"Vemos no país o mesmo filme que vivemos", afirma secretário de Saúde do AM
Em janeiro, o Amazonas enfrentou um colapso sem precedentes em seu sistema de saúde, com fila de espera por vagas em hospitais, falta de oxigênio nas unidades e dezenas de mortes por covid-19 ocorridas em casa.
Passado o pior cenário, o estado tem hoje uma situação mais cômoda em comparação ao demais. Os colapsos migram a outras partes.
Em entrevista ao UOL, o secretário de estado de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, fez um balanço da crise enfrentada e diz ter feito alertas sobre a situação se repetir: "Em janeiro, descrevi para os secretários no grupo do Conass (Conselho Nacional dos Secretários de Saúde): 'Olha, está diferente, está muito rápido, está mais agravado, consumindo muito oxigênio; se preparem'. Mas falavam que era falta de gestão e planejamento nossa".
Vemos o mesmo filme que vivemos aqui em janeiro e fevereiro. É a repetição.
Marcellus Campêlo, secretário de estado de Saúde do Amazonas
Com indicadores em queda, o secretário diz que o Amazonas já se prepara —e terá um plano pronto nesta semana— para enfrentar uma terceira onda da covid-19.
"Mas desta vez faremos um plano considerando outros aspectos, que não mapeamos, nem cogitamos antes. Teremos um plano de contingência para oxigênio e medicamentos", explica. Leia, a seguir, a entrevista.
UOL - O Amazonas viveu umas das situações mais dramáticas com a covid no país até aqui. Agora, com os indicadores em queda, o que poderia ter sido diferente naquela crise?
Marcellus Campêlo - Desde o final de dezembro, houve um crescimento exponencial no número de casos aqui. Nós triplicamos os leitos clínicos e de UTI [Unidades de Terapia Intensiva], só que houve uma alta muito grande, e a gente não compreendia o porquê.
Fizemos um planejamento e estávamos prontos para enfrentar o pior cenário visto na primeira onda. Mas não veio uma onda, veio um tsunami, quase três vezes maior que o pico da primeira onda.
Isso culminou, no dia 15 de janeiro, naquela intermitência no fornecimento de oxigênio, que causou um colapso não só de leitos, mas de insumo. Faltou oxigênio também para as pessoas fora das redes pública ou privada: quem já fazia tratamento em casa também sofreu.
Para você ter ideia, tivemos quase 8.000 hospitalizações pela covid em janeiro na rede pública. Fechamos agora em março com menos de 2.000. Ou seja, tivemos quase três vezes mais do que o pico da primeira onda.
Quando foi que o senhor percebeu que seria uma onda maior?
Quando identificamos uma curva no Delphina Aziz, nosso maior hospital --e olha que saímos de 50 leitos para 180 de UTI e tínhamos mais 289 leitos clínicos. Tivemos ocupação máxima no final do ano, sem possibilidade de expansão.
A partir dali tivemos de internar em outros hospitais da rede e fizemos o alerta no dia 20 de dezembro. Definimos e anunciamos no dia 23 medidas de restrições, que começariam a valer no dia 26 de dezembro.
Só que houve uma movimentação muito grande da população, inclusive com barricadas, protestos; as forças de segurança não conseguiram conter, e o governo deixou de fazer essas restrições para evitar um problema maior na segurança pública. Decidiu-se então começar as medidas no dia 2 de janeiro.
Mas você não tem um impacto imediato, precisa de 14, 21 dias para começar a ver o resultado. E foi o que aconteceu: percebemos os ganhos no final de janeiro para a virada de fevereiro. Primeiro estabilizaram os números e depois começaram a cair.
Se essas medidas vigorassem antes, seria uma tragédia menor?
Teríamos antecipado a queda do número. É matemático. Mas existiu imponderável: o aparecimento da variante, a P.1. Nós só fomos comprovar sua existência no dia 13 de janeiro.
Para você ver: a Fiocruz estava fazendo a vigilância genômica e identificaram a P.1 com zero de incidência nos internados em outubro. Em dezembro a incidência já era de 52% e, em janeiro, de 91%. Isso explicou a subida exponencial, com o seu poder de infecção três vezes maior. Foi algo diferenciado.
O Amazonas alertou que a situação no estado era um prenúncio do que deveria vir a ocorrer no Brasil. Como o senhor acompanha agora a situação do resto do país, mergulhado em colapso?
