Não é só microcefalia: zika ataca e destrói partes dos cérebros dos bebês

Pam Belluck

  • Radiology via The New York Times

    Setas apontam para depósito de cálcio em uma área do cérebro; mãos contraídas são um sintoma comum de zika

    Setas apontam para depósito de cálcio em uma área do cérebro; mãos contraídas são um sintoma comum de zika

Com um catálogo macabro de tomografias cerebrais e imagens por ultrassom, um novo estudo detalha a devastação causada a 45 bebês brasileiros, cujas mães foram infectadas pela zika durante a gravidez.

O estudo, publicado na terça-feira na revista "Radiology", é a coleção mais abrangente dessas imagens até o momento, e revela um vírus que pode lançar ataques além da microcefalia, a condição de cabeças anormalmente pequenas que se transformou na assinatura sinistra da zika.

A maioria dos bebês no estudo nasceu com microcefalia, mas muitos deles também sofreram outras deficiências, incluindo danos a partes importantes do cérebro: o corpo caloso, que conecta os dois hemisférios do cérebro; o cerebelo, que exerce um papel importante no movimento, equilibro e fala; os gânglios basais, que estão envolvidos no pensamento e emoção.

"Não se resume apenas ao cérebro pequeno, há muito mais danos", disse a dra. Deborah Levine, uma autora do estudo e professora de radiologia da Escola de Medicina de Harvard, em Boston. "As anormalidades que vemos no cérebro sugerem uma disrupção precoce do processo de desenvolvimento do cérebro."

Os resultados também levantam preocupações sérias sobre se os bebês nascidos sem essas deficiências óbvias podem desenvolver danos cerebrais à medida que crescem. Por exemplo, quase todos os bebês no estudo apresentavam problemas no córtex, incluindo aglomerados de cálcio e neurônios que não estavam na posição certa no cérebro.

Como o córtex continua se desenvolvendo após o nascimento, disse Levine, "estamos preocupados que possa haver casos brandos que ainda não vimos, e devemos continuar monitorando os bebês após o nascimento, para ver se apresentam anormalidades corticais".

 

As imagens estudadas vieram de 17 bebês cujas mães foram confirmadamente infectadas pela zika durante a gravidez e de 28 sem prova laboratorial, mas com todas as indicações de zika.

Levine trabalhou com colegas no Brasil, que registrou mais de 1.800 casos de microcefalia associadas ao vírus da zika, para analisar as imagens do Instituto de Pesquisa da Paraíba, no Nordeste do país. Três dos bebês morreram nos primeiros três dias de vida e os pesquisadores estudaram os relatórios de suas autópsias.

As imagens incluem duas tomografias de meninas gêmeas, ambas apresentando microcefalia. As imagens mostram dobras de pele e testa inclinada, indicações não apenas de que o cérebro é menor, mas também de que o encéfalo frontal não se desenvolveu normalmente, disse Levine.

Os pesquisadores disseram que estão tornando as imagens públicas para que médicos de todo o mundo tenham uma ideia melhor do que procurar nos cérebros dos fetos e recém-nascidos atingidos pelo vírus.

O estudo sugere que o vírus da zika é um inimigo formidável, capaz de atacar de muitas formas.

Levine, que também é diretora de ultrassonografia obstétrica e ginecológica no Centro Médico Diaconisa Beth Israel, descreveu seu ataque em três frentes.

O vírus causa disgênese, na qual partes do cérebro não se formam normalmente. Causa obstrução, principalmente por manter os ventrículos ou cavidades do cérebro cheias de fluídos, de modo que "inflam feito um balão", ela disse. E destrói partes do cérebro após se formarem.

O cérebro que deveria estar lá não está

Levine

Um dos bebês era um dos três no estudo cujo tamanho da cabeça não era pequeno o bastante para atender a definição médica de microcefalia. Mas segundo Levine, isso provavelmente se deve aos seus ventrículos estarem cheios de líquido cefalorraquidiano incapaz de ser drenado.

"Os ventrículos incharam e mantiveram o crânio ainda maior", ela disse.

Nas tomografias cerebrais, feitos a 36 semanas de gravidez e um dia após o parto, o líquido é muito proeminente, "parece o crânio e com muito pouco tecido cerebral em seu interior", ela disse. No topo da cabeça do bebê há dobras indicando que a cabeça já foi maior ou que a pele continuou crescendo enquanto a cabeça parou.

"Há pele demais para o tamanho da cabeça", disse Levine.

Não se sabe o que acontecerá à medida que esse bebê se desenvolver. Os ventrículos, assim como um balão, podem estourar, ela disse. E se isso acontecer, "o cérebro colapsará".

 

Um vídeo mostra uma série de tomografias do cérebro do mesmo bebê feitos um dia após o nascimento. Ele basicamente fornece uma turnê pelo cérebro de baixo até o topo, disse Levine. A cerca de 3 segundos do vídeo, as imagens revelam uma cabeça tão cheia de ventrículos ampliados por fluidos que é difícil ver sinais de outra matéria cerebral.

Na tomografia do cérebro de uma menina nascida com microcefalia, setas apontam para os depósitos de cálcio nos gânglios basais, uma parte muito profunda do cérebro, disse Levine. A área branca em forma de L acima e à esquerda das setas mostra calcificação na intersecção das matérias cinzenta e branca do cérebro, uma área que o estudo mostrou ser comumente danificada, por razões ainda desconhecidas.

As mãos e braços contraídos do bebê mostram outro sintoma comum, disse Levine. A zika parece danificar os nervos do feto em desenvolvimento de modo que às vezes "os músculos não se desenvolvem normalmente, por não terem os impulsos nervosos para se mover de modo normal", ela disse. "E então quando nascem, ficam presos nessa posição contraída." Esse bebê, ela disse, "provavelmente não consegue mover as mãos".

Ambas as gêmeas incluídas no estudo desenvolveram microcefalia. Apesar de em alguns casos um gêmeo desenvolver microcefalia e outro não, neste caso as gêmeas apresentavam um grau semelhante de danos cerebrais, sugerindo que, no útero da mãe, "ambas foram infectadas ao mesmo tempo", disse Levine.

As tomografias cerebrais das gêmeas mostram que os bebês têm pouco ou nenhum corpo caloso para ajudar um lado do cérebro a se comunicar com o outro.

"O corpo caloso é muito importante", disse Levine. "É a maior estrutura que conecta os dois lados do cérebro."

Anormalidades no corpo caloso foram encontradas em 38 bebês. "Em alguns casos, não havia um", ela disse. "Isso significa que nunca se formou ou que foi destruído."

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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