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Manifestações contra Bolsonaro geram temor em médicos devido à pandemia

13.mai.2021 - Ato em Salvador contra o governo de Jair Bolsonaro há duas semanas; mesmo com máscara, pessoas estavam próximas - Mauro Akiin Nassor/Fotoarena/Folhapress
13.mai.2021 - Ato em Salvador contra o governo de Jair Bolsonaro há duas semanas; mesmo com máscara, pessoas estavam próximas Imagem: Mauro Akiin Nassor/Fotoarena/Folhapress

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

28/05/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Atos de oposição ao governo Bolsonaro serão realizados no sábado (29)
  • Organizadores dizem que medidas de segurança sanitária serão tomadas
  • Médicos defendem que hora não é ideal para realização de manifestações presenciais

Manifestações contra o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) estão marcadas para acontecer amanhã (29) em cidades de todo o país. Organizadores dizem que o momento da crise política e sanitária faz os atos serem "medida essencial". Mas médicos afirmam que os protestos podem ser um risco para o combate à pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 450 mil pessoas no país.

"Ninguém gostaria de estar indo para a rua neste momento. Não era vontade de ninguém", diz ao UOL Guilherme Boulos, coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e da Frente Povo sem Medo, uma das organizadoras das manifestações de sábado. "A situação não nos deixou outra alternativa. O Bolsonaro não nos deixou outra alternativa."

Ele continua boicotando processo de vacinação, continua boicotando todas as medidas sanitárias. Ou seja, é aquilo que os colombianos disseram: quando um governo se torna mais perigoso do que o vírus, ir às ruas é medida essencial.
Guilherme Boulos, coordenador do MTST

Assim como Boulos, o dirigente nacional do setor de saúde do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), Edinaldo Correia Novaes, diz que, ao longo do último ano, a opção foi por estimular protestos fora das ruas. "A gente tem essa clareza de como está sendo letal o que esse governo genocida está fazendo para a nossa população. Chegou o momento em que não dá só para a gente fazer as reivindicações pelo modo online."

Eles ressaltam que, para os atos, os manifestantes receberão as recomendações de usar máscaras e álcool em gel e para manter distanciamento de ao menos um metro e meio com relação a outras pessoas.

Risco

Para a infectologista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Raquel Stucchi, consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), só há uma forma de se fazer uma manifestação longe de riscos neste momento. "Uma manifestação virtual. Esta é a única forma de manifestação segura."

Presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia), Flávio Guimarães da Fonseca diz que o "risco de se fazer uma manifestação, em um momento em que o número de óbitos está alto, é de uma contaminação em massa". Nos últimos dias, o Brasil teve a notícia da identificação de uma nova variante do vírus. O UOL também mostrou que o índice de transmissão do novo coronavírus aumentou em todo o país.

"A maior parte das pessoas que participam de manifestações dessa natureza não são idosas nem pessoas com comorbidades. Também não foram vacinadas", diz Fonseca. "A principal população responsável pela circulação do vírus é de indivíduos de 20 a 40 anos. E são essas pessoas que estão se aglomerando, tirando máscara."

Presidente do IQC (Instituto Questão de Ciência), a microbiologista Natália Pasternak diz que, no cenário atual, é difícil dar "certeza de segurança" para o ato. "A manifestação em si, pessoas ao ar livre, longe uma das outras e com máscaras adequadas, não é a preocupação. A preocupação é garantir que isso aconteça."

Boulos, porém, reforça que as manifestações de sábado não deverão seguir condutas vistas em atos de apoio a Bolsonaro. "Toda orientação que temos dado, e de maneira ostensiva, é o uso de máscaras com melhor proteção, a PFF2, N95. É a orientação do distanciamento no próprio ato, que vai ser reiterada tantas vezes quanto for necessário no caminhão de som", diz. "Ou seja, é o estímulo para que a manifestação seja feita com todos os cuidados."

