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Os jovens na linha de frente em Hong Kong, sem líderes nem ilusões

Os jovens na linha de frente em Hong Kong, sem líderes nem ilusões - Thomas Peter/Reuters
Os jovens na linha de frente em Hong Kong, sem líderes nem ilusões Imagem: Thomas Peter/Reuters

16/06/2019 11h32

Hong Kong, 16 Jun 2019 (AFP) - Os jovens de Hong Kong que enfrentaram a polícia de choque na última semana explicam por que escolheram a estratégia do confronto depois de anos de manifestações pacíficas contra a erosão das liberdades na ex-colônia britânica.

Em uma série de entrevistas com a AFP, esses jovens, em sua maioria estudantes, relatam ter perdido a fé nas manifestações pacíficas e campanhas de desobediência civil.

Os líderes dos movimentos pró-democracia anteriores estão presos e, por isso, os jovens de hoje não têm orientação e devem se organizar em pequenas células.

Este centro financeiro internacional, devolvido à China em 1997, foi palco de violência sem precedentes na última quarta-feira, quando jovens confrontaram a polícia para protestar contra um projeto de lei, que já foi suspenso, de extradições para a China continental.

Na linha de frente, Sharon, uma estudante de 18 anos, afirma ter percebido três dias antes que as manifestações pacíficas são inúteis.

Um número recorde de manifestantes - um milhão, de um total de sete milhões de habitantes, segundo os organizadores - foi às ruas para exigir a retirada do projeto de lei.

O executivo de Hong Kong se recusou a retirar o texto, embora tenha suspendido temporariamente seu processo legislativo no sábado.

- Preparados para o confronto -"Percebi que, mesmo que um milhão de pessoas protestem, isso não tem impacto", diz Sharon. "As pessoas entenderam que as manifestações pacíficas não funcionam".

Andrew, de 22 anos, e um grupo de oito amigos prepararam-se cuidadosamente antes de ir para a manifestação. Eles compraram material para se proteger, óculos e papel transparente para embalar alimentos e evitar as queimaduras provocadas pelo gás lacrimogêneo, além de ataduras para eventuais feridas.

"Ninguém nos disse para usar a força ou ir para a linha de frente", assegura.

A decisão de enfrentar as forças de ordem para tentar entrar no Conselho Legislativo (LegCo, Parlamento local) foi espontânea, sem ordens vindas de cima.

É evidente o contraste com o imenso movimento pró-democracia de 2014, quando os manifestantes ocuparam bairros inteiros por mais de dois meses para exigir que a eleição do chefe de governo fosse feita por sufrágio universal.

Apesar de confrontos esporádicos com a polícia, o movimento naquela época foi em grande parte pacífico, liderado por líderes claramente identificados.

Mas a "Revolta dos Guarda-chuvas" não conseguiu obter a menor concessão, e várias figuras do movimento, como o líder estudantil Joshua Wong e o estudante universitário cristão Benny Tai, estão na prisão.

"O que fizemos foi insuficiente para o governo perceber a raiva e o descontentamento do povo. E é por isso que agora decidimos mudar", acrescenta Andrew.

"Radicais e violentos"

A polícia descreveu a manifestação da quarta-feira de tumulto, com "pessoas organizadas, preparadas, radicais e violentas", segundo um comissário de polícia.

O chefe de polícia de Hong Kong defendeu seus agentes e afirmou que eles foram atacados com projéteis, como paralelepípedos.

Carrie Lam, chefe do Executivo pró-Pequim da cidade, também criticou os tumultos e se recusou a pedir desculpas pela dispersão violenta dos manifestantes, ainda que no sábado tenha anunciado a suspensão do polêmico projeto.

Mas tanto as forças de segurança quanto a própria Lam foram acusadas de uso excessivo da força por grupos de direitos humanos, advogados e juristas.

Vários pais de família manifestaram com cartazes perguntando: "Não atirem nos nossos filhos".

Andrew, que afirma ter sido espancado com cassetetes, garante que as pessoas começaram a justificar as táticas mais radicais.

"Havia pessoas de terno que vieram nos perguntar se precisávamos de alguma coisa", disse ele.

Leung, uma estudante que participou de todas as manifestações dos últimos anos, diz que sua geração "não tem nada a perder".

Para Andrew, as possíveis repercussões do projeto de extradição são mais fortes do que o medo de ser preso. "Mesmo se eu escolher o conforto e me tornar um banqueiro, se esta lei for adotada, me sentirei ameaçado".