso das medidas e queda nos indicadores, segundo o governo, Sorocaba e Presidente Prudente retornarão para a laranja a partir de amanhã.

O UOL foi até sete cidades da região de Sorocaba na quinta-feira (28) e percebeu que nem sempre o plano do governo é seguido.

Em Sorocaba (SP), alguns comerciantes fecharam e outros desafiaram a fase vermelha do Plano SP - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Em Sorocaba (SP), alguns comerciantes fecharam e outros desafiaram a fase vermelha do Plano SP
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

"Estou irregular, né?", lamenta o dono de um restaurante no centro de Sorocaba, que preferiu não se identificar. Ele liberou as mesas do fundo para as pessoas comerem presencialmente —prática proibida na fase vermelha— e se diz incomodado, mas argumenta que não vê "outra saída". Segundo ele, até policial militar e vereador já foram comer no local durante a semana.

Estou aqui há 28 anos, nunca atrasei uma conta. Agora, devo no banco e o pouco que entra vai direto para lá. Eu entendo a parte deles [governo], mas tenho as contas para pagar, duas funcionárias registradas. A gente é pequeno, não tem escolha.
Dono de restaurante em Sorocaba (SP)

"Aqui, ninguém fechou"

Em Araçariguama, município de 22 mil habitantes a 60 km de São Paulo, a vida seguiu normal durante a semana graças a um decreto da Prefeitura. As lojas estavam abertas, assim como as barbearias e os restaurantes com serviço de mesa.

"Nós fechamos no ano passado. Nesse ano, ninguém fechou. Era para fechar?", brincou um atendente de uma loja de roupas, que não quis se identificar.

A Prefeitura publicou um decreto permite que o comércio funcione até as 20h entre domingo e quinta-feira e até as 21h nos finais de semana, enquanto os supermercados podem abrir até a meia-noite. A única loja fechada na cidade registrada pela reportagem era de uma grande atacadista.

27.01.2021 - Em Araçariguama (SP), comércio abriu normalmente mesmo com a determinação de fechamento pela fase vermelha - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Em Araçariguama (SP), comércio abriu normalmente mesmo com a determinação de fechamento pela fase vermelha
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

A percepção dos comerciantes é que os "pequenos" sofrem mais com as medidas de restrição e, por isso, podem tentar burlar a fiscalização. "Sempre sobra para nós", reclamou Sergio Katsui, 61, dono de uma loja de material infantil em Itu.

Em Salto, de 120 mil habitantes, comércio também funcionava normalmente. Em Mairinque, de 47 mil, a maioria estava fechada, mas ainda se via alguns desafiantes.

Com fiscalização, funciona

Das sete cidades visitadas pela reportagem, três cumpriam a fase vermelha rigorosamente: Alumínio, Itu e São Roque. Em comum, lojas com números de WhatsApp nas portas, alguns pedidos de socorro e relatos de fiscalização intensa.

"O fiscal passa e pergunta até se eu estou com álcool gel", diz José Buturi, 60, dono de uma loja de manutenção de aparelhos de linha branca em São Roque, a 70 km de São Paulo.

Ele diz entender o momento como "complicado" e lamenta pelo futuro. "Eu tenho dó dos meus colegas. O daqui do lado está tentando vender por telefone e o da frente está completamente fechado. Não sabe se volta", afirma o comerciante, apontando para as lojas de portas fechadas.

Com alta fiscalização, os comerciantes de São Roque (SP) fecharam as portas pro causa da fase vermelha do Plano SP - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Com alta fiscalização, os comerciantes de São Roque (SP) fecharam as portas pro causa da fase vermelha do Plano SP
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Perto dali, na pequena Alumínio, de 18 mil habitantes, o plano está sendo seguido tão a risca que a loja de variedades em que Iara Alves, 29, trabalha está aberta parcialmente: elas só podem vender alimentos, o resto fica coberto por um pano preto.

"O concorrente viu a gente aberto e denunciou. Mas temos comida, pode. Mesmo assim, o fiscal quis fechar, então a gente cobriu os outros itens", conta.

Ela e a colega tinham acabado de pregar uma faixa com pedido de calma à população. "Fica um contra o outro, mas não é culpa nossa. Fica todo mundo irritado porque São Paulo [capital] está aberta e uma cidadezinha assim, não", opina.

Cinco fatores para mudar de fase

O Plano São Paulo, apresentado pelo governo paulista no meio do ano passado, leva cinco fatores em consideração para classificar as 17 regiões —os números de internação estão nesta lista.

Na penúltima reclassificação, Sorocaba apresentava taxa de 76,9% de ocupação de UTIs (unidades de tratamento intensivo), acima dos 75% estabelecidos para a fase vermelha, enquanto a Grande São Paulo estava com 71,6%. Na última sexta (29), a taxa caiu para 72,4%, o que permitiu que, a partir de amanhã, a região retorne para a laranja.

mapa - Reprodução - Reprodução
Na reclassificação do Plano SP da última sexta (29), Sorocaba e Presidente Prudente subiram da fase vermelha para a laranja
Imagem: Reprodução

Prefeituras também questionam plano

Não são só os comerciantes que confrontam o plano. Em alguns casos, o desafio se dá de forma institucional, como em Araçariguama. Em Bauru, a 350 km de São Paulo, a Prefeitura também desafiou o governo e liberou o comércio, com apoio até de um promotor de Saúde Pública, segundo a imprensa local.

Como havia prometido, o governo estadual acionou a Justiça e, na última sexta, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) determinou que a cidade de 380 mil habitantes siga as recomendações do Plano SP. Segundo a última classificação, a região tem a pior taxa de ocupação de UTI, com 86,2% dos leitos indisponíveis.

"Em quatro dias [até 27/01] aumentou mais de 8% o número de casos [em Bauru]. Esse aumento de casos vai ocasionar aumento de internações e óbitos", afirmou João Gabbardo, coordenador-executivo do Centro de Contingência, ao comentar o caso de Bauru na última quarta-feira (27).

No governo, estas prefeituras são tratadas como raros maus exemplos. A maioria cumpre o decreto estadual.

O UOL procurou as prefeituras de Bauru, de Araçariguama e das outras cidades em que foram registrados comércios abertos para saber posicionamentos e medidas de fiscalização, mas não teve resposta até o fechamento da reportagem.

Governo diz que não vai ceder

O governo João Doria (PSDB) não pensa em fazer possíveis adaptações que possam afrouxar o Plano SP, mas também descarta um lockdown. A avaliação no Palácio dos Bandeirantes é que o acompanhamento diário das regiões tem sido o bastante para segurar o avanço da pandemia no estado.

Está ruim para eles [pequenos comerciantes], está ruim para todo mundo. Mas não vamos fazer concessões. O governo do Amazonas fez concessões e veja no que deu.
Jean Gorinchteyn, secretário de Saúde de São Paulo

Para enfrentar a alta de internações, que tem se mantido acima de 70% de ocupação em diversas regiões, semelhante ao registrado em maio, o governo ampliou o número de leitos (mais 250 neste ano). Na última atualização, o índice geral do estado caiu para 69,9% —ainda superior a todo o segundo semestre de 2020.

A média móvel de mortes no estado está no patamar de agosto de 2020 e a taxa de transmissão ultrapassou o teto (com índice de 1,06) no estado pela primeira vez, de acordo com o Info Tracker, desenvolvido universidades estaduais Unesp e USP.