Segundo Novaes, máscaras serão entregues para pessoas que participem dos atos e que estejam sem o equipamento de proteção. "Nós orientamos nossa militância a explicar o risco que ela estará correndo ao tirar a máscara", diz o dirigente do MST. A UNE (União Nacional dos Estudantes) chegou a divulgar campanhas de doação para a compra de máscaras a serem distribuídas nos protestos.

"É impossível você falar numa manifestação e contar que máscaras, álcool em gel e distanciamento vão ser suficientes", diz Stucchi. Presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), Juarez Cunha pontua que, "pelo menos estão orientando que as pessoas utilizem as medidas não farmacológicas nessas manifestações". "Se isso for contemplado, diminui o risco. Mas, mesmo com as medidas sendo tomadas, as aglomerações com certeza têm um potencial de transmissão do vírus."

Por mais que as pessoas se comprometam e tentem respeitar, [aglomeração] aumenta o risco. Porque você tem as pessoas gritando, cantando, que são as situações que a gente que tem mais possibilidade de essas transmissões acontecerem.
Juarez Cunha, presidente da SBIm

Fonseca, da SBV, recomenda que quem decidir participar das manifestações procure se proteger utilizando duas máscaras, além de manter o distanciamento.

"Você não vai saber quem está tossindo, espirrando. Você pode estar gritando palavras de ordem e uma pessoa do seu lado estar contaminada e fazendo a mesma coisa. Mesmo de máscara, nesse tipo de situação, o risco é enorme de se contrair a doença."

"Mensagem errada"

Pasternak diz que a manifestação neste momento "passa uma mensagem errada também". "A gente tem se esforçado tanto pedindo para as pessoas não fazerem aglomerações. A gente pediu para as pessoas não visitarem suas mães e agora vai dizer que tudo bem fazer a manifestação?"

Stucchi concorda e acredita que "fazer uma manifestação coletiva agora é reforçar o negacionismo". Para ela, a mensagem que a reunião pode passar é de que "estamos sob controle, está tudo indo bem". "O sentimento que eu tive quando eu soube da organização dessa manifestação coletiva é o de ter conhecimento de um suicídio coletivo."

Todo mundo tem direito de se manifestar. Assim como todo mundo direito à vida. Quando um direito sobrepõe o outro, a indução desse tipo de ação me parece irresponsável. Isso é fato. Em um evento com aglomeração, como esse, alguém vai estar infectado. E vai infectar uma outra pessoa.
Flávio Guimarães da Fonseca, presidente da SBV

Boulos discorda. "Você colocar isso no mesmo saco de quem sai a cavalo na Esplanada dos Ministérios sem máscara, abraçando os outros, não é uma postura de boa-fé", disse, em referência a manifestações das quais Bolsonaro participou.

Para ele, a quarentena no Brasil foi um "privilégio" e "não foi tratada como um direito". "As pessoas que estão indo para a rua em ônibus lotado não fazem isso porque são negacionistas. Elas fazem isso porque não têm outra alternativa", relembrando cortes e reduções no auxílio emergencial por parte do governo federal. "Elas não têm opção de quarentena. Elas têm que sair todo dia para buscar o jantar", diz Boulos.

Ao reforçar sua tese sobre a necessidade de manifestações, Boulos diz outras formas de protesto, como panelaços, mostraram um alcance limitado neste momento. "Embora sejam simbólicas, elas têm um limite de eficácia. Não são capazes de colocar um nível de pressão para dar visibilidade para as pautas que estamos defendendo e para o impeachment de Bolsonaro."

Para Boulos, o "Brasil não tem como esperar sangrando até 2022". "Aliás, achar que nós devemos esperar até 2022 é uma falta de empatia, inclusive, com as pessoas que todos os dias, que é a maioria do povo brasileiro, estão indo para as ruas em aglomerações, em transporte lotado, que estão se expondo ao vírus justamente por não ter uma alternativa."

Já Pasternak reforça que o ideal seria evitar atos de rua. "A gente tem que ser consistente. A gente não pode dizer que manifestação é razoável para um lado e para o outro, não", diz. "Se a gente está dizendo que todas as manifestações públicas devem ser evitadas agora, são todas."