Fernando Lugo: o ex-bispo que acabou com a herança de Stroessner no Paraguai
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Norberto Duarte/AFP
O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, fala no palácio presidencial após a Câmara dos Deputados abrir um processo de impeachment contra ele, por "baixa performance das funções"
Fernando Lugo, um bispo católico ligado ao movimento agrário, que pendurou a batina para concorrer à Presidência do Paraguai, foi quem pôs fim a 61 anos de hegemonia do partido Colorado, sustentáculo da ditadura do general Alfredo Stroessner (1954/89).
Lugo venceu as eleições presidenciais de 20 de abril de 2008 à frente de uma coalizão de partidos de direita e esquerda, a Aliança Patriótica para a Mudança (APC, sigla em espanhol) pondo fim ao partido Colorado, que se confundiu durante seis décadas com o Estado paraguaio.
A nove meses das eleições presidenciais, a exemplo de seus inimigos históricos colorados, Lugo deverá enfrentar um processo de impeachment no Congresso, acusado de mau desempenho de suas funções, por causa de um sangrento enfrentamento ocorrido no dia 15 de junho onde morreram 11 camponeses de um movimento sem terra do qual é próximo e seis policiais.
Várias denúncias de paternidade marcaram sua Presidência
A Presidência de Lugo foi sacudida por reiteradas denúncias de paternidade feitas por várias mulheres, que pediam exames de DNA por filhos que, segundo elas, tiveram com o mandatário enquanto era bispo de San Pedro, departamento mais pobre do país.
Sua popularidade de 93% no momento de sua posse como chefe de Estado caiu para 30% depois dos escândalos em abril de 2009, quando foi obrigado a reconhecer um filho de 2 anos, Guillermo Armindo, de Viviana Carrillo, de 24 anos.
Em agosto de 2010, seus médicos anunciaram que ele sofria de câncer linfático, na última fase (4), mas afirmaram que ele poderia ser curado. Lugo se submeteu a seis sessões de quimioterapia, reduzindo consideravelmente suas aparições públicas.
Há duas semanas, o presidente foi obrigado a reconhecer outro filho (Ángel, de 10 anos) de uma segunda mulher que pediu reconhecimento de paternidade, enquanto outras duas entraram com um processo contra ele pelo mesmo motivo.
O ex-sacerdote, que trabalhou no Equador com o monsenhor Leónidas Proaño, conhecido pelos equatorianos como "bispo dos pobres", se cercou durante seu governo de colaboradores de esquerda, representantes de dezenas de partidos e movimentos políticos e sociais.
Partidário da Teologia da Libertação, Lugo afirmou então que seu governo não cairia na polarização ideológica, evitando se identificar com qualquer corrente de esquerda latino americana em particular.
A luta pela terra dos camponeses pobres abalou seu governo
Conduzido à política por seu trabalho entre os camponeses, Lugo afirmava, ao assumir a Presidência, que faria uma reforma agrária "projetada e negociada com todos os atores envolvidos, sem processos traumáticos nem violentos".
Mas foi abalado por invasões de grupos de camponeses ligados ao governo em propriedades de ricos produtores no leste, região agrícola mais rica do país na fronteira com Brasil e Argentina, onde milhares de colonos "brasiguaios" prosperam.
Fazendeiros e políticos de oposição denunciaram esses procedimentos violentos, próximos à ilegalidade.
Os dirigentes dos agricultores sem terras da Liga Nacional de Acampados, que invadem propriedades e se instalam em tendas de plástico, foram recebidos em várias oportunidades pelo presidente Lugo no Palácio do Governo e na residência presidencial.
Na sexta-feira, 15 de junho, seis policiais desarmados foram mortos durante a desocupação de uma propriedade em Curuguaty, 250 km a nordeste de Assunção, possivelmente por franco-atiradores que estavam ao lado dos camponeses.
A reação da polícia provocou a morte de 11 camponeses e a consequente crise política e o pedido de impeachment do presidente.
Nascido no dia 30 de maio de 1951 em uma família humilde na pequena localidade de San Solano, 400 km a sudeste de Assunção, o menor de sete irmãos (cinco homens e uma mulher), Lugo começou como noviço dos missionários do Verbo Divino em 1970 e foi ordenado sacerdote em 1977, até chegar a bispo.
Em 2004, aos 50 anos, foi surpreendentemente aposentado quando exercia as atividades de bispo emérito, supostamente por seus problemas amorosos.
Sobrinho de um líder do Partido Colorado que foi perseguido e exilado pelo ditador Stroessner, Lugo ingressou na política dia 29 de março de 2006, quando conseguiu reunir 40 mil pessoas de todas as tendências para protestar contra o então governo de Nicanor Duarte (2003/2008).
O comício na praça do Congresso paraguaio foi o trampolim que o levou a largar a batina e se transformar no eixo de uma "consulta nacional" com o objetivo de acabar com o monopólio do poder pelos colorados.
Sua incursão na política valeu a ele a suspensão "a divinis" do Vaticano.