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Variante gamma evoluiu e ampliou transmissão, diz cientista que a descobriu

Ambulâncias aguardando vaga em maior hospital de Manaus, em janeiro  - Carlos Madeiro/UOL
Ambulâncias aguardando vaga em maior hospital de Manaus, em janeiro Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

29/08/2021 04h00

Em janeiro, uma pesquisa coordenada pelo virologista Felipe Naveca, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Amazônia, confirmava a existência de uma variante do novo coronavírus, com origem no Amazonas.

Era a P.1 (hoje chamada de gamma), que viria a "dominar" o país e responder por mais de 90% dos casos de covid-19 no pico da segunda onda no país.

Sete meses após a descoberta, Naveca diz, em entrevista ao UOL, que a variante não para de apresentar mutações e que elas favoreceram a transmissibilidade do vírus.

Somente em julho, nós da rede Fiocruz descrevemos cinco novas linhagens derivadas da P.1 original.
Felipe Naveca, virologista

Ele afirma que ainda é cedo para saber se a variante delta vai fazer algo semelhante no Brasil. "Com a detecção dos primeiros seis casos de delta, na semana passada, no Amazonas, será possível verificar nas próximas semanas se haverá mudança no cenário epidemiológico e associar ou não à variante delta", diz.

Leia, a seguir, a entrevista:

UOL - A descoberta da P.1 tem pouco mais de sete meses. Ddesde lá, como ela se transformou e que preocupações essas mudanças causam ao coronavírus?

Felipe Naveca - A P.1 não permaneceu sem evoluir nesse período. Diversas mutações foram descritas por diferentes grupos de pesquisa, mas eu destacaria algumas em específico. Primeiro foram as mutações do tipo deleção no supersítio antigênico da proteína Spike. Essas deleções estão associadas com a diminuição da ligação dos anticorpos anti-SARS-CoV-2, fazendo com que o vírus consiga escapar de parte desses anticorpos.

Outras mutações que chamaram muita atenção foram aquelas relacionadas ao sítio de clivagem pela Furina. As mutações que encontramos em amostras de Manaus aumentam a ligação do vírus à Furina, o que contribui para torná-lo ainda mais transmissível. Duas dessas mutações (P681H e P681R) são encontradas nas variantes alpha e delta, respectivamente.

Somente em julho nós da rede Fiocruz descrevemos cinco novas linhagens derivadas da P.1 original (P.1.3, P.1.4, P.1.5, P.1.6, P.1.7). Só para se ter uma ideia de como essas mutações parecem ser benéficas para o vírus, P.1.4 e P.1.6 correspondem a mais de 85% dos genomas detectados no Amazonas em julho.

Felipe Naveca, da Fiocruz Amazônia - Fiocruz/Divugação - Fiocruz/Divugação
Felipe Naveca, da Fiocruz Amazônia
Imagem: Fiocruz/Divugação

Com a chegada da Delta, havia uma dúvida se ela se sobrepôr à P.1 aqui. Já temos algum resultado desse "duelo"?

Ainda é cedo para se ter certeza, e novamente essa resposta pode vir do Amazonas, já que foi o primeiro estado a entrar em colapso duas vezes e ter 99,4% de circulação da gamma desde fevereiro. Com a detecção dos primeiros seis casos de delta, na semana passada, resultado obtido através da parceria da Fiocruz Amazônia e a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, será possível verificar nas próximas semanas se haverá mudança no cenário epidemiológico e associar ou não à variante delta. Hoje vivemos uma queda contínua de casos.

As variantes se tornaram a maior preocupação em todo o mundo. Esse processo tende a se tornar diferente com a vacinação, que está bem desigual entre os países do mundo?

Avançar com a vacinação em todos os países é algo crucial para vencermos a pandemia. Com a contínua evolução do SARS-CoV-2, poderão surgir novas variantes, especialmente em países mais pobres e que estejam avançando mais lentamente na imunização da população.

A nenhum vírus é interessante matar o hospedeiro. No caso do SARS-CoV-2, parece que as mudanças o tornaram ainda mais agressivo. A que se deve isso?

Podemos afirmar que as mudanças que o vírus apresentou foram no sentido de permanecer circulando, tornando-se cada vez mais transmissível, uma vez que foram sendo selecionadas variantes cada vez mais adaptadas aos seres humanos. O problema é que, com mais casos, mais casos graves surgiram.

O mundo está sendo dominado pela delta, mas os números aqui caem. Estamos vivendo aquele "atraso" da chegada de uma nova onda ou a vacina já estaria nos protegendo?

Há um percentual de pessoas imunizadas, seja pela vacinação, seja porque foram contaminadas previamente, e isso é sim responsável pela diminuição dos números. Esse cenário diminui a chance de o vírus encontrar um hospedeiro suscetível, mas não significa que já vencemos. Temos ainda muito o que avançar na vacinação para pensar em um cenário mais tranquilo.

O exemplo dos EUA é muito significativo, onde, após um período de calmaria, os números voltaram a crescer, justamente nos grupos não vacinados. A grande lição que fica é que a imunidade coletiva só pode ser pensada através da vacinação, uma vez que a exposição intencional a um vírus potencialmente mortal é um erro grosseiro e que cobra um custo alto de vidas humanas.

Nesse cenário, a reabertura de serviços e eventos, por exemplo, é um erro? O Brasil estaria, novamente, cometendo os mesmos erros de confiar que a pandemia já terminou?

A pandemia ainda não acabou e serão os nossos atos que farão com que ela dure mais ou menos. Não podemos reabrir tudo sem planejamento, e cada estado vive um momento diferente no número de casos novos. Hoje, por exemplo, há um aumento de casos sendo noticiado no Rio de Janeiro, enquanto temos queda no Amazonas. Assim não existe uma receita única para todo o país e as autoridades locais devem fazer estratégias de acordo com os seus dados epidemiológicos.

É preciso que, após mais de um ano e meio de pandemia, tenhamos aprendido alguma coisa.

O que podemos e devemos fazer para evitarmos novas ondas?

Continuarmos com os cuidados de usar máscara, lavar as mãos com água e sabão constantemente ou usar álcool em gel e avançar o mais rapidamente possível com a vacinação.