As lições que os países que aboliram a máscara podem dar ao Brasil
Resumo da notícia
- Países que liberaram pessoas de usarem máscara viram casos crescerem
- Médicos dizem que vacinação não pode ser único critério para desobrigar uso
- Taxa de transmissão no Brasil ainda seria impeditivo, dizem especialistas
Com uma média em torno de 500 mortos por dia por covid-19 e com apenas uma unidade da federação com taxa de transmissão abaixo de 1 (quando há retração dos casos), o Brasil já vê cidades debaterem o fim da obrigatoriedade do uso de máscara em ambientes abertos. Nos países em que ela aconteceu, a medida foi acompanhada de uma piora nos números da pandemia.
Em níveis diferentes, Estados Unidos, Israel, Itália, Grécia, Nova Zelândia e Reino Unido, por exemplo, registraram alta no número de casos semanas após a desobrigação do uso do item de proteção.
A aposta para a decisão nesses locais era com base na cobertura vacinal ou na taxa de transmissão do vírus. Os imunizantes que temos hoje atuam principalmente para diminuir as chances de óbito e casos graves da doença, mas não impede por completo a transmissão caso a pessoa contraia o vírus. Além disso, as variantes têm se mostrando mais velozes na proliferação do vírus.
"Assim, é difícil manter o controle do aumento de casos somente com a vacinação", observa Fabrício Augusto Menegon, epidemiologista e professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
Elevação sem máscara
Nesses países, os números indicam uma queda agora, cerca de três meses após a flexibilização, mas ainda em patamares superiores ao de antes da flexibilização do uso das máscaras. Em Israel, por exemplo, a queda acompanhou a dose de reforço da vacina contra a covid-19. Nos Estados Unidos, as pessoas que não estão vacinadas colaboraram para o recrudescimento da pandemia no país.
Na Nova Zelândia —que imunizou pouco menos da metade da população até agora—, a região onde foi identificado o foco de transmissão foi isolada. O país, que tinha a pandemia como controlada, viu o número de casos crescer após flexibilizações. No caso deles, porém, isso significou passar de uma média de cerca de 5 casos por dia para 30. Nos outros países, a situação está na casa das centenas ou dos milhares.
"A lição que estes países que já optaram por flexibilizar o uso de máscaras nos dão é que, caso isso seja feito [aqui], o monitoramento dos casos confirmados e dos contatos deverá ser intensificado. E aí, reside nosso grande problema: o Brasil testa pouco, monitora mal e tem sido ineficaz em convencer as pessoas da necessidade de manter o distanciamento", diz Menegon.
Discussão no Brasil
Desejo antigo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) —que sempre evitou usar o item de proteção—, o tema voltou ao debate após o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), indicar que, com 65% da população vacinada, já se poderia liberar as pessoas de usarem máscara em ambientes abertos. A expectativa dele era que esse cenário já fosse atingido no final da próxima semana.
A medida é criticada por especialistas, que dizem que tal decisão deve vir acompanhada da observação da taxa de transmissão e da análise do número de mortes e casos.
"Para você parar de usar máscara, o critério tem que ser redução muito grande de transmissão na comunidade", diz o infectologista Luis Fernando Aranha, do Hospital Albert Einstein.
"Com a taxa de transmissão acima de 1, impossível. Nenhum lugar pode tomar medida de flexibilização de uso de máscara com transmissão acima de 1", concorda o chefe da infectologista da Unesp, Alexandre Naime, consultor sobre covid-19 para a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e para a AMB (Associação Médica Brasileira).
Quando a taxa está acima de 1, significa que a contaminação pelo vírus está em expansão no país. Por dia, 17 mil pessoas por dia são contaminadas com o novo coronavírus em média no Brasil, país que tem apenas o estado de São Paulo com taxa de transmissão abaixo de 1, segundo dados do Observatório Covid-19 BR compilados até a última quarta-feira (6).
Importância da máscara
Membro do observatório, a professora Lorena Barberia, do departamento de Ciência Politica da USP (Universidade de São Paulo), ressalta que a máscara ainda é importante para o combate à pandemia no Brasil.
"Não é correto pensar que, só porque a gente chegou a determinada cobertura vacinal, quer dizer que tudo está resolvido", diz. No Brasil, cerca de 45% da população tomou a segunda dose ou a dose única.
"A conduta mais correta é a gente evitar que as pessoas sejam infectadas. E, especialmente, a gente tem que enfrentar essa questão do ponto de vista das pessoas que nem sequer tem a chance de ter uma vacina", diz, lembrando que pessoas até 11 anos de idade ainda não podem ser vacinadas. "Não podemos fazer isso com crianças. Não é ético, não é correto."
Número menor, mas ainda alto
Em abril, o Brasil tinha uma média móvel de cerca de 3.000 mortes por dia. Hoje, são 500, praticamente um sexto do que se observava há seis meses. Mesmo assim, ainda é o equivalente a quase três acidentes aéreos por dia em voos lotados de um Airbus A320-200 ou um Boeing 737-700.
"Número de casos diminuiu, mas ele ainda é excessivamente alto", diz Aranha. "Você tem 500 óbitos por dia. É claro que é muito menor. Mas não é pouco. 500 óbitos por dia não é pouco."
Naime diz que a flexibilização no uso das máscaras tem que seguir a análise da situação na região. Ele dá como exemplo Ilhabela, cidade do litoral paulista, tida por ele como a "Nova Zelândia brasileira" em termos de situação da pandemia. Entre 3 e 6 de outubro, foram cinco casos registrados na cidade.
"É um lugar que se resolvesse não obrigar máscara em ambiente externo, na praia, ambiente aberto, qual o risco? É um exemplo extremo, lógico, é uma ilha. O que não pode acontecer é o que aconteceu em Duque de Caxias, diz referindo-se à cidade fluminense, que desobrigou o uso até em locais fechados, algo que não está no horizonte de ninguém no Brasil a médio prazo.
Para Naime, em um cenário com baixa transmissão do vírus, é possível liberar o uso da máscara em ambientes externos, desde que seguidas algumas regras, como evitar aglomerações. "Sempre que se aproximar de pessoas que não fazem parte do meu círculo, colocar máscara", diz. "É bom deixar claro o que pode e o que não pode."
Máscara para diminuir transmissão
Barberia lembra que, "quanto mais pessoas sem máscara, mais dificuldade você terá para fechar a cadeia de transmissão". Ao UOL, a OMS (Organização Mundial da Saúde) reforçou a importância de se manter a utilização das máscaras. "As vacinas salvam vidas, mas, por si só, não são suficientes. Precisamos continuar a 'fazer tudo', especialmente quando a maioria das pessoas na sociedade não está vacinada e a covid-19 está disseminada."
Menegon reforça que a desobrigação pode reduzir "a percepção do risco de se contaminar". "O uso de máscaras é uma medida individual, mas de repercussão coletiva. Quem não usa e está doente espalha o vírus. E, daí, todos somos afetados", completa, pontuando, que mais de um ano e meio de pandemia, "ninguém mais pode alegar ignorância sobre isso".
"Está melhorando, mas vai melhorar ainda mais se a gente continuar com vacinação, uso de máscara, testagem", diz a professora. "Entendo essa vontade de sair, de abraçar todo mundo, de beijar sem máscara. Mas vale a gente fazer essa aposta? Quantas vidas mais a gente quer arriscar para esse benefício a curto prazo de alguns?"
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