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Internado com a mãe, 1º paciente levado de SC para o ES é mantido em UTI

Daniel ao lado da esposa, Eliane, e da filha, Danielly - Arquivo Pessoal
Daniel ao lado da esposa, Eliane, e da filha, Danielly Imagem: Arquivo Pessoal

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Chapecó (SC)

06/03/2021 04h00

O telefone toca de um número desconhecido, ela se anima com a perspectiva de receber notícias do marido, mas a expectativa se desfaz em segundos. "Desculpa, mas a gente pode falar mais tarde? Estou esperando um telefonema do hospital", diz a professora Eliane Schmitz Pegorato, 30 anos. Desde a última quarta-feira (3), as tardes dela são de apreensão por notícias de Daniel Pegoraro, primeiro paciente com covid-19 transferido de Santa Catarina para o Espírito Santo.

A remoção de Daniel, um motorista de 34 anos, para mais de 1.400 quilômetros de distância de casa, foi a primeira de uma série de 16 viagens programadas que vão atravessar o país com pessoas infectadas pelo coronavírus.

A transferência se deve à falta de leitos em Santa Catarina — só ontem 291 pessoas aguardavam por leitos de UTI, conforme balanço divulgado pelo governo estadual. Apenas na região de Chapecó — onde Daniel estava — são 143 pacientes nesta situação, o que corresponde a quase 50% do total.

O motorista estava internado na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) desde 24 de fevereiro. Um dia após dar entrada no local, foi a vez da mãe dele, de 70 anos, também procurar atendimento. "Ele não sabia que ela tinha contraído a doença, só soube quando a mãe chegou à UPA", disse Eliane. De seu leito, o motorista conseguia enxergá-la, mesmo depois de ser entubado.

Enquanto Daniel conseguiu leito especializado, a idosa permanecia na unidade ontem, entubada e sem previsão de ser transferida. Já o filho dela começou a apresentar melhoras no Hospital Estadual Doutor Jayme Santos Neves, no município da Serra (ES), região da Grande Vitória.

"Ele está bem, o estado de saúde ainda é grave, mas não tem febre e a pressão está boa, o sistema urinário também", disse Eliane.

A professora literalmente não desgruda dos dois telefones — um dela e outro do marido. "Outro dia disseram que não conseguiram falar comigo no meu telefone. Então, eu fico de olho nos dois". A família recebe uma ligação por dia, normalmente no final da tarde, do médico responsável pelo setor. Mas até o telefonema, o passar dos minutos é marcado por impaciência. "A gente fica todo dia angustiado, até não receber a ligação do hospital, não se tranquiliza", conta a esposa.

Além da esposa, o motorista também deixou no Sul a filha Danielly, de cinco anos. "Ela é muito apegada ao pai. Quando ele ainda tinha acesso ao telefone, ela ficava falando para ele: 'Pai, volta para casa cuidar de mim, você é meu amor". E ontem ela disse: 'Mãe, vou rezar para a santinha pelo pai", afirmou a professora.

Motorista recebeu kit-covid, mas não melhorou

Daniel começou a sentir sintomas da covid em 20 de fevereiro, quando acordou com dores nas costas e tosse. Pouco tempo depois já estava em um ginásio próximo da Arena Condá, sede da Chapecoense, onde foi montado um ambulatório de campanha. Ali mesmo já soube do resultado positivo para a doença.

Última foto da família foi no Natal, no centro da foto está a mãe de Daniel, que também está internada com covid - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Última foto da família foi no Natal, no centro da foto está a mãe de Daniel, que também está internada com covid
Imagem: Arquivo Pessoal

Antes de ser liberado pelo médico, recebeu um pacote com um punhado de remédios. Era o kit covid, que reúne cloroquina e ivermectina, fármacos sem eficácia comprovada para o tratamento da doença, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) e estudos científicos. Anteontem, a prefeitura já havia confirmado para UOL a distribuição do kit nas unidades de saúde, mas o médico tem opção de prescrevê-lo e o paciente de tomar ou não.

Mesmo com os remédios, as dores continuaram e, quatro dias depois, Daniel foi internado na UPA. Primeiro ficou alguns dias com a máscara de ar, mas a situação se agravou e teve que ser intubado no dia 26 de fevereiro. Antes do procedimento, ainda mandou uma mensagem de áudio para a família: "Amo vocês, vai dar tudo certo".

No começo da semana, a família foi avisada que o motorista iria para outro estado. "Em um primeiro momento fiquei bem angustiada. Quando o médico veio falar comigo, eu fiquei olhando bem para ele e pensando: 'não sei se vou mandar, é tão longe'." Mas a dúvida virou certeza em segundos. "Eu rezei muito para ter leito para ele. Eu pensei: 'ele tem que ir, se ficar aqui, pode ser que não tenha oportunidade [de conseguir leito]."

Passados dois dias da ida do marido, Eliane se divide entre permanecer em Chapecó ou encarar uma viagem longa até o Espírito Santo. "Vontade de ir até tenho. Mas se aqui eu não posso vê-lo na UTI, lá também não vou poder. A gente está longe, mas na torcida. Mas que dá vontade de ir, dá."

Santa Catarina atinge marca de 700 mil casos de covid

Ontem, Santa Catarina chegou a marca de 700.127 casos confirmados de coronavírus — só ontem foram 5.853 a mais. Do total, 26.546 registros são de Chapecó. Conforme o governo do estado, pouco mais de 38 mil pessoas estão em acompanhamento.

Só ontem foram 107 óbitos por covid — o maior número deste o início da pandemia. Com isso, 7.816 pessoas já perderam a vida para a doença — 319 só em Chapecó (4% do total).

Atualmente, há 1.601 leitos de UTI ativos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) em todo o estado, dos quais 1.554 estão ocupados, sendo 871 por pacientes com confirmação ou suspeita de infecção por coronavírus. A taxa de ocupação geral é de 97,1% e há 47 leitos vagos atualmente.

No HRO (Hospital Regional do Oeste), em Chapecó, a taxa de ocupação está em 97,50%. Dos 109 leitos, 106 estão ocupados.