É ambulância atrás de ambulância, diz médico de hospital em colapso em SC
O vaivém de ambulâncias fugiu da normalidade no Hospital Regional São Paulo, em Xanxerê, no oeste de Santa Catarina, nas duas últimas semanas, por conta da disseminação do novo coronavírus. Foi preciso fechar setores "não essenciais", remanejar funcionários e acomodar em locais improvisados quem procurasse socorro. Um comunicado divulgado nesta semana pelo hospital informa: "chegamos ao colapso".
"Passamos a receber ambulância atrás de ambulância. Hoje temos pacientes na sala de gesso, de sutura, onde recebemos pacientes com politrauma. Os espaços vão sendo ocupados, mas chega uma hora que não tem mais lugar e a gente tem receio do que pode acontecer", disse ao UOL o médico intensivista Jener Bruno. Há pacientes que aguardam leito em poltronas.
O hospital, que é referência na região, tem uma UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) para tratar 20 pessoas com covid-19. Mas, desde a metade de fevereiro, o espaço não dá conta de tantos pacientes.
A emergência da unidade de saúde se tornou uma sala de espera indesejada. Segundo o médico intensivista, 30 pessoas aguardavam, ontem, abertura de leitos em UTI no local. Todos em estado grave.
Agora, dois andares do hospital são reservados para pacientes com covid —normalmente, a emergência funciona em um deles e a UTI, em outro.
Funcionários cansados e outros afastados
Devido ao colapso, a direção do hospital decidiu, na terça-feira (2), liberar uma ala de um destes andares que não atendia pessoas com a doença. Com isso, os pacientes foram transferidos para outro andar e os funcionários passaram a atuar na linha de frente de enfrentamento ao coronavírus.
Hoje, o hospital conta com 542 postos de trabalho, porém pelo menos 100 estão desocupados por causa de afastamentos ou demissões.
"A carga de trabalho é enorme. Além da quantidade de pessoas, são pacientes graves, que demandam muita atenção. E hoje temos muita gente afastada, por ser de grupo de risco, como gestante, por exemplo", diz Jener Bruno.
A gente está cansado. Já estamos há um ano vivendo isso. Todos os profissionais estão exaustos.
Jener Bruno, médico intensivista
O Hospital Regional São Paulo, que é da rede estadual, informou ao UOL que os profissionais têm recebido apoio psicológico de forma coletiva e de maneira individualizada. Além disso, um grupo de humanizado promove ações pontuais aos profissionais, com distribuição de lanches e mensagens de incentivo. A intenção é motivá-los a seguir na linha de frente de combate à doença, conforme a direção.
Na nota divulgada anteontem, a unidade afirma que passa pelo "pior momento desde o início da pandemia da covid-19", que "é o caos", "o limite". "Não iremos viver uma catástrofe, já estamos nela", diz o texto. "O hospital fez desdobramentos e aumentos para atender a demanda."
Já o governo estadual informou ontem ao UOL, também em nota, que acompanha a situação "com total atenção" e que "todos os esforços que podem ser feitos por parte do governo estão sendo feitos".
O governo afirma que, em 2020, foram investidos R$ 20,3 milhões no Hospital Regional São Paulo —incluindo valores para leitos de UTI— e outros R$ 4 milhões no município para o enfrentamento à pandemia. Além disso, foram enviados equipamentos como ventiladores pulmonares e monitores.
A secretária de saúde do município, Francis Mara Zago Pegoraro, explicou ao UOL que na última semana foram instalados um laboratório de campanha com 20 leitos e um centro de triagem, com outros 15 lugares. Os dois espaços funcionam 24 horas por dia. O laboratório de campanha permite a permanência de pacientes até que se abra vagas no hospital. Lá é possível, por exemplo, receber ventilação não invasiva com respiradores.
Para tentar conter o contágio, a cidade decretou na semana passada lockdown de 10 dias. Segundo a secretária de saúde, apenas serviços essenciais podem operar.
Até ontem, a Prefeitura de Xanxerê registrou 6.974 de covid-19 e 74 mortes por causa da doença. O município tem cerca de 50 mil habitantes, segundo estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Todo o estado de Santa Catarina tem anotado alta de casos, mortes e internações por causa da covid-19 nas últimas semanas. Já foram mais de 7.600 óbitos em território catarinense (leia mais abaixo).
Pacientes já chegam em estado grave
Além da superlotação, a direção do Hospital Regional São Paulo também percebeu que os pacientes já estão chegando em estágio mais avançado da doença. Uma das suspeitas é que a nova variante, mais transmissível, esteja atingindo os moradores da região.
"O paciente já chega em condição muito ruim, já chegam para ser intubado", disse o médico. "O ideal é fazer ventilação não invasiva [a intubação é considerada invasiva já que é introduzido um tubo no paciente até o pulmão], com auxílio do respirador, com máscara especial. Só que essa fase não é mais possível oportunizar porque chegam em estado muito grave, não só respiratório, mas com problemas nos rins, por exemplo."
Até ontem, mais de 220 pacientes aguardavam por um lugar na UTI. O governo de Santa Catarina decidiu transferir alguns deles para outros estados —16 devem ser levados para o Espírito Santo, a mais de 1.800 quilômetros de distância. O primeiro a ser removido é um homem de 34 anos, de Chapecó, cidade vizinha de Xanxerê.
SC registrou 94 óbitos em 24h
Segundo dados do governo estadual, 7.618 pessoas perderam a vida por conta do coronavírus —só ontem foram 94 óbitos. Devido à falta de leitos, há registros de pacientes morrendo enquanto aguardam a abertura de leitos de UTI. Até a última terça-feira (2) foram registrados ao menos 20 falecimentos nestas condições.
Desde o início da pandemia já foram confirmados 688.600 da doença em Santa Catarina. Do total, 7.209 diagnósticos positivos ao coronavírus foram registrados ontem.
No estado, há pouco mais de 37 mil pessoas com covid sendo monitoradas. De acordo com a SES (Secretaria Estadual de Saúde), a ocupação geral dos leitos de UTI estava ontem em 96%. Dos 1.570 leitos especializados, 1.507 estavam com pacientes. O percentual e os dados mudam a toda hora.
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