Topo

Republika Srpska, terra sérvia onde Ratko Mladic ainda é herói

22/11/2017 14h51

BOZANOVICI, Bosnie-Herzégovine, 22 Nov 2017 (AFP) - "Nunca fiz mal a ninguém! Ele tampouco!", afirma Dusko Mladic, mostrando o retrato de seu primo, que foi condenado nesta quarta-feira (22) à prisão perpétua por crimes contra a humanidade.

Ratko Mladic é conhecido no Ocidente como o "açougueiro dos Bálcãs" e foi condenado pelo cerco de Sarajevo e pelo massacre de Srebrenica cometido pelas forças sérvias durante o conflito intercomunitário de 1992 a 1995, que deixou 100.000 mortos e 2,2 milhões de deslocados.

Em sua casa, na Republika Srpska (República Sérvia), entidade de um milhão de sérvios na Bósnia, "continuará sendo um herói, independentemente de tudo", declara Momcilo Krajisnik, de 72 anos, ex-presidente do Parlamento dos sérvios da Bósnia.

Krajisnik foi condenado em Haia a 20 anos de prisão e em sua libertação, em 2013, foi recebido de forma triunfal em Pale, ex-reduto de Radovan Karadzic.

As milhares de pedras brancas do memorial de Srebrenica não estremecem Mladen Grujicic, prefeito sérvio da cidade mártir. A cifra de mortos "escrita na placa não é exata" e Mladic "pessoalmente não cometeu nenhum crime", diz ele, que recebeu a Prefeitura de um bósnio no ano passado.

Em julho de 1995, durante três dias, cerca de 8.000 homens e adolescentes muçulmanos foram assassinados pelas forças sérvias que tomaram o enclave muçulmano na Bósnia oriental.

- 'Rua General Mladic' -Dusko Mladic, aposentado e ex-combatente, mora em Bozanovici (leste), de onde vem toda a sua família, em frente à casa onde nasceu, assim como seu primo. Uma placa nesta rua de pedestres que atravessa o povoado montanhoso diz: "Rua General Mladic".

Dusko evoca seu "ídolo" de infância, que trabalhava no campo quando estava de licença e criava armas de brinquedo com pedaços de madeira. O retrato de seu primo está em sua garrafa de "rakija", uma cachaça caseira. "Se ficarmos ao lado da Justiça, da verdade, de Deus, deveria ser absolvido", diz.

E essa opinião é compartilhada para além do círculo familiar. "Cada habitante da Republika Srpska receberia com alegria uma absolvição", afirma Janko Seslija, de 57 anos, presidente dos ex-combatentes da unidade de comando paramilitar de Pale, os "Lobos brancos" ("Beli vukovi").

Nesta cidade repleta de monumentos a ex-combatentes e onde se instalaram muitos sérvios que deixaram Sarajevo, a cerca de 15 quilômetros ao sul, a aura de Mladic está intacta.

"Terá que esperar muito para ter outro homem assim", "um grande patriota", declara Jelena Sekara, enfermeira de cerca de 50 anos. "O general é um herói", insiste Ljubomir Cvoro, de 28 anos, desempregado.

"A maioria dos meus colegas comandantes acabou na prisão", "foi interrogado pela Justiça bósnia", mas "ninguém jamais me ordenou cometer crimes, não os vi e não escutei Mladic ordená-los", afirma Mile Kosoric, de 64 anos, um ex-oficial superior que combateu sob seu comando.

"Só acredito que se não tivéssemos nos defendido não existiríamos mais", continuou o ex-militar iugoslavo, reformado em Han Pijesak, reduto nacionalista sérvio onde Ratko Mladic instalou seu quartel-general em meio a uma floresta de pinheiros.

- As 'três verdades' -Em seu escritório de trabalho nos arredores de Pale, Momcilo Krajisnik colocou uma condecoração outorgada pelo atual chefe político dos sérvios da Bósnia, Milorad Dodik: "em todas as partes a verdade é única, exceto na Bósnia-Herzegovina. Aqui há três verdades", a dos sérvios, dos croatas e dos bósnios.

"Para os sérvios o tribunal foi criado para julgar os sérvios (...) condenados por feitos pelos quais outros não são sequer acusados".

Na Republika Srpska, a recente absolvição do comandante bósnio de Srebrenica, Naser Oric, não é bem vista.

"É o veredito mais vergonhoso da história", denuncia Mladen Grujicic, para quem as justiças internacional e bósnia continuam "designando o povo sérvio como genocida". Se Oric tivesse sido "condenado, essa imagem teria mudado".

Esse tribunal não criou "as condições para virar a página", considera o presidente da associação ex-combatentes de Pale, Mihailo Paradjina, de 63 anos.

Em seu trabalho, Krajisnik profetiza que "o ódio que nasceu" nos anos 1990 "dificilmente será desenraizado".

ng-rus/pa.