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Com baixa testagem, Brasil segue falhando no mapeamento da pandemia

Teste RT-PCR em drive-thru - iStock
Teste RT-PCR em drive-thru Imagem: iStock

Lucas Borges Teixeira e Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

08/02/2021 04h00

Após quase um ano vivendo na pandemia, o Brasil continua muito atrás de outros países na testagem, uma das mais eficientes formas de combate ao coronavírus. Há pouco mais de 22 milhões de exames realizados aqui, número inferior a outros lugares na Europa, Estados Unidos, Ásia e vizinhos da América Latina.

Para especialistas ouvidos pelo UOL, a testagem em massa teria sido o meio mais eficiente e barato de tentar controlar casos, mas nunca foi realmente efetivado por aqui. Enquanto o número de testes aumenta pelo mundo, o Brasil fica para trás e vê subir o número de mortos pela doença.

De acordo com os últimos dados do Ministério da Saúde, o país realiza cerca de 105 testes a cada mil habitantes. O número é muito inferior aos países mais bem-sucedidos no combate à pandemia.

Na Nova Zelândia, que registrou apenas 25 mortes por covid, testou-se mais do que o triplo: 321 testes a cada mil habitantes, de acordo com o World in Data, da Universidade Oxford. O Canadá, que não chegou a 1 milhão de casos, realizou 462 testes para cada mil habitantes.

Até países vizinhos com poder econômico menor, apresentam números melhores. Na Argentina, são 117 testes para cada mil habitantes e, na Colômbia, 202 testes a cada mil habitantes, segundo a compilação de Oxford —que, por sinal, não tem dados do Brasil desde o apagão do Ministério da Saúde, em maio de 2020.

"Brasil está perdido no mapeamento"

Para especialistas ouvidos pelo UOL, os números baixos não explicam sozinhos os resultados no combate à covid, visto que os Estados Unidos, por exemplo, são o epicentro da pandemia desde abril de 2020 e realizam quase 907 testes a cada mil habitantes, mas indicam o quanto o país ainda está "perdido" no mapeamento do vírus.

"Isso mostra o grau de descontrole do mapeamento da pandemia no Brasil. Nos Estados Unidos, hoje há mais testes disponíveis do que há oito, nove meses. No Brasil, não. Segue-se testando muito pouco, não há um rastreamento [do vírus]", afirma Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins, que acompanha a evolução global da covid, e membro do "Observatório Covid-19 BR".

É o que chamamos de TRIS: testagem, rastreamento e isolamento. Isso nunca fez parte da política brasileira em toda a história da pandemia. É mais barato do que aumentar leitos, o que tem sido feito aqui em todos os lugares, e você quebra a cadeia de infecção sem necessidade de medidas mais drásticas, como lockdown.
Domingos Alves, professor da USP de Ribeirão Preto (SP)

Segundo Bolle, além de o país testar pouco, tem a questão do tipo de teste feito. Para ela, no Brasil, usa-se muitos testes rápidos, menos confiáveis, que não permitem um bom rastreamento.

A testagem é fundamental por várias razões, inclusive epidemiológicas. No Brasil, nós não apenas atrasamos muito, como achamos que esses testes porcarias eram suficientes e jamais foram, nunca tiveram confiabilidade. Demoramos muito a entender a importância de testar e rastrear. Na verdade, ainda não entendemos.
Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins

Europa: controle da segunda onda

Quando a segunda onda da pandemia atingiu a Europa, entre outubro e novembro do ano passado, os países passaram a aumentar seus números de testes em busca de mapear a transmissão do vírus, em especial de suas novas variantes.

"Na Espanha foi um escândalo. Eles foram fazer testes de todo jeito, tinha até drive-thru, e o número explodiu. Mas isso não era só o aumento de casos, é porque estava testando mais. Você testa mais, chegam mais casos, é óbvio", afirma Alves.

Hoje, a grande maioria dos países europeus estão entre os mais testados. Na Inglaterra, são 1.067 testes para cada mil habitantes. Na Espanha, 603 para cada mil e, em Portugal, 732 para cada mil. "Eles passaram a rastrear o vírus para poder combatê-lo. É a política de contenção", diz ele.

Madri, na Espanha, liderou lista das cidades de segunda onda no final do ano; país investiu em testagem - GABRIEL BOUYS/AFP - GABRIEL BOUYS/AFP
Madri, na Espanha, liderou lista das cidades de segunda onda no final do ano; país investiu em testagem
Imagem: GABRIEL BOUYS/AFP

Brasil fez caminho oposto

No Brasil, testa-se cada fez menos. Segundo o Ministério da Saúde, enquanto no início da pandemia testava-se mais de 1 milhão de pessoas por semana —número já considerado baixo à época— agora, esse número não chega a 100 mil.

"Essa questão virou estratégia nacional. Não só no governo federal, como estaduais. Se olhar pelos estados, o número vem caindo desde setembro. No Brasil, em média, tem caído ao mês 10% o número de testes. Se testar menos, tem menos positivos, afinal", diz Alves.

Neste momento agora, de pandemia mais crítica, as pessoas estão relatando dificuldade [para realizar testes]. Como o acesso é pequeno, geralmente as pessoas que fazem estão com algum sintoma ou tiveram contato com alguém infectado, há um viés enorme na testagem. A gente está muito perdido.
Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins