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Cesare Battisti deixa a Bolívia em avião rumo à Itália

O ex-guerrilheiro Cesare Battisti em avião na Bolívia, onde vai viajar à Itália para ser preso  - AFP
O ex-guerrilheiro Cesare Battisti em avião na Bolívia, onde vai viajar à Itália para ser preso Imagem: AFP

13/01/2019 19h23

O ex-ativista italiano de extrema-esquerda Cesare Battisti foi entregue neste domingo (13) por autoridades bolivianas a agentes italianos em Santa Cruz de la Sierra (leste), de onde partiu rumo à Itália em um avião especial, que chegou de Roma mais cedo.

Segundo jornalistas da AFP no local, Battisti, detido na noite de sábado em Santa Cruz, foi trasladado por policiais ao aeroporto boliviano de Viru-Viru, Santa Cruz, 900 km a leste de La Paz. No local estava pessoal diplomático da Itália e da Defensoria do Povo da Bolívia. De Roma, o ministério italiano do Interior confirmou o traslado.

De acordo com o ministério da Justiça italiano, policiais penitenciários estarão aguardando a chegada de Battisti no aeroporto de Ciampino, em Roma. A chegada do italiano está prevista para a tarde dessa segunda-feira (14). 

Pelo Twitter, o ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, afirmou que está "orgulhoso e comovido". 

Battisti em avião na Bolívia - Reprodução - Reprodução
O ex-guerrilheiro Cesare Battisti entra em avião na Bolívia rumo à Itália para ser preso
Imagem: Reprodução


A prisão 

Condenado à prisão perpétua na Itália pela morte de quatro pessoas, Cesare Battisti "foi detido por policiais bolivianos da Interpol na rua" no sábado, relatou a fonte ouvida pela AFP. Battisti "entrou de maneira ilegal no país", aparentemente com documentos falsificados, acrescentou a mesma fonte.

Inicialmente houve uma dúvida se Battisti viajaria ao Brasil antes de voltar para a Itália. Mas, após uma negociação com o governo brasileiro, a Itália decidiu que Battisti deveria ir da Bolívia diretamente a Roma. 

"O Brasil ofereceu facilitar o embarque pelo território nacional e devido à urgência foi encaminhada uma aeronave da Polícia Federal brasileira à Bolívia. No entanto, optou-se pelo envio direto do prisioneiro à Itália.", diz uma nota assinada pelo Ministério das Relações Exteriores em conjunto com o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Entenda o caso

Cesare Battisti, ex-ativista de esquerda italiano condenado por homicídios e que foi detido neste sábado (12) na Bolívia, passou cerca de 40 anos de sua vida em fuga quase permanente, com períodos de prisão e lutas político-judiciais para evitar a Justiça do seu país.

Condenado à revelia à prisão perpétua na Itália, Battisti, de 64 anos, passou por México, França e Brasil, onde a Justiça rejeitou em um primeiro momento sua extradição para a Itália para depois autorizá-la.

A Itália quer punir um dos últimos protagonistas dos "anos de chumbo" de violência dos anos 1970.

Battisti, um poliglota de voz suave e conhecido por suas polêmicas, nasceu no sul de Roma em 18 de dezembro de 1954 em uma família comunista, mas também católica, como ele.

Após passar várias vezes pela prisão por crimes comuns, no final dos anos 1970 entrou para a luta armada dentro do grupo Proletários Armados Pelo Comunismo (PAC).

"Tentar mudar a sociedade com as armas é uma estupidez, mas bom, naquela época todo mundo tinha pistolas", declarou em 2011. "Havia guerrilheiros no mundo inteiro, a Itália vivia uma situação pré-revolucionária", acrescentou.

Após ser detido em Milão, Battisti foi preso em 1979 e fugiu em 1981. Em 1993, foi condenado à revelia à prisão perpétua por dois homicídios e por cumplicidade em outros dois, cometidos em 1978 e 1979, crimes pelos quais diz ser inocente.

Após passar pelo México, encontrou refúgio na França entre 1990 e 2004, graças à proteção do ex-presidente socialista François Mitterrand, que se comprometeu a não extraditar nenhum militante de extrema-esquerda que tivesse renunciado à luta armada.

Assim como uma centena de militantes italianos dos anos 1970, Battisti refez sua vida em Paris.

Trabalhou como vigia em um prédio e começou a escrever e publicar uma dezena de romances policiais com muitos elementos autobiográficos, que abordam temas como a redenção ou o exílio de ex-militantes extremistas.

Em 2004, o governo de Jacques Chirac decidiu pôr fim à "jurisprudência Mitterrand" e extraditá-lo.

Apesar do apoio de várias personalidades, como o romancista Fred Vargas ou o filósofo Bernard-Henri Levy, a Justiça francesa recusou o recurso contra a extradição. Battisti, então, fugiu para o Brasil com uma identidade falsa, segundo ele, com ajuda dos serviços secretos franceses.

Depois de três anos vivendo na clandestinidade, em 2007 foi detido no Rio e ficou quatro anos na prisão, onde fez uma greve de fome porque dizia preferir morrer no Brasil a voltar para a Itália.

"Escrever para não me perder na névoa dos dias intermináveis, repetindo-me que não é verdade. Que não sou eu esse homem que os meios transformaram em monstro e reduziram ao silêncio das sombras", diz em "Minha fuga sem fim", livro escrito no cárcere.

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal autorizou sua extradição, mas deixou a decisão final nas mãos do então presidente Lula, que acaba rejeitando extraditá-lo. Em represália, a Itália chama a consultas seu embaixador em Brasília.

Em junho de 2011, Battisti é libertado e consegue obter a residência permanente no Brasil. Instala-se em Cananeia, litoral sul de São Paulo, onde continua escrevendo e tem um filho.

Mas a Justiça brasileira toma decisões contraditórias. Em 2015, uma juíza da 20ª Vara Federal do Distrito Federal determinou a deportação de Battisti para a Itália. No mesmo ano, ele se casa com a companheira brasileira Joice Lima em um camping de Cananeia.

Dois anos depois, é detido em Corumbá (MS), na fronteira da Bolívia, acusado de querer fugir, e foi mantido monitorado com tornozeleira eletrônica por quatro meses.

Após a eleição, em outubro passado, do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, que prometeu extraditá-lo, Battisti voltou à clandestinidade após 40 anos de fuga até este sábado, quando sua prisão foi anunciada em Santa Cruz de la Sierra, região central da Bolívia.