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SP: Coronavírus matou quase o dobro de policiais do que confrontos em 2020

Noemi Filipini ao lado do marido, o sargento Cléber Alves da Silva, que morreu em abril de 2020 em decorrência da covid-19 - Arquivo pessoal
Noemi Filipini ao lado do marido, o sargento Cléber Alves da Silva, que morreu em abril de 2020 em decorrência da covid-19 Imagem: Arquivo pessoal

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

16/02/2021 04h00

Mesmo na linha de frente no combate à violência urbana em São Paulo, os policiais militares, civis e técnico-científicos que atuam no estado morreram mais em decorrência do coronavírus do que em confrontos com criminosos realizados em serviço ao longo de 2020. Enquanto a covid-19 matou 43 agentes, 22 foram vítimas de assassinato.

Ao todo, 18 PMs e quatro policiais civis morreram no ano passado em casos apontados como confrontos durante o serviço, de acordo com a SSP (Secretaria da Segurança Pública). Os dados foram obtidos pelo UOL por meio de solicitações de informações feitas a cada uma das três polícias, separadamente, via LAI (Lei de Acesso à Informação).

Já os casos de covid-19 causaram a morte de 19 policiais militares, 21 policiais civis e três policiais técnico-científicos. Há, ainda, uma quarta morte de policial técnico-científico que está sob suspeita de ter ocorrido em decorrência do coronavírus.

De acordo com a SSP, até 5 de fevereiro de 2021 esse número já subiu. Foram 59 policiais mortos em decorrência do vírus em quase um ano de pandemia.

Segundo o plano de vacinação definido pelo Ministério da Saúde, policiais estão na lista de grupos prioritários. Porém, devido à escassez de vacinas, ainda não há data definida para o início da imunização da categoria.

Se fala muito de que a vida do policial importa, mas não tem uma política para proteger a vida do policial. Os turnos continuam os mesmos, o trabalho continua o mesmo, como se não houvesse pandemia.
Rafael Alcadipani, professor de gestão pública a FGV (Fundação Getúlio Vargas)

Para a diretora-executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), Samira Bueno, "isso mostra o que deveria ser realmente prioritário na discussão sobre condições de trabalho dos profissionais de segurança: adequados EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), rápida vacinação destes profissionais, atendimento psicossocial, melhores salários e condições materiais em seu dia a dia".

"Muito dolorido. A gente não consegue acreditar"

O segundo-sargento Cléber Alves da Silva, 44, foi o segundo policial militar a morrer em decorrência da covid-19 em São Paulo, em abril do ano passado. Lotado no Copom (Centro de Operações da PM), ele deixou a mulher, com quem conviveu por 23 anos, e três filhos: dois jovens, de 15 e de 22 anos, e uma menina de 10 anos.

Sargento da PM de SP Cléber Alves da Silva ao lado da mulher e de seus três filhos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sargento da PM de SP Cléber Alves da Silva ao lado da mulher e de seus três filhos
Imagem: Arquivo pessoal

A dona de casa Noemi Filipini, 43, viúva do sargento, diz que a ferida da perda ainda não foi cicatrizada. "É muito, muito, muito dolorido. A gente não consegue acreditar. Meus filhos estão até hoje chocados, revoltados, indignados. Perdemos ele de graça."

Ela afirma que seu marido não recebeu o tratamento correto no HPM (Hospital da Polícia Militar): "Em uma noite, fui abraçá-lo e ele estava ardendo em febre. Fui para o hospital. Ele ficou em observação durante oito dias. Fui lá dia sim, dia não. O hospital tinha separação de casos de covid e os demais. Ele não ficou na parte da covid, porque os médicos diziam que a suspeita era de dengue", diz.

Foi no início da pandemia, não estavam sabendo lidar, mas não fizeram nem raio-X. No fim, quando eu pedi para ele fazer tomografia, chegou o resultado. Internaram com urgência e perdi meu marido.
Noemi Filipini, viúva de Cléber Alves da Silva

A dona de casa afirma que seu marido estava extremamente preocupado com o coronavírus. "Meus filhos ficaram trancados dentro de casa, ele ligava para os pais para dizer para não saírem de casa. Eu só saía para o mercado ou farmácia. Quando chegava no serviço, fazia todo o check-up para não contaminar a gente, tudo com muito cuidado", afirma.

Por meio de nota, a SSP afirmou que "até o momento, não há queixa ou denúncia registrada sobre o referido caso" e que a "Diretoria de Saúde da unidade está à disposição da família para prestar esclarecimentos".

Secretaria lamenta e diz ter cuidados

O UOL pediu entrevista sobre a contaminação do coronavírus nas polícias de São Paulo com o secretário da Segurança Pública, general da reserva João Camilo Pires de Campos, com o secretário-executivo da PM, coronel Alvaro Batista Camilo, e com o secretário-executivo da Polícia Civil, delegado Youssef Abou Chahin. Nenhuma foi concedida.

Secretário da Segurança Pública de São Paulo, general João Camilo Pires de Campos - Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo - Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Secretário da Segurança Pública de São Paulo, general João Camilo Pires de Campos
Imagem: Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Em nota, a SSP disse lamentar que integrantes de todas as forças de segurança paulistas tenham morrido em consequência do coronavírus no estado.

"Entre maio e julho do ano passado, mais de 100 mil pessoas, entre policiais civis, militares e técnico-científicos e seus familiares ou coabitantes, fizeram o teste rápido para covid-19, em todo o estado. Nos casos com resultado positivo, o agente, mesmo assintomático, foi afastado preventivamente, conforme orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Centro de Contingência do Coronavírus."

A SSP acompanha o quadro clínico, fornecendo todo o suporte necessário para a recuperação de seus agentes. Além disso, a pasta tem adotado todas as medidas necessárias para garantir a proteção acerca da covid-19.
Secretaria da Segurança Pública, por meio de nota