Nosso sentimento é de profunda solidariedade, de querer ajudar de qualquer forma. Esse é um sentimento de todos no governo: precisamos retribuir, ser gratos.
Vemos o mesmo filme que vivemos aqui em janeiro e fevereiro. É a repetição do filme. Eu lembro que disse em janeiro, descrevi para os secretários no grupo do Conass: 'Olha, está diferente, está muito rápido, está mais agravado, consumindo muito oxigênio; se preparem'. Alertei, mas falavam que era falta de gestão e planejamento nossa.
Ora, eu não sou médico, vim da área de infraestrutura. Não foi falta de planejamento. Desde setembro, fizemos todo o plano para enfrentamento do pior cenário.
Só que veio um cenário que não tem planejamento que consiga atender, principalmente em uma cidade encravada na floresta amazônica, que só chega oxigênio por rio ou pelo transporte aéreo. Mas avisei que não era uma situação isolada e não foi falta de gestão e planejamento, foi uma pandemia em uma forma completamente inesperada.
Como o senhor avalia a situação agora do estado, em que as mortes caíram mais de 90%?
É um momento em que os números do último dia de março chegaram ao mesmo patamar do início da subida, no final do ano passado. Vamos ver se os números descem ou ficam em um platô. Independente, iniciamos nesta semana [semana passada] nosso plano de contingência da terceira onda, levando em conta vários aspectos que não levamos nas outras ondas.
A mesma coisa que ocorre na Europa, sabemos que tende a se repetir aqui. Foi assim, com atraso de um mês e meio, na primeira onda: chegou ao Amazonas, onde se agravou; em seguida se agravou no restante do país. O mesmo delay [atraso] foi na segunda.
Agora estamos observando na Europa, países como Alemanha, Holanda, Finlândia subindo uma terceira onda, determinando lockdown. Por que seria diferente aqui no Amazonas de novo? A Alemanha está com 13% de população vacinada, estamos aqui com pouco mais de 10%. Então não é a vacinação que vai impedir, não tem por que achar que não vai ter de novo.
Como se preparar?
Vai sair um novo plano. Mas faremos um plano considerando outros aspectos, que não mapeamos nem cogitamos antes. Teremos um plano de contingência para oxigênio e medicamentos. Só esperamos que seja uma onda menor e que seja em um espaço mais longo para que a rede não fique pressionada.
Poderia ter um cenário ainda pior nessa terceira onda?
A pior coisa seria se agravar junto com outros estados. Se isso ocorrer, vai ser muito difícil. Hoje temos disponibilidade de 60 mil metros cúbicos de oxigênio e consumimos só 20 mil. É confortável para agora, mas, se agravar, não vamos ter outros estados para nos auxiliar, ou mesmo a indústria de transporte para cá.
Seria uma tragédia! Vamos acompanhar, mas garanto que estamos trabalhando com muita antecipação, e todos são unânimes em saber que, se os indicadores aumentarem, vamos agir para frear o crescimento. É preciso levar em conta que países europeus estão enfrentando ondas em intervalos mais curtos: tivemos espaço de uma e outra de 50 dias, mas já tem país com intervalo menor, de 21 dias entre ondas.
O Amazonas suspendeu as cirurgias eletivas e o recebimento de pacientes de outros estados por risco de falta do kit intubação. Como está a situação?
A crise do oxigênio que tínhamos para o Amazonas virou a crise do kit intubação. Nós aqui temos estoque para atender nossos pacientes por até 30 dias. É privilegiada perto da grande maioria dos outros estados, que têm estoque para mais uma semana.
Estamos todos fornecendo no limite, como deixando o tanque do carro na reserva e rodando com o que tem.
Foi assim que vivemos quando tivemos a crise [do oxigênio]: atendíamos com o mínimo os hospitais para poder ir controlando e não faltar nas unidades. Aqui, agora, a situação está mais cômoda. Decidimos que voltassem as cirurgias eletivas, mas, quando percebemos que os pedidos à indústria não estavam mais sendo atendidos em virtude de requisição do Ministério da Saúde, vimos que poderia ter falta de medicamentos nessas cirurgias eletivas.
Como temos ainda muitos pacientes covid internados e estávamos recebendo gente de outros estados, a gente julgou prudente suspender a Operação Gratidão no recebimento de pacientes até que a situação dos kits de intubação se resolva. Agora só faremos as de urgência e emergência e alguns casos de cirurgia oncológicas e algumas cardíacas e neurológicas.
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